Desafios da mão de obra e valorização da erva-mate norteiam ações do setor

REGIÃO ALTA

Desafios da mão de obra e valorização da erva-mate norteiam ações do setor

Municípios de Arvorezinha e Ilópolis concentram a maior produção da folha no Rio Grande do Sul

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Desafios da mão de obra e valorização da erva-mate norteiam ações do setor
Josimar Sanson realiza a poda de uma área de erva-mate nativa, são três podas em dois anos. É retirado 70% da planta (Foto: Matheus Laste)

Uma das famílias de Ilópolis que vivem diariamente da cultura da erva-mate é a de Josimar Sanson, 33. Natural de Arvorezinha, ele trabalha em conjunto com outros seis na propriedade. “A erva-mate demanda bastante mão de obra. Para ter um erval formado levam-se anos”, esclarece. O trabalho inicia com a colheita das sementes da erva e a produção de mudas. Esse período de viveiro, na fase das sementes até a muda leva em média um ano e meio. Após segue o plantio.

“Para um erval de formação são três anos até formar uma planta ou produzir, depois é feita a primeira poda. Com cinco anos fazemos a segunda poda. Para ter uma produção significativa, que tenha renda, o produtor demora em média 10 anos”, revela Sanson.

A família não possui funcionários e tem um cronograma anual de colheita, isso envolve o colhimento de três cargas por semana (350 arrobas). A propriedade tem uma plantação que se expande por 20 hectares. A mãe de obra no setor gera preocupação também pelo nível de esforço necessário.

“É bem trabalhoso. Somos exigidos a semana inteira, às vezes durante todo dia para conseguir manter a entrega. E é tudo manual, as nossas terras são bastante acidentadas, máquinas não entram. A tecnologia nos auxilia na adubação, que é possível realizar com máquina. Fora isso só na hora da poda, que usamos a serra elétrica”, explica o produtor.

Experimento da Embrapa

Desde 2016, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) realiza um experimento com clones e progênies de erva-mate nas terras da família Sanson. Os progênies são sementes de vários estados produtores como Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, para testar como essas plantas se adaptam à região.

“Os clones são cópias de uma planta superior selecionada, temos cerca de 60 variedades para analisar a adaptação ao solo”, revela Sanson. O experimento é programado para durar 20 anos e já apresenta resultados como materiais com alta produtividade, sabor mais suave e baixa cafeína.

Geografia da região

Joel Gaio mostra o “Sapeco”, máquina para desidratar e estabilizar a folha da erva-mate (Foto: Matheus Laste)

A empresária carioca e graduada em Geografia, Ariana Maia, reside em Ilópolis há 17 anos e é uma das integrantes da Associação dos Amigos e Parceiros da Erva-Mate (AA Erva-Mate). Ela aponta o fato da área acidentada da região como um dos motivos para a dificuldade do trabalho com a erva-mate. “Com a abundância de morros, o plantio e a mão de obra precisam ser manual. Outra questão da geografia do Alto Taquari é que não fizemos a retirada dos ervais como em outras regiões do Estado”, afirma.

A empresária conta que o RS é composto por cinco regiões produtoras: Alto Uruguai, Nordeste Gaúcho, Celeiro Missões, Região dos Vales com a parte baixa e o Alto Taquari. A região alta tem a maior parte da produção do Estado, cerca de 60%. “Uma das nossas funções é buscar novas possibilidades para ajudar as famílias que sobrevivem do setor. A aproximação com a tecnologia e o fomento para investimento governamental a ser aplicado nas pequenas propriedades são dois campos desse objetivo”, revela Ariana.

Projetos em Universidades

Ariana revela que a associação tem dois projetos em parceria com instituições de ensino por meio de um edital aberto pela Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do RS. “Conseguimos inserir a erva-mate em duas ações: uma na Universidade do Vale do Taquari (Univates) e outra na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).

“Um dos trabalhos é sobre infravermelho, para entendermos melhor a composição fitoquímica da erva, porque muitos não sabem, mas a erva-mate é uma das plantas mais completas em termos de compostos fitoquímicos do mundo”, revela a especialista. O termo fitoquímico é usado geralmente para descrever compostos encontrados em vegetais que têm efeito benéfico na saúde ou um papel ativo na melhora do estado de indivíduos com enfermidades.

Valorização da cultura ervateira

Outro aspecto buscado por toda cadeia que trabalha com o setor ervateiro é o reconhecimento e valorização da planta. Segundo Ariana, em um documento trabalhado pela Embrapa foi revelado a presença de 237 compostos bioativos no tecido vegetal da erva-mate. “É muita coisa para uma planta. Então temos uma erva com benefícios, muito trabalho e potencial funcional. Mas em compensação temos um valor abaixo do esperado para esse produto”, observa.

Ela comenta que de acordo com um levantamento de setembro de 2023, da secretaria de Agricultura do RS, nos últimos 26 anos, o preço da produção da erva-mate não acompanhou as perdas inflacionárias. “Em 2000, o preço da arroba custava R$ 8,33 e hoje ele oscila entre R$ 17 e R$ 20”, revela Ariana.

Isso acarreta dificuldades para os produtores que precisam ter condições para manter a família, o trabalho diário e estabelecer melhorias no desenvolvimento da cultura. Nesse contexto é perceptível que a mão de obra não é o único aspecto que preocupa líderes do setor ervateiro. “O consumidor paga um valor baixo por um produto que traz muitos benefícios, e precisamos comunicar o quão grande é a gama de vantagens que a erva traz. É preciso começar a pensar em um status de um café especial ou de um vinho. Caso contrário, daqui a pouco não vamos ter o nosso mate de cada dia sendo degustado e a indústria e a cadeia produtiva vão sofrer com essa desvalorização”, enfatiza a profissional.

Preocupação futura

O presidente da AA Erva-Mate, Clóvis Roman, reitera que a preocupação no futuro é conseguir manter o jovem no campo. “Estamos sofrendo uma grande defasagem em comparação aos anos passados, porém a estrutura se mantém, mas até quando não sabemos. Se seguir dessa forma tem a questão produtora, matéria-prima complicada, indústria complexa e mercado sem valorização. E isso afeta a economia dessa região”, salienta.

Uma das ações da entidade é a busca pela Indicação Geográfica (IG) da erva-mate do Alto Taquari. Segundo Roman, a IG é uma valorização do território e dos produtos dessa região. Ele prevê que em 2025 a associação vai conseguir fazer o registro dessa nomenclatura que possibilitará um diferencial competitivo e maiores oportunidades de negócio. “Vai transferir maior profissionalismo em todo caminho: do produtor na lavoura até a indústria, com maior ganho no produto e exposição ao mercado. Temos esse potencial, a erva-mate é uma planta extraordinária, podemos buscar novos mercados e incrementar a qualidade, não só produtividade, mas qualificando a matéria-prima, o produtor e a indústria”, acrescenta o presidente.
A IG teria a delimitação de áreas do município de Anta Gorda, Arvorezinha, Dr. Ricardo, Ilópolis, Itapuca, Fontoura Xavier e Putinga.

Empresários e indústria

Joel Gaio mostra o resultado depois do processo mecanizado (Foto: Matheus Laste)

O proprietário da Buena Agroindústria de Erva-Mate e Diretor de Indústrias da Associação Comercial e Industrial de Ilópolis (Acii), Joel Gaio, conta que possui 13 colaboradores em sua empresa e que o trabalho inicia antes da matéria-prima chegar ao empreendimento. “O produtor se cadastra, é feita uma visita na propriedade dele para verificar as condições do herval, depois é autorizado a colheita com base em um calendário que fazemos. Determinamos o mês e o tamanho da carga a ser entregue para podermos processar a erva antes que estrague, já que ela fermenta. É um processo de no máximo 24 horas para ser processada e desidratada e resultar em um produto de qualidade”, explica.

Ao chegar à agroindústria, o trabalho é mecanizado. Segundo Gaio, a Buena tem uma produção média de 100 toneladas ao mês. “Ilópolis é um polo de produção de erva-mate. São 780 propriedades que produzem, e desse total em 620 é a atividade principal. O município tem 70% do seu orçamento baseado nessa planta”, aponta.

Um receio que surge para o setor ervateiro é que o governo do Estado vai retirar benefícios fiscais da erva-mate. “A erva-mate – que não faz parte da cesta básica do RS, diferente do Paraná e Santa Catarina – tinha uma tributação de 12% com um decreto de diferimento, uma diminuição e nós pagávamos 7%. Esse benefício foi retirado no pacote de decretos de dezembro de 2023. A partir de abril teremos um aumento e vamos pagar 12%, o preço vai ser repassado”, revela Gaio. Com isso haverá um aumento para o consumidor e a indústria não vai ganhar nada. “O público pagará mais caro porque esses 5% de acréscimo refletem muito no nosso custo”, diz o diretor.

Para o proprietário da Agroindústria Mate Vida de Putinga, Quender Fusiger, a questão tributária deve ser o maior desafio para o setor em 2024. “Vamos ver como o mercado vai reagir, pela previsão teremos uma boa safra após dois ou três anos abaixo da média em função da estiagem. Ainda não alisamos, mas a depender da mudança e demanda, não descartamos a possibilidade de migrar para o mercado externo”, reflete.

Manutenção no secador rotativo da Buena custou mais de R$ 100 mil (Foto: Matheus Laste)

Região Alta em números

  • 2,7 mil pequenas propriedades;
  • Cidades com maior produção: Anta Gorda, Arvorezinha, Doutor Ricardo, Ilópolis, Putinga, Fontoura Xavier e Itapuca;
  • 19,8 mil hectares;
  • 184,4 mil toneladas/ano.

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