Muito além das enchentes: os perigos ocultos do Vale

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Muito além das enchentes: os perigos ocultos do Vale

Deslizamentos e afundamentos de terra revelam vulnerabilidades regionais e interrompem a rotina de cidades inteiras

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Muito além das enchentes: os perigos ocultos do Vale
Deslizamento de terra causa o bloqueio da ERS-129, entre Muçum e Vespasiano Corrêa. (Foto: ANDRÉ CONCEIÇÃO/DIVULGAÇÃO)
Vale do Taquari

Os episódios de deslizamentos, movimentos de massa, queda de barreiras e afundamentos de solo no Vale do Taquari revelam que os perigos das catástrofes climáticas não se limitam apenas às enchentes.

A chuva acima da média histórica também mostrou que a compactação do solo na região teve mudanças significativas e revelou um cenário muito semelhante aos acontecimentos de novembro do ano passado, em Gramado, na Serra Gaúcha. No episódio, o bairro Três Pinheiros precisou ser evacuado e estradas foram bloqueadas para garantir a segurança das pessoas. Cena que se repetiu em muitas cidades do Vale.

A exemplo, municípios como Colinas, Encantado, Marques de Souza, Muçum, Teutônia e Roca Sales foram pegos de surpresa com a interrupção das principais estradas e se viram diante de grandes desafios de locomoção pela região. Onde antes ficavam trajetos movimentados por carros, ônibus e caminhões de todos os cantos do país, agora são percursos incertos.

Queda de barreiras provocaram destruição, vítimas e transtornos

Os meios de transporte habituais foram substituídos por balsas, barcos e até mesmo passadeiras do exército para permitir a circulação da população de um município a outro. No entanto, ainda há comunidades inteiras que aguardam ansiosas pela desobstrução das vias.

Mais de 3,3 mil pessoas moram em áreas de risco

Contrapondo ao que muitos imaginam, os deslizamentos são fenômenos comuns no Vale do Taquari. A diferença é que antes eles não atingiam as regiões urbanas. Parte deste novo cenário acontece devido às características geológicas das cidades e as construções em encostas de morro, que podem intensificar os episódios.

“O Vale tem condições propícias para movimentos de massa. Tanto que temos episódios cada vez mais frequentes”, alerta o gerente de hidrologia e gestão territorial do Serviço Geológico Brasileiro (SGB)/CPRM, Franco Turco Buffon.

Em síntese, os movimentos de massa ocorrem quando o solo repousa superficialmente sobre as rochas, em áreas com acentuado declive. Com o acúmulo de água, essa camada se desprende e desencadeia fenômenos naturais como deslizamentos, desmoronamentos e erosões.

Entre os serviços realizados pelo SGB/CPRM estão as análises geológicas e o mapeamento dos municípios com maior incidência destes fenômenos. No Vale do Taquari, somente nove cidades (com inclusão de Venâncio Aires) foram analisadas. Destas, Taquari e Venâncio Aires foram as únicas que não apresentaram alertas para deslizamentos em locais com moradores. Muito pela característica das cidades, por serem terrenos planos, em áreas de várzea.

Serviço geológico estima que mais de 900 imóveis estão em área de risco. (Foto: divulgação)

As análises foram feitas entre 2013 e 2023 e adotam como critério locais habitados. Ou seja, desconsideram pontos da zona rural sem proximidade com propriedades, ou mesmo encostas de rodovias.

Pelo acompanhamento do serviço geológico, foram identificadas pelo menos 33 áreas na região com risco alto ou muito alto de episódios como deslizamentos, erosão, afundamentos e rachaduras. Nestes pontos, são mais de 900 imóveis, com uma população estimada de 3,3 mil.

Um novo capítulo para o Vale

Na tarde da última quarta-feira, 15, a Univates promoveu uma formação específica para engenheiros, geólogos, equipes de Defesa Civil, bombeiros e servidores municipais. Mais de 180 pessoas acompanharam a programação no Auditório do Prédio 11.

O curso foi ministrado por Masato Kobiyama, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e coordenador do Grupo de Pesquisa dos Desastres Naturais, do Instituto de Pesquisas Hidrológicas (IPH).

“A topografia do Vale do Taquari é favorável para movimentos de massa. Visitei Encantado há alguns meses. É um lugar muito bonito. Fui nos locais, e comecei a apontar. Aqui o solo desliza, aqui pode cair rocha… e fui fazendo um monitoramento”, conta Kobiyama. Segundo ele, “é nas vistorias que vamos entender o grau de risco às pessoas”.

Além de ministrar o curso, o especialista levou os participantes a saídas de campo e visitas técnicas em três locais de Santa Clara do Sul. “A inundação acontece superficialmente, mas o deslizamento resulta da dinâmica subterrânea. Para entender coisas internas, só teoria na sala de aula não é suficiente. Por isso, a aprendizagem em campo é fundamental”, salienta Kobiyama.

“Precisamos de segurança nas informações”

Para a secretária de meio ambiente e infraestrutura do estado, Marjorie Kauffmann, o encontro confirma a necessidade urgente de identificação de pontos de risco de movimentos de massa e deslizamento. Ainda que o Serviço Geológico tenha o mapeamento de alguns locais, ele não é suficiente.

“Reunimos voluntários, e muitos trabalham nos municípios atingidos como técnicos ou ainda na Defesa Civil, para traçar e discutir diretrizes básicas para identificar novas áreas”, explica Marjorie. A ideia, segundo a secretária, é construir um banco de dados destes locais no estado e incorporá-lo àquele já fornecido pelo SGB.

Promotor de justiça, Sérgio Diefenbach, ressalta a importância da formação técnica para fundamentar medidas ágeis em situações críticas. “O que nós, Ministério Público, precisamos é segurança nas informações. Laudos assinados com responsabilidade técnica são essenciais para orientar a população e os gestores municipais quanto à possibilidade de permanecerem nesses locais ou a necessidade de evacuação”, enfatiza.

Munidos destes laudos, de acordo com Diefenbach, as autoridades municipais podem agir por conta própria no que diz respeito à evacuação de moradores de área de risco. “Havendo necessidade de evacuação, eles podem proceder com suas próprias forças, inclusive com o uso de força policial. Não há a necessidade de uma ação judicial”. Fato que contribui para as ações em prol da segurança da comunidade.

Entenda mais sobre movimentos de massa

  • DESLIZAMENTOS:
    Movimento de massa descendente em encostas. Diversos fatores podem desencadear, entre eles:
    Infiltração de água no solo: pode reduzir a coesão entre as partículas, tornando-o mais suscetível.
    Declividade: Quanto mais íngreme, maior a probabilidade.
  • RACHADURAS:
    Causas diversas, como:
    Retração do solo. A perda de umidade pode se contrair e desenvolver rachaduras.
    Expansão e contração. Há minerais presentes no solo que podem se expandir quando úmidos e contrair quando secos, levando à formação de rachaduras.
  • AFUNDAMENTOS:
    Os afundamentos do solo podem ocorrer devido a:
    Extração de água subterrânea: A remoção excessiva de água do subsolo pode levar ao colapso do solo, resultando em afundamentos.
    Subsidência: Atividades humanas, como mineração, podem causar subsidência do solo à medida que as camadas subterrâneas são retiradas.
  • RASTEJOS:
    O rastejo é um movimento lento e contínuo de solo em encostas, que pode ser causado por:
    Umidade: A água presente no solo reduz a coesão dos materiais.
    Inclinação: isso pode facilitar o rastejo, especialmente em solos argilosos.

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