Sem estrada, sem luz, sem máquina e sem alimento

DRAMA NO CAMPO

Sem estrada, sem luz, sem máquina e sem alimento

Produção primária da região sofre consequências. Animais minguam pela falta de ração, pasto e silagem. Terra contaminada pelo lodo inviabiliza plantio para os próximos períodos e agricultores somam mais prejuízos com danos aos implementos agrícolas

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Sem estrada, sem luz, sem máquina e sem alimento
Solo devastado desafia para recomeço dos plantios nas propriedades. (Foto: Gabriel Santos)
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

“É impossível chegar nas propriedades. No Morro Gaúcho, não há acesso. Temos uma família com galinhas para produção de ovos. Se não conseguirmos chegar logo, eles terão de sacrificar 60 mil animais”.

A história contada pelo prefeito de Arroio do Meio, Danilo Bruxel, é um dos casos dramáticos vivenciados pela população regional. “Estamos fazendo o máximo que podemos para recuperar as estradas, mas não tem sido suficiente”, lamenta.

Por todo o Vale, há produções de leite, gado de corte, na suinocultura e em frango de corte, ameaçadas pela falta de condições mínimas. Dos acessos pelas estradas vicinais, até a falta de luz, de água e de ração.

“É muita tristeza. Agricultores estão sem perspectiva. Não sabem o que fazer. Teríamos o início do plantio entre agosto e setembro, mas tem propriedades com mais de um metro de lodo. Eles perderam todas as máquinas também, não há nem como limpar a terra”, conta o prefeito Bruxel.

“Os estoques de milho, de silagem e de ração em diversas localidades foram varridos. Sem estrada, os agricultores não conseguem nem comprar, não conseguem receber. É uma tragédia”, ressalta o coordenador regional dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs), Marcos Hinrichsen.

Os números dos prejuízos em lavouras, qualidade do solo, propriedades, maquinários e criações ainda são desconhecidos. A Emater-Ascar\RS, junto com a Secretaria Estadual de Agricultura, os municípios e os STRs, elaboram um diagnóstico preliminar sobre o impacto da catástrofe ambiental.

A movimentação econômica regional depende do setor primário. Estima-se que 80% da geração de renda no Vale provenha do campo e do beneficiamento dessas produções. Avicultura, suinocultura e pecuária de leite representam a maior parcela desse total. Junto com isso, a lavoura de milho, voltada para a subsistência dessas criações.

Recomeçar

Família Brentano, de Arroio do Meio pretende retomar produção. (Foto: Gabriel Santos)

Na localidade da Cascalheira, interior de Arroio do Meio, a família Brentano contabiliza perdas ao mesmo tempo em que planeja formas de recomeçar. Pela terceira vez, Jair e Luan Brentano viram a lavoura ser atingida pela água.

Depois de setembro e novembro, a inundação do início de maio transformou o terreno em lago. O rio deixou resíduos no solo, que inviabilizam o plantio. Ainda assim, Luan Brentano mostra resignação. “Vamos começar tudo de novo”, frisa.

Para tanto, o esforço é voltado para serviços de máquinas para limpeza do lodo e no acesso às áreas de cultivo. Depois disso, tratar o campo, com adubo, calcário e fertilizantes. “Assim vamos recuperar a fertilidade do solo devastado”, ensina.

Sem luz desde abril

Dilamar Gedoz, 54, de Linha Borges de Medeiros

Entre Colinas e Roca Sales, manter a vida e a atividade primária beira o impossível. Dilamar Gedoz, 54, de Linha Borges de Medeiros, está sem energia elétrica desde o fim de abril, quando desmoronamentos derrubaram vários postes em comunidades vizinhas.

Antes da enchente do início deste mês, a propriedade teve oscilações de luz. Para garantir a alimentação, estocou os congelados de carne na irmã. Trouxe de volta quando houve estabilização.

Para recarregar celular, rádio e ter acesso a internet, Gedoz precisa ir até um vizinho. “É impressionante como eles não conseguem ligar até aqui, é desumano.”

Casal Vanessa e Ernani Dalbosco precisaram colocar o leite fora por não ter resfriadores

 

 

Em Progresso, o casal Vanessa e Ernani Dalbosco cria vacas leiteiras. Uma das atividades econômicas da propriedade está indo para o ralo, literalmente. “Ficamos dez dias sem luz. Precisamos descartar uma média de 80 litros de leite pela falta de armazenamento”, diz Ernani.

Eles também trabalham com avicultura. O plantel de 11 mil aves que estão sem ração há mais de uma semana.

Mais de R$ 280 milhões
de perdas em Estrela

As localidades de Arroio do Ouro, Costão e arredores sofreram fortes impactos. Além de dezenas de casas destruídas na comunidade, produtores rurais ainda contabilizam as perdas. A Secretaria de Agricultura avalia prejuízos superiores a R$ 280 milhões.

Na Linha Figueira, Eloi Wermann mantinha produção de leite na faixa dos dois mil litros ao dia, além da plantação de grãos. De 130 animais, restaram 14 adultos. Dois resgatados no interior de Bom Retiro do Sul. O prejuízo avaliado pelo produtor ultrapassa R$ 2 milhões. “Se tivesse que comprar as 100 vacas de novo, ia ser gasto R$ 1 milhão”, desabafa.

Apesar das dificuldades em retomar a produção, comenta a intenção de continuar com a plantação nas terras. “Estávamos na laje esperando resgate enquanto víamos 40 anos de investimento sendo levado pelas águas. Decidimos que não dava para continuar com gado, mas vamos seguir com a produção de soja”, afirma Wermann.

Casal de Linha Figueira perdeu mais de R$ 2 milhões. (Foto: KARINE PINHEIRO)

O produtor relata que a propriedade foi adaptada de acordo com as referências da cheia de 1941. Diante das previsões para a inundação deste mês, destaca que ele e a família ficaram despreocupados. “Mas vamos continuar em Estrela e começar tudo de novo.”

Desafios a quem fica

A situação do casal Aladi e Maria Dolores Camargo é semelhante. Moradores de Arroio do Ouro, o trabalho diário deles consistia em tratar cerca de 230 bovinos em confinamento. Destes, 11 sobreviveram. Além disso, eles produziam silagem para o gado e verduras para consumo próprio, bem como criação de porcos e galinhas.

Camargo relembra que viu máquinas com mais de cinco toneladas levadas pelas águas. “Vamos continuar morando aqui, mas com a tristeza de saber que tudo o que temos foi destruído, todo o investimento no campo e na casa. Sobre os animais, vamos passar adiante, e voltar a morar com o mínimo possível”, comenta. Com a volta à residência, eles devem enfrentar a falta de água.

Na propriedade de Camargo, dos 230 animais, sobraram 11. (Foto:KARINE PINHEIRO)

  • Água e Luz

Fornecimento de luz também é um problema na localidade de Arroio do Ouro. Grande parte da rede foi destruída. Neste momento, equipes da RGE trabalham na colocação de novos postes para restabelecer a energia elétrica.

Por outro lado, a Associação de Abastecimento de Água do Arroio do Ouro enfrenta problemas no fornecimento. Representante da associação, Ismael Diel, diz que a saída de moradores da comunidade trará queda na arrecadação. Neste momento, avaliam alternativas para continuidade da prestação de serviços.

“Estamos fazendo ajustes da rede velha, mas ela foi muito afetada, tem muito cano rompido. Por enquanto não dá para consumir a água e por isso não vamos cobrar. Mas mesmo com a diminuição do consumo, os gastos devem se manter semelhantes e isso é um desafio para associação.”

  • Animais

Com alguns animais sobreviventes no campo, a alimentação se torna um desafio. Por ora, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Estrela faz entrega de silagem pré-secada e feno aos agricultores. Segundo o presidente Rogério Heemann, os itens representam “um alívio” e apresentam uma possibilidade de recomeço no campo.

Dúvidas sobre o futuro

Em Arroio do Meio, os cálculos sobre os prejuízos ainda estão subestimados, diz o prefeito Danilo Bruxel. “Ainda não contabilizamos todas as localidades, devido a falta de acesso. Até agora, uma avaliação prévia aponta para mais de R$ 50 milhões em perdas”, diz.

As equipes voltadas à recuperação de acessos e estradas rurais atuam de maneira integral para restabelecer as vias às propriedades, afirma Bruxel.

Entre as localidades mais atingidas está a propriedade da família Schneider, na localidade de Forqueta Baixa. O cenário é desolador. A inundação devastou a fazenda. Comprometeu a renda e a continuidade do trabalho para Evanoé Alfredo Schneider, 56, e dos filhos, Gabriel Kraemer, 28, e Augusto, 34.

O gado de corte, uma das principais fontes de renda da família, foi completamente perdido. Além disso, maquinários e implementos agrícolas foram submersos pelas águas, enquanto as lavouras de soja (cerca de 1,7 mil sacos) fundamentais para a economia da propriedade foram arrasadas.

“Não sei nem por onde começar. Jamais imaginamos isso. Ficamos dias ilhados, vendo as coisas irem embora”. As palavras de Evanoé mostram a desolação sentida pela família. A dimensão do prejuízo ainda não foi calculada.

Em meio a incerteza com o futuro, o seguro para o maquinário proporciona um alívio parcial. Porém, a lavoura de soja, as perdas nos galpões e nos silos mostram que a retomada será muito desafiadora.

Gabriel, um dos filhos, adverte para a necessidade de ajuda governamental. “Será necessário subsídio financeiro à propriedade”, afirma. Em meio a tanta dificuldade, a solidariedade dos voluntários emociona a família.

“Muitas pessoas têm doado feno, ração e pré-secado para a alimentação do que sobrou dos animais. A determinação dos voluntários tem sido fundamental.”

 

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