A permanência do tempo seco e temperatura acima da média elevam a preocupação dos efeitos da estiagem na região. Já são 25 cidades em situação de emergência e as perdas estimadas no agronegócio somam R$ 402,1 milhões.
Só nesta semana, mais sete municípios do Vale decretaram emergência. A escassez hídrica além dos danos irreversíveis em lavouras de milho, também compromete a cultura da soja, o plantio de pastagens, produção de alimentos de subsistências e leva ao desabastecimento de propriedades.
Sem uma perspectiva de chuva regular para as próximas semanas, a tendência é de um cenário ainda pior. Os mananciais secam e reduzem a oferta de água. Outro indício da condição severa é o ressecamento da vegetação nativa. O verde da copa das árvores perde espaço para folhas secas e amplia risco de incêndios florestais.
De acordo com o gerente regional da Emater/RS-Ascar, Cristiano Carlos Laste, a seca terá um efeito prolongado e se mostra com maior impacto comparado aos episódios de 2005 e 2012. “É a terceira estiagem consecutiva. Sem uma reposição correta dos níveis hídricos a tendência é de ampliar o número de propriedades desabastecidas”, avalia Laste.
Conforme o técnico, a estiagem vai refletir na nutrição animal durante o inverno, e pode interferir na permanência de famílias no meio rural. “O alojamento de aves e suínos está reduzindo por falta de água. Essa condição também reduz a projeção de arrecadação dos municípios”, alerta.
Como medida paliativa para mitigar os efeitos, os municípios ampliam estruturas para a reserva de água. No entanto, para maior efetividade, técnicos da Emater reforçam que são necessários mais reservatórios e sistemas de irrigação para aproveitar a chuva em períodos de excesso.

Falta de chuva agrava cenário de estiagem e compromete produção de soja. Tempo seco impede ciclo de plantio
Racionalização de água
Além dos decretos de emergência, os gestores municipais reforçam o uso consciente da água para evitar o desabastecimento em massa. No município de Forquetinha, mais de 100 mil litros são transportados ao dia para localidades onde as fontes para consumo humano e de animais secaram.
“Pedimos a colaboração e o uso racional. Caso não haja essa conscientização e os prognósticos climáticos se confirmarem até março, todos poderemos ficar sem água”, comenta o prefeito em exercício Grasiani Galli.
Ainda de acordo com Galli, as perdas são irreversíveis em alguns setores da agricultura e a cada dia, há novos relatos de açudes secos e arroios quase sem água. A expectativa do município é que o Estado possa oferecer algum apoio para amenizar as perdas e amparar os produtores.
Em Mato Leitão, ontem também foi publicado um decreto que determina o racionamento. Após confirmar prejuízos econômicos e sociais devido a estiagem, o problema se agrava e começa a faltar água nas comunidades.
Associações hídricas já emitiram alertas quanto ao uso racional e quem descumprir pode ser multado em até R$ 265. O documento também autoriza o uso da água das redes comunitárias para atender a necessidade dos animais nas propriedades.
“Veranico no verão”
As altas temperaturas desta semana são parte de mudança climática do planeta, avalia o professor em meteorologia pela UFSM, Vagner Anabor. Em entrevista ao programa Frente e Verso, da Rádio A Hora 102,9 falou dos fenômenos naturais e as perspectivas quanto ao retorno da chuva.
Em sua análise, Anabor explica que o bloqueio atmosférico impede o avanço de frente fria ou condições favoráveis à chuva. Por consequência, há a manutenção do tempo seco e um cenário de temperatura elevada. “Vivemos um período de veranico, dentro do verão.”
O professor cita também, que a anomalia nos padrões de chuva e temperatura são, em parte, reflexo do desmatamento na Amazônia, o que impede que bilhões de litros de água sejam colocados na atmosfera através da evapotranspiração.
Sobre as projeções para os próximos dias, alerta para temperatura na faixa de 40 graus e sem grande volume de chuva. Há modelos que indicam alguma precipitação em forma de pancadas isoladas no início da próxima semana, mas com acumulados abaixo de 10 milímetros.
Marcas da seca
Estiagens do passado aparecem em pedras às margens do Rio Taquari, em Colinas. Uma marca esculpida por Rudolfo Henrique Büneker (in memoriam) em maio de 1943 surge diante da nova baixa do nível de água. Outros registros são de janeiro de 1945 e também de 1985. A marcação mais recente é de 15 de janeiro de 2005.
Agora, faltam poucos centímetros para repetir o nível de 1943. O neto Marcus Büneker lembra que a marca feita pelo avô Rudolfo é possível acessar somente em grandes episódios de seca. “Foram poucas as vezes que pudemos ver o rio com nível tão baixo”, conta.
Segundo Büneker, se nos próximos dias não chover, a lâmina de água tende a reduzir e pode ficar abaixo do registrado na década de 40. “É algo que preocupa. Isso mostra o quanto é grave o cenário da seca na região.”
DECRETOS DE EMERGÊNCIA
Anta Gorda – R$ 55 milhões
Doutor Ricardo – R$ 10 milhões
Vespasiano Corrêa – R$ 21 milhões
Nova Bréscia – R$ 11,2 milhões
Boqueirão do Leão – R$ 18 milhões
Sério – R$ 7,5 milhões
Cruzeiro do Sul – R$ 27,8 milhões
Encantado – R$ 30 milhões
Arroio do Meio – R$ 32,4 milhões
Estrela – R$ 27 milhões
Muçum – R$ 8 milhões
Putinga – R$ 41,8 milhões
Pouso Novo – valor não apurado
Relvado – valor não apurado
Roca Sales – valor não apurado
Imigrante – R$ 8,6 milhões
Colinas – R$ 10,5 milhões
Forquetinha – valor não apurado
Teutônia – R$ 30 milhões
Bom Retiro do Sul – R$ 15 milhões
Marques de Souza – R$ 15,3 milhões
Fazenda Vilanova – R$ 9 milhões
Westfália – R$ 9 milhões
Mato Leitão – R$ 15 milhões
Paverama – valor não apurado
TOTAL: R$ 402,1 milhões
Nas últimas décadas
Na safra 2019/20, das 36 cidades atendidas pelo escritório regional da Emater, 20 entraram em emergência. Com relação aos prejuízos ultrapassaram R$ 256 milhões.
Entre 2011 e 2012 a região sofreu uma das piores secas. Foram dez meses de pouca chuva. O nível do Rio Forqueta chegou a ficar abaixo dos 30 centímetros em diversos pontos;
De janeiro a março de 2012, o Vale teve a menor média de chuva dos últimos 30 anos. Diante da dificuldade, a hidrelétrica Salto Forqueta, da Cooperativa Certel, entre São José do Herval e Putinga, teve de operar com apenas um quinto da capacidade.
Ministra da Agricultura no RS
Pelo menos 200 municípios decretaram situação de emergência. Destes, 52 já foram homologados pelo Estado e 47 reconhecidos pela União. Segundo a Emater, são mais 195 mil propriedades registravam perdas na agropecuária devido a estiagem.
Ontem, em visita ao RS, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina disse ser impossível mensurar os prejuízos. “Há lavouras que se recuperam, outras não. Temos de acompanhar e monitorar, por isso, fiz questão de vir aqui para verificar de que forma podemos ajudar.”
Tereza Cristina ressaltou que o problema afeta não apenas o estado gaúcho. “É muito triste vermos o trabalho do produtor que planta, trabalha, põe adubo, sementes de boa qualidade e depois tem essa frustração”, lamentou. Na oportunidade, o governo do estado e entidades do agronegócio encaminharam ofício com as principais demandas para mitigar efeitos da seca.
Demandas ao governo federal
– Viabilizar recursos ao fundo de apoio aos pequenos produtores e na compra de alimentos;
– Subsidiar juros das operações de crédito rural na agricultura familiar;
– Crédito para cooperativas agropecuárias que necessitem reprogramar vencimentos de produtores;
– Concessão de bônus adimplência na liquidação da parcela de custeio pecuário em 2022;
– Disponibilizar milho em grãos através de programa de venda em balcão da Conab;
– Adquirir leite via Conab para impedir a queda de preço ao produtor;
– Ampliar o zoneamento agrícola de risco da soja e permitir que a semeadura se enquadre no Proagro e Seguro Rural;
– Revisar a legislação ambiental sobre a reservação de água;
– Regulamentar lei federal em relação às medidas emergenciais de amparo à agricultura familiar, com linhas de crédito sem juros e fomento produtivo.