“Precisamos doar. Estender a mão”

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“Precisamos doar. Estender a mão”

Morador do bairro Carneiros há 30 anos, Milton Alves da Silva, conhecido como “Seu Presença”, foi atingido pelas enchentes de setembro e novembro de 2023, e de abril e maio de 2024. Na primeira delas, perdeu a esposa Maria da Conceição Alves da Silva enquanto era resgatada pelos bombeiros. Com 64 anos completados no dia 29 de abril, ainda acha forças para manter o sorriso e o bom humor, tendo virado um dos símbolos de superação no Vale do Taquari

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“Precisamos doar. Estender a mão”
Foto: Aldo Lopes
Vale do Taquari

O quanto você foi impactado pelas enchentes?

Dia 5 de setembro de 2023 eu perdi a minha esposa. Agora eu não perdi nada. Agora foram só bens materiais. A casa foi embora, quase tudo foi embora, mas nada perto do que eu perdi na enchente de setembro. O que eu tinha que sofrer, eu sofri lá. A perda de uma pessoa humana. Isso tem valor. Quanto aos bens materiais, isso se reconstrói, se faz de novo. Limpa. Chorar por perda material? Eu não choro. Chorar eu chorei quando perdi minha esposa bem na minha frente.

Você sempre viveu nesta casa?

Fazia 30 anos. Agora é reconstruir devagarinho. Tenho problema nas costas, mas nada me abala. Eu criei sete filhos, tive dois casamentos. 19 netos. Tudo aqui na minha casa. Que praticamente não existe mais. Agora eu não posso mais ficar aqui. Até tem como voltar, para fazer um churrasco, uma homenagem à minha esposa. Mas morar aqui não tem mais como.

Quem era a sua esposa?

Maria da Conceição Alves da Silva, a Mariazinha, como era conhecida. Caiu do helicóptero por uma imprudência incalculável. Eu vi tudo. Ajudei a amarrar ela, vi ela subir, cair, e morrer afogada. Depois fui até o antigo campo do Lajeadense, onde ela foi levada, e dei um último beijo. Ela era uma mulher do Pará, acostumada a nadar. Mas no apavoro, na falta das condições ideais, ela não sobreviveu.

Depois disso você voltou para casa, e agora foi atingido novamente?

Refiz toda a casa depois de setembro. Depois ainda peguei um vendaval, perdi o telhado. Veio a enchente de novembro, construí a casa novamente. Agora não tem mais como morar aqui. O homem também não pode tentar resistir a tudo. Vou deixar a lembrança aqui, sempre será o meu lugar. Mas morar, não tem mais como.

Você foi resgatado ou conseguiu sair de casa antes da cheia?

Eu saí às pressas antes. Tirei umas coisinhas. Coloquei o que coube no carro e fui embora. Tem coisas que ainda ficaram dentro da casa e vai dar para recuperar limpando bem. No futuro espero voltar aqui apenas para fazer o meu churrasquinho. É de rir para não chorar.

O senhor ainda consegue manter o bom humor após tudo isso?

Adianta ficar brabo? Adianta brigar? Adianta chorar? O negócio é resolver. É plantar. Cuidar do rio. O mesmo rio que nos tira tudo, nos dá alimento. Precisamos cuidar da natureza, preservar a pessoa humana. Precisamos doar. Estender a mão. Pensar no próximo. Levar alegria no peito. Deus está na alegria. Eu estou aqui, feliz, estou vivo. Quantas pessoas não estão mais vivas. Nos deixaram nessa tragédia. Eu só posso agradecer.

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