Casadas, com sobrenomes de solteiras

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Casadas, com sobrenomes de solteiras

Nos últimos 20 anos, o número de mulheres que adotaram o sobrenome do cônjuge no casamento caiu 36,8%, em Lajeado. Preservação da história da família e importância do nome para a profissão estão entre os principais fatores

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Atualizado quinta-feira,
30 de Março de 2023 às 22:01

Casadas, com sobrenomes de solteiras
Lauren e Marcelo pretendem ter filhos e já entraram em acordo: colocar na criança o último sobrenome de cada um. Crédito: Bibiana Faleiro
Lajeado

Ela, Waiss da Rosa. Ele, Buffon Rodrigues. Apesar dos sobrenomes diferentes, Lauren, 30, e Marcelo, 30, são casados e constituem uma família juntos. Sem apego às antigas tradições, a escolha por manter os nomes “de casa” depois do casamento trouxe independência ao casal, mas não menos amor.

A união no registro civil e a cerimônia do matrimônio não estavam nos planos dos moradores de Lajeado quando começaram a namorar, em 2009. A decisão veio mais de 10 depois de se conhecerem no colégio e, na hora de trocar as alianças, eles já sabiam: cada um manteria seu próprio sobrenome.

Para Lauren, este era o exemplo que tinha em casa, já que os pais não compartilhavam o mesmo sobrenome e ela foi registrada com uma parte de cada lado da família. A professora também teve inspirações femininas como a mãe e uma chefe no trabalho.

Na universidade, quando iniciou o curso de História, o nome de Lauren passou a ser registrado em artigos e este foi mais um incentivo para não trocar o Waiss da Rosa pelo Buffon Rodrigues.

Para Marcelo, esse não foi um problema. “Nunca passou pela minha cabeça esse questionamento. Acho que cada pessoa é uma pessoa. A Lauren não ia deixar de ser a Lauren depois de casar comigo, a gente já tem uma história antes disso”, destaca.

A preocupação em não perder o legado da família da esposa também foi colocada na balança. Lauren e Marcelo pensam em ter filhos e chegaram em um consenso: colocar na criança o último sobrenome de cada um.

Para Meridiane e Maiquel, a decisão de permanecerem com os nomes de família foi compartilhada. Crédito: Divulgação

Mudanças

A vontade que a mulher adote o sobrenome do homem, muitas vezes, é uma tradição da família. Para Meridiane Fritz Batista, 36, e Maiquel de Castro, 37, foi assim. Mas a decisão da estrelense foi permanecer com o nome de casa e a ideia foi apoiada pelo marido.

“Mesmo sabendo que estávamos formando uma nova família e que para os mais antigos era algo que não estava certo, porque não estávamos ‘respeitando’ o costume, essa foi a nossa decisão. Hoje, fazemos tudo o que um homem faz, então não vejo mais como uma crença”, observa Meridiane.

Em 20 anos, queda de 36,8%

Não adotar o sobrenome do marido no casamento é uma realidade que vem crescendo. De acordo com o Cartório de Registro Civil de Lajeado, que possui o maior número de registros de matrimônios entre as cidades do Vale do Taquari, nas últimas duas décadas, o número de mulheres que adotam o sobrenome do cônjuge no casamento caiu 36,8%.

Os dados mostram que dos 174 casamentos registrados em 2002, 95,4% das mulheres adotaram o sobrenome do companheiro. Dez anos depois, o número diminuiu e, dos 398 casamentos, 51,2% das pessoas registraram o sobrenome do parceiro. Entre elas, um homem. Mais recente, em 2022, dos 331 casamentos, 58,6% das mulheres adotaram o sobrenome do marido e 3,3% dos homens adotaram o da esposa. Desses casamentos, três foram homoafetivos.

“Atribui-se esta diminuição no número de mulheres que adotam o sobrenome do cônjuge devido à intenção de preservar sua identidade pessoal e familiar. Além do mais, o que se percebe é que a praticidade de manter o mesmo nome evita todo o transtorno da modificação de documentos”, observa Clarisse Maria Werner Knapp, oficial de Registro Civil Das Pessoas Naturais de Lajeado e Santa Clara do Sul.

A profissional ainda destaca que algumas pessoas estabelecem sua identidade profissional e, se o nome delas é importante para a profissão, por vezes, não estão dispostas a modificá-lo.

A partir de 2002 no estado

Essa realidade é percebida a partir de 2002, porque a nova edição do Código Civil daquele ano permitiu que as mulheres não adotassem o sobrenome dos homens na hora do registro de casamento. Por outro lado, eles puderam adotar o sobrenome das esposas. Virou uma questão de escolha, muito mais do que obrigação.

De acordo com dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado do Rio Grande do Sul (Arpen/RS), desde a mudança na lei, o número de gaúchas que registram o sobrenome do marido no casamento caiu 39% no estado.

Família Villa D’Andrea

Ignacio Villa D’Andrea, 34, está entre os homens que mudaram de sobrenome. Natural de Montevidéu, veio ao Brasil na adolescência e tinha nos documentos o nome Ignacio Gonçalves D’Andrea. Em Lajeado, conheceu Giulia Villa, 29, e os dois casaram em dezembro de 2021.

A família dela é de Encantado e tanto o registro quanto o casamento foram na cidade. Ignacio conta que o casal não havia discutido sobre a troca de sobrenomes antes. “A gente não tinha falado sobre o assunto. Mas ali na frente do juiz, no cartório, a moça perguntou se íamos absorver o sobrenome um do outro, e acabamos gostando da ideia”, lembra.

Para adotar o sobrenome da esposa, Ignacio teve que tirar o “Gonçalves” dos registros pessoais. Hoje, o casal aguarda o nascimento da filha Giovana, que dá continuidade à família Villa D’Andrea.

No casamento, Ignacio também adotou o sobrenome da esposa. Crédito: Luísa Huber


A lei e a história dos sobrenomes

Anos de 1500 – a Igreja Católica fazia os registros de nascimento apenas com o nome da criança, sem um sobrenome.

Século XIX – os registros civis  tornaram-se padrão no Brasil e passaram a incluir sobrenomes nas certidões de nascimento. Até a abolição da escravidão em 1888, os escravizados também não tinham sobrenomes.

A partir do século XIX – era uma prática comum as filhas receberem o sobrenome da mãe e os homens o do pai.

A partir do século XIX – A mulher, ao casar-se, adota o sobrenome da família do marido. Isso vem dos antigos costumes, quando a mulher não trabalhava e seu papel primordial na sociedade era constituir família. Assim, adotar o sobrenome da família do marido simbolizava que ela passava a fazer parte dela.

1916 – o artigo 240 do Código Civil de 1916 previa que a mulher assumisse, pelo casamento, com os sobrenomes do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família.

1962 – lei daquele ano concedeu plena capacidade civil à mulher, que passou à condição de colaboradora na administração da sociedade conjugal, podendo exercer atividade profissional, sem autorização do marido.

1977 – até a Lei do Divórcio, no Brasil, a mulher era obrigada a adotar o sobrenome do marido e, em caso de separação, cabia ao homem autorizar a retirada do nome dele.

2002 – Com a edição do novo Código Civil brasileiro em 2002, passou a ser permitido que qualquer um dos cônjuges possa acrescer o sobrenome do outro ao seu. Embora a Constituição Federal de 1988 já igualasse homens e mulheres, não havia norma que permitisse ao homem a mudança de sobrenome.

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