A fúria devastadora das águas

ABALO REGIONAL

A fúria devastadora das águas

Rio Taquari alcança recorde histórico, bate 34 metros em Estrela. A velocidade da correnteza destrói casas, empresas, lavouras e cidades quase inteiras. São pelo menos 36 óbitos na região e há mais de 30 ainda desaparecidos

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A fúria devastadora das águas
Foto: Aldo Lopes/arquivo
Vale do Taquari

“Não teve o que fazer. Quando eu vi, a água estava entrando dentro de casa. Tive de sair só com uma mochila e algumas roupas”, relembra o morador de Lajeado, Israel Wolf. “Minha vó ficou dois dias em cima do telhado em Cruzeiro do Sul. Eu fiquei desesperada, achei que ela não ia resistir”, conta Fernanda Friedrich. “Aqui em casa a água nunca tinha chegado. Não pensei que ia subir tanto”, lamenta Suan Pablo. “Aquele cenário de guerra de novo, como de setembro. Mas foi ainda pior”, compara a moradora de Roca Sales, Cecília Magedanz.

As quatro histórias são uma fração de todo o drama vivido pela comunidade do Vale. Entre o fim de abril até 6 de maio, os rios e arroios da bacia hidrográfica do Taquari\Antas alcançaram recordes de vazão de água e consequente nível de inundação.

Como resultado, mais de 60 mil pessoas foram atingidas pelas enchentes, com pelo menos 30 mil imóveis atingidos.

Conforme apuração nos municípios, cerca de 23,3 mil pessoas ficaram desabrigadas. Até agora, são pelo menos 36 óbitos confirmados e ainda há mais de 30 desaparecidos. No dia 2 de maio, o Rio Taquari bateu o recorde de elevação. Passou dos 34 metros em Estrela, na medição topográfica feita pela administração municipal.

Vale ilhado

Movimentos de massa, deslizamentos, queda de barreiras, danificaram estradas e fizeram vítimas. (Foto: Fábio Kuhn)

As principais rodovias tiveram danos diversos. Na BR-386, a queda de barreiras fechou a ligação de Lajeado até Soledade. Foram pelo menos três pontos de deslizamentos na serra de Pouso Novo.

Além disso, houve danos na ponte seca, em Lajeado, e na principal, até Estrela. Inclusive uma balsa atingiu a proteção da estrutura. Foi necessário esperar a água baixar, para ser feita a limpeza e a análise de engenharia da CCR ViaSul sobre a integridade dos pilares. Durante dois dias, foi autorizada apenas a passagem de pedestres entre os dois municípios.

No início da enchente, entre 30 e 1º de maio, a microrregião de Encantado teve diversas estradas fechadas, inclusive a ERS-332, em direção a Arvorezinha. Rochas também interromperam a ligação na ERS-129, de Muçum a Vespasiano Corrêa. A ligação entre Marques de Souza e Travesseiro também foi destruída.

Pontes

Durante dois dias, a passagem entre Lajeado e Estrela foi autorizada apenas para pedestres. Voluntários auxiliam levando itens de primeira necessidade e trazendo equipamentos, como antenas de internet por satélite

O mais complexo foi a ligação para a parte alta por Arroio do Meio. As duas pontes ruíram devido a força do Rio Forqueta. “Passamos o momento mais difícil da nossa história. Ficamos ilhados, sem lado para sair ou chegar. Demoramos a receber suprimentos e isso causou muita angústia a todos”, frisa o prefeito Danilo Bruxel.Hoje, toda a circulação para chegada de produtos é feita por barcos. O deslocamento de pedestres ocorre por uma passagem suspensa, montada pelo Exército. “Precisamos restabelecer essa ligação o quanto antes. O prejuízo para a nossa comunidade é gigantesco”, cobra o prefeito de Lajeado, Marcelo Caumo.

Arroio do Meio e Lajeado. Soluções em pequeno, médio e longo prazo

Comitiva do governo federal visitou a Ponte de Ferro nesta semana para avaliar modelo de reconstrução

Os municípios trabalham com três opções, de curto, médio e longo prazo. A mais rápida é a instalação de uma ponte provisória, pela rua Romeu Júlio Scherer. A estrutura é do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes e pode ser instalada no máximo em uma ligação com 60 metros.

Em Lajeado, será necessário abrir pelo menos um quilômetro de rua e avançar com aterro sobre o Rio Forqueta para reduzir a distância com Arroio do Meio.

A segunda opção é reconstruir a Ponte de Ferro. Inclusive há uma mobilização comunitária em curso. Pelo PIX novapontedeferro@gmail.com, já foram arrecadados mais de R$ 1,3 milhão. O governo federal promete encaminhar R$ 6,7 milhões à obra. A estimativa é que o custo passe dos R$ 12 milhões.

Por último, está a reconstrução da ponte da ERS-130. A Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), concessionária responsável pelo trecho, pretende lançar o edital de reconstrução na segunda-feira.

Sem água, luz e comunicação

Equipe para manutenção da estação para captar água, em Lajeado, só conseguiu chegar no local após a água baixar

No ápice da inundação, mais de 90 mil pontos da região ficaram sem luz e sem água. Também a comunicação foi afetada. Redes de telefone celular pararam de funcionar. “Foi o rádio que nos manteve informado e nos fez companhia”, diz Bernardo Costa, de Taquari. Ele ficou ilhado na propriedade da família. “Ainda bem que a casa fica em área mais alta.” Conforme a RGE, concessionária com a maior parcela de atendimento no Vale, o total de residências (economias) sem luz passou dos 66 mil. Postes, redes rompidas, transformadores destruídos foram alguns dos problemas dentro da área de atuação da companhia.

Na área da Certel Energia, também houve danos graves tanto em subestações quanto nas redes de alta e de distribuição. Para garantir a retomada da luz, foi estabelecida uma parceria com a RGE, após cinco dias de apagão para quase 45 mil residências. Com a permissão para religar a energia na rede da concessionária, a Certel conseguiu atender cerca de 25 mil economias. Com as reconstruções, o dado mais recente aponta 200 pontos sem energia. No abastecimento de água, houve problemas em todas as regiões atendidas pela Corsan\Aegea. A maior dificuldade foi em Lajeado. As bombas de captação de água, no bairro Carneiros, ficou submerso. Foram oito dias até as equipes conseguirem chegar na estação.

Do aviso à tragédia

  • 25 DE ABRIL (QUINTA-FEIRA)

A MetSul Meteorologia alerta para um cenário de grave risco com chuva extrema.

  • 29 DE ABRIL (SEGUNDA-FEIRA)

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu o primeiro alerta vermelho de volume elevado de chuva. As chuvas intensas e contínuas começaram a afetar áreas no Vale do Rio Pardo. As primeiras imagens da inundação aconteceram em Sinimbu. No dia, a região tem quedas de barreira em diversos pontos, entre elas na ERS-129, em Encantado.

  • 30 DE ABRIL (TERÇA-FEIRA)

As inundações começam na parte baixa do Vale do Taquari. No dia, a medição no Forqueta, entre Progresso e Travesseiro tem o maior volume de chuvas da região. São mais de 150 milímetros no Rio Forqueta. A água invade os municípios de Marques de Souza, Travesseiro, Forquetinha, Arroio do Meio e Progresso. A ponte entre Marques de Souza e Travesseiro foi destruída.

Na parte alta, o Rio Taquari começou a subir mais de um metro por hora em Roca Sales. Neste dia, houve a queda de uma barreira na BR-386, em Pouso Novo. À noite, a cota foi de 22,85 metros na medição em Estrela e Lajeado. As primeiras cinco mortes da tragédia foram registradas. Duas na região, em Paverama.

  • 1º DE MAIO (QUARTA-FEIRA)

Ao todo, 31 cidades do Vale do Taquari decretam calamidade pública. O governador Eduardo Leite liga para o presidente Lula e pede socorro imediato. A chuva intensa é registrada em mais de 340 cidades gaúchas. Deste total, 265 tiveram decreto de calamidade pública.

  • 2 DE MAIO (QUINTA-FEIRA)

O número de mortes aumenta. Foram mais 19 óbitos em 24 horas. Parte da ponte da ERS-130, entre Lajeado e Arroio do Meio, é levada pela força do Rio Forqueta. A Ponte de Ferro, também entre os dois municípios, foi destruída. A cabeceira da ponte seca, entre Lajeado e Estrela é danificada.

A água chegou na ponte da BR-386 entre Lajeado e Estrela. Uma balsa atinge a proteção da passagem.
O Rio Taquari atingiu nível histórico, com 34,05 metros em Estrela (Em Lajeado, foi de 33,35)
A enchente supera as marcas registradas em setembro de 2023.

  • 3 DE MAIO (SEXTA-FEIRA)

O governo federal anunciou o aporte de R$ 4,1 milhões para a reconstrução da ponte que interliga os municípios de Marques de Souza e Travesseiro. Estudo preliminar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) apontou que mais de 60 mil pessoas da região foram atingidas pelas enchentes. O número de domicílios afetados passou dos 30 mil. As inundações afetaram mais de 80% da atividade econômica do RS.
Depois de 24 horas, o nível do Rio Taquari caiu para 29,20 metros em Lajeado.

  • 7 DE MAIO (TERÇA-FEIRA)

O Rio Taquari baixa, chega no nível normal de 13 metros em Estrela, e revela um cenário de devastação.
Cidades como Muçum, Roca Sales, Marques de Souza, Estrela, Lajeado e, em especial, Cruzeiro do Sul, foram devastadas pela força da água. No RS, um total de 207,8 mil deixaram suas casas, sendo 48,8 mil em abrigos e 159 mil desalojados (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos).

  • 10 DE MAIO (SEXTA-FEIRA)

O repique. As chuvas voltam a castigar a região. Neste dia, a Defesa Civil do estado e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres (Cemaden) informaram que a situação deve se agravar, com inundações severas e possíveis deslizamentos. O governo federal prometeu R$ 6,7 milhões para a reconstrução da ponte entre Lajeado e Arroio do Meio.

  • 11 DE MAIO (SÁBADO)

O Rio Taquari subiu 6 metros em 24 horas e voltou a ultrapassar a cota de inundação.
A previsão é de mais uma enchente histórica, com chance de passar dos 29 metros.

  • 12 DE MAIO (DOMINGO)

Municípios voltam a ter interrupção no abastecimento de água e de energia elétrica. Chuva continua forte durante todo o dia. Por volta das 17 horas, reduz de intensidade nas cabeceiras da bacia hidrográfica do Taquari\Antas. Por volta das 23 horas, reduz de intensidade na parte de Lajeado e Estrela. Na última medição do domingo, Rio Taquari chega a 27,15 metros.

  • 13 DE MAIO (SEGUNDA-FEIRA)

Na madrugada, as leituras mostram elevações cada vez menores. Por volta das 5h, chega no pico de 27,78 metros. Entre 6h e 7h, começa a baixar. A programação de retorno das aulas em Lajeado é transferida.
Ao longo do dia, a água baixa. De forma mais lenta do que o normal, devido ao represamento no Rio Jacuí.

  • 15 DE MAIO (QUARTA-FEIRA)

O Rio Taquari volta ao nível normal no Porto de Estrela.

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