Setor produtivo reage contra escassez de mão de obra

ECONOMIA

Setor produtivo reage contra escassez de mão de obra

Empresas abrem postos de trabalho, miram a retomada econômica e tentam reverter sensação de êxodo dos trabalhadores da região

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Setor produtivo reage contra escassez de mão de obra
Diagnóstico sobre total de negócios atingidos pela inundação é feito a partir de parceria da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, associações comerciais e Sebrae. (FOTOS: FILIPE FALEIRO)
Vale do Taquari

Ofertas vindas da região norte do RS, empresas de Santa Catarina com postagens para contratação de gaúchos e ofertas para trabalhadores rurais, com promessa de terras e condições de plantio.

Movimentos criados para atrair as pessoas atingidas pelas inundações. Entre o que é sensação e o que é verdade, o setor produtivo da região tenta reverter essa narrativa. “Em poucos dias, tivemos 15 pedidos de demissão. Pode parecer pouco, mas e nas tantas outras empresas da região, como está isso?”, adverte o diretor da Fontana S.A e presidente da Câmara da Indústria e Comércio (CIC-VT), Angelo Fontana.

A indústria de produtos de higiene está no mercado há 90 anos. A sede em Encantado foi muito danificada pela inundação histórica do início de maio. Apesar do cenário desencorajador, a direção pretende manter os funcionários, mesmo sem atividades.

São mais de 250 trabalhadores. Uma parte contribui na limpeza da indústria e outra em férias coletivas.

Para o presidente da CIC, a devastação causada pela enchente é o principal argumento. “Estamos vivendo um problema que afetará de maneira direta as nossas empresas. Neste momento, é imperioso um plano habitacional consistente para garantir condições das famílias permanecerem na região”, argumenta.

Na maior inundação da história, os prejuízos ainda são incertos. Em termos de vítimas, existem pelo menos 36 mortos no Vale do Taquari. Em relação aos desaparecidos, são 32. As águas atingiram mais de 20 mil imóveis. Dos 38 municípios da região, 30 decretaram calamidade.

Migração de trabalhadores da região preocupa empresas. Organização do setor produtivo elabora campanha para garantir continuidade da força de trabalho

Na incerteza, a motivação

“Foram quatro enchentes em oito meses. Aqui na empresa, estávamos entrevistando uma família e eles estavam querendo deixar a cidade onde moravam para ir a um lugar mais seguro”, diz o empresário, diretor da Metalúrgica Wagner, Rafael Felipe Wagner.

“O homem me disse que nunca tinha trabalhado com metalurgia, mas que iria aprender. O que ele não queria é perder tudo de novo. Queria reconstruir em outro lugar, mas que mantivesse alguma proximidade com os familiares. Esse é um caso e todos os dias ouvimos novos relatos”, diz Wagner.

Como fica em Westfália, muito próxima de Teutônia, a metalúrgica não teve prejuízos diretos. Nenhuma linha foi prejudicada pela água, nem produtos acabados, insumos ou materiais de expediente. A rotina produtiva foi possível manter, com alguns ajustes devido a funcionários prejudicados.

Conforme Wagner, o reflexo foi indireto. Clientes que cancelaram pedidos e falta de pagamentos. “O que não temos como planejar é como vai ser daqui para frente. Há muita incerteza. De nossa parte, estamos deixando muito claro que vamos trabalhar. Vamos ajudar no que for possível. Acreditamos na nossa região, no nosso povo. Sabemos da força dessa comunidade e temos certeza que vamos conseguir”, afirma o empresário.

“Desafio é feito para ser superado”

A Fruki está com 70 vagas de trabalho abertas. “Estamos vendo oportunidades. Tivemos a sorte de nenhuma das nossas unidades ter sido afetada”, diz a diretora-presidente, Aline Bagatini Eggers.

De acordo com ela, esses postos não são para reposição de quem saiu, mas para garantir aumento na produção, distribuição e vendas. “Sabemos que empresas aqui da nossa região enfrentam um processo de saída dos profissionais, em especial nas cidades mais atingidas.”

Na Fruki, Aline ressalta a importância do diálogo. “O que temos deixado claro as nossas equipes é o momento da Fruki. Do que estamos fazendo e do que pretendemos para o curto prazo.”

Para Aline, o esforço pela reconstrução, pela retomada, é uma característica natural do empreendedor do Vale do Taquari. “Temos de olhar para frente, termos resiliência e não baixar a cabeça. O desafio é feito para ser superado. Apesar de tudo, deste sentimento de abatimento, de luto, temos que ajudar as pessoas a enxergarem oportunidades aqui e não desistirem.”

Destino: Teutônia

O setor produtivo do município de Teutônia tem recebido um contingente expressivo de trabalhadores. Vindos de Roca Sales, Muçum, Estrela, Arroio do Meio e até de Lajeado, conta o integrante da Câmara da Indústria e Serviço do município, e conselheiro da Federasul na região, Renato Scheffler.

“A prefeitura nos disse que houve a solicitação de pelo menos mil novas carteirinhas do SUS.”
Trabalhadores de diversas áreas de atuação procuram o município, pois fica dentro da área regional, com proximidade com as comunidades de origem.

Esse movimento adicional tem como motivo o pouco impacto da inundação no município. Em Teutônia, problemas na distribuição de energia e falta de água praticamente não aconteceram.
O reflexo aparece na procura por imóveis. O corretor Anderson Machado destaca que o impacto aparece no mercado. Essa alta procura faz com que a oferta reduza.

Infraestrutura sólida para se manter atrativo

Um dos setores mais atingidos pela inundação histórica é a Logística. “Tivemos um aumento de 30% nos custos operacionais. Isso é devido aos deslocamentos maiores, engarrafamentos e situação das estradas”, diz o diretor da Tomasi Logística, Diego Tomasi.

Para além dos prejuízos, a disponibilidade de trabalhadores preocupa o empresário. “Nossa região sempre foi atrativa. Pessoas vindas de diversas localidades do Estado buscavam oportunidades aqui.”

Com a catástrofe, há dois riscos, acredita Tomasi. “Podemos ter a saída das pessoas devido ao trauma e também de sermos menos atrativos para trabalhadores de outras cidades.”

Na avaliação dele, reverter esses sentimentos depende da melhora na infraestrutura básica. “Precisamos de pontes resilientes, que não caiam. De termos energia e distribuição de água que não tenham cortes tão frequentes.”

Recuperação

Casas, estradas, ruas e acessos. Depois da destruição, o esforço é pela retomada. “Estamos com vagas abertas e a demanda por serviços aumentou muito. Temos pedidos de materiais muito acima do previsto para o ano”, diz o proprietário da Britagem Cascalheira, Emerson Etgeton.

Em cima disso, acredita que o mercado de trabalho regional para os próximos meses será de muitas oportunidades. “Há muito trabalho a ser feito. O Vale foi atingido, mas temos outras regiões também muito prejudicadas. A Serra, por exemplo. Municípios turísticos com empresas fechando. Essas pessoas vão precisar de trabalho.”

“No nosso ramo, há muitas oportunidades. Sabemos que outros setores vão ter dificuldades, pois as pessoas e os governos vão priorizar. Moradia e estradas são primeira necessidade agora.”

“Os invisíveis é que preocupam”

Engenheiro Civil, ex-presidente da CIC-VT e doutor em Ciências, Ambiente e Desenvolvimento, Ivandro Rosa, estuda os fluxos migratórios no Vale do Taquari desde 2012.

“Temos uma parcela de trabalhadores que estão na base da pirâmide. São pessoas sem formação técnica, mas que são fundamentais, pois estão no operacional”, destaca Rosa.

O carregamento de frango nas propriedades é um exemplo. “Chega um ônibus, na maioria das vezes de noite ou de madrugada. Tem lá, 20 ou 30 trabalhadores. Eles carregam ave por ave. Colocam em uma caixa e levam para o caminhão. Essa atuação ninguém vê.”

Pelo perfil deste trabalhador, trata-se de pessoas em vulnerabilidade social. “São eles que estão nos abrigos agora. Quem está no escritório, na Júlio de Castilhos, que fez curso técnico ou faculdade, não sabe que tem essa base. Não só no frango, nas indústrias, nos frigoríficos, ou na coleta de lixo. São esses os mais atingidos.”

O reflexo desse drama é o êxodo dos trabalhadores. “Imagina o impacto. Em um frigorífico, é necessário mais de 600 pessoas. Se a metade delas sairem, como será mantida a produção?”, questiona.

Os moradores que têm raízes no Vale do Taquari, integrados à comunidade, com atuação na igreja, no time de futebol, no clube, na associação do bairro, esses não vão deixar a região, acredita Rosa. “O que me preocupa são os invisíveis. São para essas pessoas que precisamos pensar formas de garantir moradia, inclusão e possibilidade de continuar na região.”

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