Os rios, o silêncio e a porteira

Opinião

Gilberto Soares

Gilberto Soares

Coluna aborda temas do cotidiano, política e economia. Escreve duas vezes por mês, sempre aos sábados.

Os rios, o silêncio e a porteira

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“Se tens que lidar com água, consulta primeiro a experiência, depois a razão.” Leonardo da Vinci
Era um guri quando aprendi que os rios cumprem um destino da nascente à foz, onde atenuam um pouco do sal do mar. Uma exceção, desconhecida por mim na época, corta São Paulo. Dá significado a Sampa, “que ergue e destrói coisas belas”, na definição tristemente correta nos versos de Caetano Veloso. Tietê é o nome desse rio – “água verdadeira” em tupi. Deixa de ser “água de verdade” ao ser tocado pelo desvairio da pauliceia – com a licença de Mario de Andrade. Na capital, vaga como serpente putrefata da marginal. Como a vida é feita de surpresas, o mar não recebe o Tietê; nem a morte consegue aprisioná-lo. A natureza carrega-o para o Interior, onde revive com o vigor dos titãs superiores à pequenez dos homens.
ESTRADA – O Taquari – “rio das taquaras” para os kaingangs –, foi a estrada natural da colonização desta região. Por anos – duros anos pioneiros –, manteve o elo essencial de um Estado carente de infraestrutura. Moveu o crescimento no embarque e desembarque nos portos com jeito de atracadouros, no navegar dos vapores e no sobe e desce das engenhosas maxambombas. Sábia pela necessidade premente, a gente de então dominou o primitivo tendo o rio como protagonista e construi o lugar para viver.
Acomodada a ânsia de vencer o inculto, o progresso disseminou-se desigual nas carrocerias dos caminhões. Menos em São Paulo, que combinou caminhos. Lá, o Tietê ligado ao Paraná, formou uma hidrovia decisiva para o escoamento de soja, farelo de soja, milho e cana-de-açúcar. São mais de 2.000km, dos quais, o rio paulista contribui com 450km de seus trechos navegáveis.
Aqui, gastam-se incontáveis milhões com uma duplicação de péssima qualidade. Pior: que estará defasada quando for concluída – rezemos. Sobra nada para uma hidrovia que compartilhe o peso da carga que sobe e desce pela BR-386. Por esse descaso, Taquari tem o destino de Aquelau, rio-deus grego, derrotado por Hércules na disputa por Dejanira – criada pelo ódio dos homens às enchentes e à violência de suas águas. A falta de interesse pelo óbvio levanta a suspeita de um projeto de parcos lucros à corruptocracia especializada em asfalto. Triste ver que o Taquari, fundamental ao vale que herdou seu nome segue rumo pouco visto e ignorado por quem lhe devia respeito e reverência. Em vez de voltar a ser estrada e brilhar como um patrimônio fundamental, esgueira-se como uma nulidade até se misturar silente ao Jacuí.
VELHACO – As administrações públicas – useiras e vezeiras na cobrança de “pautas positivas” à imprensa – já não me causam surpresa como fontes de más notícias. Até por isso, meus butiás continuaram nos bolsos quando ouvi a “última” no Gaúcha Atualidade. No programa matinal, os locutores enalteciam uma notícia de Santa Catarina. Admiravam-se com a nova lei que restitui o valor do IPVA pago por proprietários de veículos roubados ou furtados, durante o período em que esses ficam sem o bem. Elogiaram até serem alertados da existência de lei semelhante neste querido Rio Grande. Querido Estado velhaco pela publicidade pródiga em apolagias e silenciosa quando de interesse do cidadão. Sonegar a grana devida para “fazer caixa” é mais um desserviço de um ente, que deveria ter a leveza do etéreo, mas pesa pra burro.
ESTÁ CERTO! ESTÁ? – Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), adora posar de rebelde – embora sempre ao lado do status quo. Chegado nos rapapés da corte, ignora a distância profilática que deveria manter dos integrantes do núcleo do poder executivo sob a mira da Lava-Jato. Soma polêmicas e gera dúvidas, mesmo quando está certo. Parece lixar-se para o provérbio: “À mulher de César na basta ser honesta, deve parecer honesta”. Nesta semana, juntamente com Dias Tofoli e Ricardo Lewandowski, soltou José Dirceu. Antes, acolhera os habeas corpus de José Carlos Bumlai e João Claudio Genu. Havia uma demasia no confinamento de ambos – e, no Brasil, a regra é que o réu deva cumprir pena a partir de segunda instância.
Acertou nas decisões, embora impopulares. Ao STF resta mostrar que não se escancarou a porteira.

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