Tuberculose: Perda silenciosa

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Tuberculose: Perda silenciosa

A tuberculose avança por falta de conscientização. Nos últimos dois anos, mais de quatro mil animais foram diagnosticados com a doença. Autoridades destacam a importância da sanidade para elevar o consumo de leite e derivados, além de possibilitar a abertura de novos mercados no exterior.

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Tuberculose: Perda silenciosa
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

A resistência do poder público e a falta de conscientização dos produtores em aderir ao Programa Estadual de Controle e Erradicação da Tuberculose e Brucelose Bovídea (Procetube) mantêm os focos ativos em todo o RS. O Procetube foi idealizado pela comarca de Arroio do Meio em 2009.

Conforme mapeamento da Seapi, desde dezembro de 2014, foram detectados 573 focos de tuberculose no RS, sendo 173 no Vale do Taquari. Nos últimos dois anos, mais de quatro mil animais foram sacrificados e a maioria das propriedades submetidas a um vazio sanitário.

Um dos casos mais recentes aconteceu em Mato Leitão. Após a realização dos testes anuais de brucelose e tuberculose em abril, foram diagnosticados 28 animais doentes na propriedade de Heitor Kerber, 58, em Sampaio. Kerber é um dos maiores produtores de leite da região. No intervalo de três meses, outros 39 registraram as enfermidades e foram sacrificados. O produtor foi orientado a eliminar todo rebanho e colocar a propriedade em vazio sanitário de 12 meses.

O primeiro foco foi detectado em 2013, quando três vacas foram abatidas. “Faço testes desde 1994. Nunca tivemos problemas de tuberculose. Nossa qualidade e a sanidade do rebanho sempre foram um diferencial elogiado pela cooperativa. Infelizmente precisamos nos desfazer de todo plantel (190 animais).”

Vários hipóteses são consideradas para que a bactéria tenha atingido o rebanho – ataque de morcegos, gambás, cachorros infectados ou por meio de inseminadores e médicos-veterinários. “Não limparam as botinas ou não trocaram de roupa entre um e outro atendimento nas propriedades. Com isso, a bactéria pode ter infectado meus animais.”

O prejuízo chega a R$ 600 mil. Com a paralisação das atividades por no mínimo um ano, a filha caçula, Greice, 18, desistiu de ficar na propriedade e buscou emprego na cidade. “Difícil recomeçar, pois o valor da indenização é muito baixo. Estou desmotivado e com pouca ajuda para continuar.” Kerber receberá uma média de R$ 1,5 mil por animal sacrificado. No entanto, cada vaca leiteira está avaliada em R$ 5,5 mil.

Para reiniciar a atividade, calcula um investimento de R$ 450 mil, só na compra de animais. “Vamos investir na produção de grãos, já que não teremos mais sucessores.” Nos últimos 15 anos, a família aplicou mais de 1,1 milhão em máquinas e infraestrutura para qualificar a produção leiteira.

Kerber foi orientado a eliminar todos os 190 animais e colocar a propriedade em período de vazio sanitário. Prejuízo chega a R$ 600 mil

Kerber foi orientado a eliminar todos os 190 animais e colocar a propriedade em período de vazio sanitário. Prejuízo chega a R$ 600 mil

Status abre novos mercados

Conforme o presidente do Fundesa, Rogério Kerber, fazer os testes é uma escolha do produtor. Cabe a ele estar consciente da importância de fazer esse controle e oferecer tanto para a indústria como ao consumidor final um produto de excelente qualidade e de procedência garantida. “Não se pode comprar ou aceitar doação de animais sem fazer os testes. Esse descuido pode resultar em grandes perdas.”

Destaca o trabalho realizado por cooperativas e alguns municípios no Vale do Taquari para conseguir certificar as propriedades leiteiras. Para Kerber, esse status sanitário ajuda a elevar o consumo e garante acesso a novos mercados, como a Rússia. O país exige o atestado de área livre de tuberculose e brucelose na hora de comprar o leite em pó.

Indenização ameniza prejuízo

Dos R$ 68 milhões arrecadados pelo Fundesa em 2016, R$ 2,4 milhões foram aplicados na indenização de famílias que tiveram animais abatidos por problemas sanitários. Segundo Kerber, isso significa que mais produtores buscam sanear o rebanho. “Vemos como positiva essa adesão”, avalia.

O Fundesa também recuperou mais de R$ 1,2 milhão em contribuições que estavam pendentes no ano de 2016. Dessa forma, mais empresas e produtores estão regularizados e aptos a receber indenizações. “Nossa intenção é trabalhar intensamente para que todos os produtores e agroindústrias recolham a contribuição. Sem isso, o pagamento é inviável.”

agronoticias_06Processo irreversível

Para o médico-veterinário Rodrigo Etges, coordenador do Programa de Controle da Tuberculose e Brucelose da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seapi), o saneamento do rebanho é um processo irreversível tendo em vista a saúde do próprio produtor e a exigência do mercado. “Isso é condição básica para exportar, sem falar do risco de contágio entre humanos. De nada adianta investir em nutrição, genética, se não tiver sanidade.”

Etges justifica a pouca adesão dos municípios ao programa devido à dificuldade de compreensão dos produtores da necessidade de obter os certificados. “Quem tiver animais positivos terá prejuízos. Poucos prefeitos estão dispostos a assumir essa responsabilidade de realizar os testes e colocar sua imagem política em jogo.”

No Vale do Taquari, das seis cidades que iniciaram o projeto-piloto há sete anos, apenas Arroio do Meio, Travesseiro e Nova Bréscia mantêm os testes de forma regular. “A região é propícia a registrar tuberculose. Temos uma estimativa de que a cada cem propriedades cinco estão infectadas.”

Embora a adesão seja voluntária, de acordo com Etges, uma lei publicada em 1952 obriga o produtor a apresentar o teste negativo para a tuberculose como condição para vender o produto à indústria. A melhor forma de prevenir é evitar o trânsito de animais não testados pela propriedade, ensina.

Para obter o certificado de propriedade livre da doença, o produtor necessita fazer dois testes no intervalo de seis a 12 meses. O valor por animal é de R$ 20. Todos precisam ser testados e não somente aqueles que serão vendidos ou comprados, alerta.

Segundo ele, normalmente os animais com tuberculose não têm qualquer sinal clínico da doença. Apenas quando está mais avançada, eles apresentam perda de peso, tosse, problemas reprodutivos e diminuição da produção de leite. “Isso é um complicador, pois fica mais difícil conscientizar o produtor da importância da rápida eliminação dos animais quando esses são considerados reagentes positivos ao teste da tuberculina. Canso de ver animais com a bactéria e produzem 50 litros de leite ao dia.”

RS tem 282 focos

Desde 2014, foram detectados 578 focos no RS e mais de quatro mil animais abatidos. Hoje existem 282 ativos e as áreas estão em processo de saneamento. “Instalamos um vazio sanitário por semana”, observa Etges.
A bactéria vive por até dois anos em locais úmidos. Após ser interditada, a área é desinfectada e os animais voltam a ser alojados nos galpões após oito meses.
Ressalta que o RS é o único estado a indenizar o produtor com recursos do Fundesa de acordo com a origem do animal e a sua faixa etária, pelo Mapa (16,6% sobre o valor do animal abatido) e ainda paga ao agricultor um auxílio durante três meses sobre o valor médio da renda obtida com a venda de leite.

Confira o caderno completo aqui.

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