Carta aberta do Rio Taquari

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

Carta aberta do Rio Taquari

Por

Vale do Taquari
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Olá, eu sou o Rio Taquari, esse mesmo que banha tantas cidades e as vezes se modifica tanto. Sei que muitos de vocês ainda estão chateados comigo, mas permitam que eu me explique.

Estou aqui desde o tempo em que não havia um nome para mim, eu simplesmente era. Acontece que como muitos de vocês eu também sou de ciclos, ora me encho, ora me esvazio. Sou assim, quer vocês queiram ou não, quer vocês entendam ou não.

Os primeiros humanos que apareceram nas minhas margens vocês chamam ainda hoje de índios, muitos de vocês sabem que essa nomenclatura é um terrível erro geográfico e histórico, mas quem sou eu para julgar.

De toda forma foram eles que me primeiro me batizaram. Como tudo no país onde vivo, também as origens do meu nome são polêmicas.

Há quem diga que o nome que ganhei dos “índios” foi Tibiquary (rio do barranco fundo) por causa dos barrancos das minhas margens e depois por redução virei taquary . Há quem defenda que o nome tacuara (devido as taquareiras das minhas margens) foi juntado a letra Y que significava rio. Assim virei taquary e mais tarde taquari.

Escolham sua opção, ela não muda meu nome nem minha natureza. Muitos desses índios que me batizaram foram reduzidos a nada: alguns deles se chamavam de ibiaiaras e habitavam minha margem esquerda, na minha foz viviam os patos e nas terras mais altas onde eu nasci viviam os carijós que falavam Guarani devido a contatos e migrações anteriores.

Por isso foi fácil para os espanhóis quando aqui chegaram se comunicar com esses povos. Eles já conheciam a língua de suas invasões no Paraguai e usaram esse fator para fomentar guerras e rivalidades entre os habitantes das minhas margens. Só depois chegariam os portugueses, mudou a língua, mas a política de extermínio e ocupação seguiu a mesma.

Assisti a tudo calado, e foi assim que vi em 1635 o padre Ximenes e o padre Suarez explorarem minhas margens e descobrir os povos que aqui viviam. Também vi os jesuítas serem expulsos e depois chegar um povo bruto chamado genericamente de “bandeirantes”.

Não achando ouro, prata ou diamantes, estes se contentaram em fazer escravos. Isso bem antes de eu avistar o primeiro negro. A primeira das povoações desse povo foi feita nas proximidades do que hoje vocês chamam de Santa Teresa. Só mais tarde chegaram os açorianos com a missão de colonizar minhas margens e não apenas caçar seres humanos. Primeiro eles se assentaram em Santo Amaro, próximo à onde deságuo nas margens do Rio Jacuí e depois em Triunfo. Só um século depois, mais a oeste, surgiria a cidade com meu nome.

Depois viriam ainda alemães e italianos, quase todos vieram para minhas margens e foram se acostumando com meu comportamento nos últimos 150 anos. No entanto, esqueceram que estou aqui há milênios e que existem acontecimentos que ocorrem a cada dez anos, outros a cada 100 e ainda existem aqueles que precisam de um milênio para se repetir.

Lembrem que nasço nos campos de cima da serra, próximo a Cambará do Sul, a 1200 m do nível do mar com nome de rio das Antas e desemboco no Jacuí com apenas 30 m do nível do mar.

Por isso posso crescer e acelerar terrivelmente quando chove forte na serra. Foi por isso que arrasei Muçum e Roca Sales recentemente.

Posso ainda provocar nas minhas partes baixas grandes enchentes quando o rio Forqueta e seus afluentes enchem demais. Mas sou assustador e arrasador quando as duas coisas acontecem ao mesmo tempo.

Dessa forma peço que me perdoem pela destruição, mas não esqueçam que estou aqui muito antes de vocês e não tenho como mudar coisas da natureza que não dependem de mim, como as chuvas.

Por isso que imploro mais uma vez: sejam racionais e evitem construir nas minhas áreas de inundação. Só assim poderemos conviver em paz.

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