Na arte, uma história que não se apaga

MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Na arte, uma história que não se apaga

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Na arte, uma história que não se apaga
Documentário conta a história do clube social negro venancioairense Négo, um dos mais antigos do Rio Grande do Sul
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Seja por meio da música, da culinária, da dança ou de patrimônio imaterial, como as personalidades de um povo, a cultura afro-brasileira se manifesta de diferentes formas, e é preciso respeito e visibilidade para que ela perpetue. Para que isso aconteça e para homenagear o líder negro Zumbi dos Palmares, o mês de novembro é dedicado à consciência negra e mostra, nas programações pelas cidades, a força da arte como manutenção desse passado.

A cultura também está na oralidade e é por meio de entrevistas e produções audiovisuais que parte desta história é registrada. Esta foi a ideia do documentário “Ontem e Hoje” – Histórias Negrejadas do Négo FC”, que conta sobre o clube venancioairense Négo, um dos clubes sociais negros mais antigos do Rio Grande do Sul. A produção foi exibida este mês na Casa de Cultura de Lajeado.

O projeto foi contemplado no Edital FAC Expressões Culturais, da Secretaria da Cultura do RS. A iniciativa é do produtor audiovisual e ator Sérgio Rosa e do fotógrafo, jornalista e professor Emerson Machado.

Natural de Porto Alegre, Machado mora em Venâncio Aires desde 2019, e tinha vontade de desenvolver um trabalho concreto sobre a temática. Então conheceu Sérgio Rosa, que escreveu um texto sobre o clube Négo FC, com 88 anos de história.

A parceria resultou na elaboração do documentário. “A opção pelo documentário também foi porque a cultura negra no Brasil tem pouca escrita, mas muita oralidade”.

A produção

Após a aprovação no edital, em julho de 2022, o projeto foi desenvolvido pela dupla. O lançamento ocorreu em 28 de junho de 2023.

“Foi muito legal, porque eles se sentiram reconhecidos. É o primeiro documento audiovisual do clube”, destaca Machado. Para ele, a produção é importante pelo apagamento que os brancos deram à cultura afro. “O primeiro ponto é esse. O segundo é a importância de se ter memória. Às vezes, mesmo com memória, a gente acaba fazendo algo errado. Serve para que a gente possa reconhecer e não cometer os mesmos erros. E ter o relato das pessoas traz à luz a problemática”. O documentário, com 1h25min, está disponível no Youtube.

Legado

O documentário ainda tem a assessoria histórica do professor Jair Luiz Pereira, que também participa da produção contando parte da história do clube. Licenciado em Estudos Sociais – História, Pereira é pós-graduado em História e Cultura Afro-brasileira, e mestre em Desenvolvimento Regional., além de escritor.

O professor destaca a contribuição do negro para a cultura brasileira. Apesar disso, diz que só a partir do século XX, como consequência do ativismo dos movimentos sociais negros que as manifestaçoes culturais de matriz africanas passaram a ser aceitas como expressões nacionais e permanecem vivas até hoje.

“É importante destacar que foram os negros que construíram a civilização brasileira, que conservaram e fizeram roduzir os engenhos, as fazendas e outros empreendimentos que exigiam trabalhos braçais. O legado africano para o Brasil é imenso”, reforça.

Outra contribuição, além do trabalho braçal, são as artes, religiões, ciências e até mesmo a economia. “Para os afro-brasileiros, a música e a dança tinham sentimentos ligados com a espiritualidade, enquanto que os senhores permitiam essas manifestações por pensarem que ‘quem se diverte não conspira’”. Um exemplo é o samba, o batuque e a capoeira.

Mesmo proibida no Brasil durante décadas, a capoeira se tornou Patrimônio Cultural Brasileiro e recebeu, em novembro de 2014, o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Representatividade

Cantora Ana Caroline Cézar, a Zínha, lançou o EP “No meu tempo”, no início deste mês

Hoje, esse passado é também levado para os palcos e, apesar das dificuldades, artistas negros ganham destaque, inclusive no Vale do Taquari, como é o caso de Ana Caroline Cézar, 30, a Zínha. A artista começou a cantar aos 13 anos, na igreja. A afinação sempre chamou atenção e ela se apresentou diversas vezes na cidade, em especial com o projeto “Os Alquimistas”.

Para Zinha, essa é uma forma de expressar opiniões, sentimentos e lutas. “Viver de música sendo uma mulher negra já é uma forma de resistir e isso já significa muito. É importante a gente mostrar e ocupar todos os espaços, mas em relação à arte, fazer as referências negras”, ressalta.

No início do mês, Zínha lançou o EP “No meu tempo”. A composição de três músicas e o sonho de gravar as próprias produções se tornou realidade depois que ela conheceu o produtor Júnior Sessi.

Primeira música

A música do EP, “Sem pressa”, é a primeira da sequência que deve ganhar continuidade no verão. O som de estreia ainda terá um clipe, com cenografia de Caes – arquitetura Caê –, Dagda Fotógrafa, Talles Makes, Kaa da CASA BEV com os figurinos, Ariela Neumann no marketing, Thomas na dança, e apoio de Volúpia Bar.

As próximas músicas do EP serão um reggaeton e um pop funk. As canções falam sobre experiências próprias. “É sobre o tempo que levei pra me ver como artista mesmo, do tempo que levei para gravar, da minha negritude, da sexualidade. Mas fala mais diretamente sobre o tempo que levei para me desvencilhar de um amor platônico e tóxico”.

A boa recepção do público é um dos pontos de destaque do primeiro trabalho de Zínha. Para o futuro, a ideia é fazer parceria com DJ, fazer shows e continuar vivendo de arte.

No caminho

Sobre ser uma artista negra da região, Zínha não esconde as dificuldades. “Falta incentivo, falta oportunidade, falta orientação, estrutura, representatividade. Ninguém olha, ninguém vê. Falta muita coisa”, conta.

A cantora destaca também a apropriação cultural. Conforme ela, há muitas pessoas brancas que tomam a cena e ganham reconhecimento. Apesar dos desafios, Zínha não desiste.

Artistas negros no Brasil

  • 1930 – Ao longo das décadas de 1930 a 1950, o ator conhecido como Grande Otelo participou de numerosas peças do teatro de revista. Mais tarde se destacou no cinema e Tv;
  • Década de 1960 – Elza Soares teve inúmeras músicas no topo das listas de sucesso no Brasil, como “Aquarela Brasileira”; No teatro desde o final da década de 1960, Zezé Motta fez sua estreia profissional na peça “Roda Viva”, de Chico Buarque. Em 1968 estreou na televisão com um papel na novela da Tv Tupi;
  • A partir de 1960 – No cinema, Milton Gonçalves estrelou mais de 50 filmes. O ator fez parte do pioneiro elenco formado antes da primeira novela ser gravada na Tv Globo. Em 1º de fevereiro de 1965, ele foi contratado pela emissora;
  • 1996 – A atriz Taís Araújo destacou-se como a terceira atriz negra a protagonizar uma telenovela brasileira em “Xica da Silva” (1996). Foi também a primeira a protagonizar uma trama contemporânea da Rede Globo em “Da Cor do Pecado” (2004), bem como no horário nobre em “Viver a Vida” (2009);
  • 1997 – Seu Jorge participou de mais de 20 espetáculos com a Companhia de Teatro TUERJ, como cantor e ator. Em 1997 passou a integrar a banda Farofa Carioca.
  • 1999 – O artista Gilberto Gil é conhecido por sua relevante contribuição na música brasileira e foi nomeado “Artista pela Paz”, pela Unesco;
  • 2000 – Emicida é considerado uma das maiores revelações do hip hop do Brasil da década.
  • 2015 – Alcione canta “Juízo Final” na abertura da novela da Tv Globo, “A Regra do Jogo”;
  • 2016 – Martinho da Vila ganhou o Grammy Latino com o álbum “De Bem com a Vida”, na categoria Melhor Disco de Samba.

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