Odebrecha. O neologismo é a saída

Opinião

Gilberto Soares

Gilberto Soares

Coluna aborda temas do cotidiano, política e economia. Escreve duas vezes por mês, sempre aos sábados.

Odebrecha. O neologismo é a saída

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“Há muitas formas de se útil ao país. Uma delas e se locupletar discretamente.” – Que País É Este, Millôr Fernandes
No epílogo do filme A Queda do Império Romano, Commodus morre e o comandante das legiões pede a Caius Debelius Livius que seja o novo César. Esse lhe responde:
– Vocês não iriam me aceitar, porque o meu primeiro ato oficial seria ter vocês todos crucificados. E sai de cena convicto do princípio do fim. De imediato, berra um senador:
– Dois milhões de dinares pelo trono de Roma… – Dois milhões e meio – urra outro. A deterioração de um dos impérios mais poderosos do mundo lhe impôs um leilão vil, mas não é exemplo ao Brasil da imoralidade. Aqui, a sordidez cabocla tudo compra ou vende. Governo paralelo e sistema de porcentagem evitam o desgaste de leilões. Tem obra, tem %. Engenhoso.
HISTÓRIA. Romero Jucá – semelhante em tudo aos nefastos senadores romanos – alertou os companheiros de negociatas sobre a Lava-Jato. Sabe tudo. A brecha, melhor: a odebrecha, na couraça sangrou a parceria da administração pública com a iniciativa privada. Agora, virou hemorragia e ameaça o poder que alijou a sociedade da autoria dos destinos do pais. Emílio Odebrecht admite 30 anos de roubos. É mais, não absolve o mecenas das mamatas. Vale ler abaixo.
“Tudo mais era vergonha calada passiva inépcia, confessada fraqueza. O príncipe decidira que o embarque se fizesse de noite, por ter vergonha de sua fuga; mas a notícia transpirou e o cais encheu-se de povo que apupava ministros e desembargadores, toda essa inepta ralé de figurões do lodo”, escreveu Oliveira Martins em História de Portugal, edição de 1879. Crítica vigorosa do patrício na fuga de D. João VI para o Brasil, em 1807. Tragicomédia financiada com o saque ao tesouro português – o príncipe saiu à francesa com cerca de 80 milhões de cruzados, a metade das moedas circulantes na estupefata Portugal. Ao chegar por aqui, não iniciou uma nação, mas um arremedo com todas as vicissitudes de acordos o funcionamento da colônia ultramarina temente à França e à mercê da Inglaterra.
CONLUIO. A instalação da corte e apaniguados é uma sequência de desmandos com a gente da colônia. Tomam-se propriedades, inventam-se cargos e delega-se o trabalho. Dá outro artigo.
Voltemos ao século XX, quando o deslumbramento com a criação de Brasília oculta o conluio de empreiteiras com o Estado. Dos aplausos à delirante Transamazônica e de vivas ao sonho nuclear. Do ufanismo que encobre os arranjos para o expansionismo para a África e Oriente Médio. O tempo não mudou métodos, apenas os sobrenomes dos saqueadores. Fossem bucaneiros, pelo menos, haveria a honra da batalha. São menos e parasitam a nação que não se completa, apesar de sua riqueza extraordinária. Tudo porque disseminaram o ignóbil modus operandi na privacidade dos palácios – vassalagem pura – estaduais e municipais. E nada funciona sem aditivo, ágio e por fora. Quem não entra na dança, dança, enquanto tribunais de (faz) de conta nada fazem.
COMUNS. O arrombamento da fenda causada pela operação combinada por jovens juízes, promotores e policiais salva a República. Temer e os ex-presidentes Lula, Dilma, Fernando Henrique, Collor e Sarney sabem disso e temem uma realidade na qual podem ser julgados como pessoas comuns. A diversidade ideológica de políticos e os muitos empresários presos tiram-lhes o sono. O ruim para eles é bom para o país. Significa um desarranjo grave no legado do príncipe fujão que nos prende ao passado.
A imprensa, omissa em tempos anteriores, deve purgar suas culpas e exercer o papel crítico que lhe faz essencial à democracia. Ao cidadão cabe ler, ouvir e ver e analisar as notícias, por mais enfadonhas que pareçam. Os “fakes” das mídias sociais são o oposto de fatos. O tempo de construir um país contemporâneo pede atenção à Justiça. A ação gerada em Curitiba compartilha a responsabilidade com a cidadania ao abrir as entranhas dos processos. Que venham outras delações.
Procuramos o fim do túnel. Ei-lo que surge iluminado pela brecha aberta na impunidade. Avancemos.

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