Entre conquistas, a luta por direitos

ESPECIAL TEA

Entre conquistas, a luta por direitos

No mês de consciência ao autismo, instituições e famílias reforçam a importância da inclusão e de tornar o espectro cada vez mais visível à comunidade

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Atualizado segunda-feira,
08 de Abril de 2024 às 10:14

Entre conquistas, a luta por direitos
Kauã foi diagnosticado com autismo aos 2 anos e, além das aulas e terapias na Apae, tem o apoio do pai e da mãe Ivete no desenvolvimento. (Foto: BIBIANA FALEIRO)
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Rotina, atividades físicas, oficinas de música e interação com outras crianças são ferramentas que Kauã Rodrigo Stack, 10, utiliza para ter qualidade de vida. Diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos 2 anos, ele vem aprendendo sobre sua própria personalidade com o auxílio e carinho dos pais. Nesta semana, participou da Caminhada do Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo em Lajeado, celebrado no dia 2 de abril e, ao lado da equipe da Apae, reforça a importância de sensibilizar a comunidade sobre o tema.

Desde que começou a frequentar a Apae – que atende cerca de 100 crianças com o espectro – a mãe de Kauã, Ivete Stack, 35, percebe o progresso do filho. Ela acompanha a rotina dele, entre as aulas e as terapias e o leva de Marques de Souza, onde moram, a Lajeado, todos os dias.

Ivete conta que o momento do diagnóstico foi de incertezas. “Fica aquela dúvida. Para uma mãe que descobre o transtorno do filho, fica aquela coisa, o que eu vou fazer, é um susto. Mas vemos como estamos progredindo”. Ela comenta que se os dias saem um pouco da rotina, já observa a ansiedade no filho. Mas vem aprendendo o que funciona no desenvolvimento de Kauã. “Cada conquista dele é um presente pra nós”.

Por não apresentar características físicas, o Transtorno do Espectro Autista é considerado invisível. Por esse motivo, Ivete afirma que muitos direitos ainda não são realidade para o filho. Ela ainda cita a dificuldade de acesso a serviços de saúde.

Direitos esquecidos

A Ong Azul Como O Céu foi criada em Lajeado com essa finalidade: garantir direitos às pessoas com autismo. Presidente da entidade, Paula Martins, 30, afirma que a maior dificuldade do grupo, hoje, é conseguir os direitos que dependem do poder público, como terapias pelo SUS, por exemplo, já que faltam profissionais e infraestrutura para atender a demanda pública. Segundo ela, também faltam monitores capacitados e recursos nas escolas para acompanhamento das crianças com o espectro.

Por outro lado, Paula, que também é psicóloga, destaca as conquistas mais recentes da ong, que são em relação à visibilidade da causa e os projetos de leis que amparam os autistas em seus direitos. “A visibilidade da causa traz conhecimento à população e as leis de amparo nos dão a equidade necessária para a pessoa com autismo conviver socialmente”. Essa, conforme ela, é uma luta diária do grupo.

Paula ainda reforça que o autismo, no Brasil, é considerado uma deficiência, e isso garante direitos como preferência em filas, desconto em passagens aéreas para acompanhante, ter direito a acompanhante em consultas, atendimentos hospitalares, entre outros.

A psicóloga é mãe de dois meninos com autismo, o Arthur, de 5 anos, e o Igor, de 3 anos, e foi pela família que ela se interessou em ajudar a ong. Entre os projetos da entidade, ela cita o Judô, que atende 27 crianças totalmente custeadas pela ong. Outros projetos ainda serão colocados em prática ao longo do ano.

Espaço especializado

Outro serviço oferecido em Lajeado, mas que atende crianças de toda a região, é o Espaço Imaginamente, da Unimed. A psicóloga e coordenadora analista do comportamento no espaço, Janaina Cadoná Ceron, destaca que a clínica atende mais de 300 famílias, com uma unidade também em Santa Cruz do Sul.

O Espaço foi criado em abril de 2021, para oferecer atendimento ao público autista, beneficiários da Unimed, depois de percebida a necessidade de um ambiente especializado diante do número expressivo de encaminhamentos médicos para este tipo de atendimento. A equipe técnica é composta por psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e nutricionista. Também faz parte da equipe clínica, uma médica pediatra assessora. Os atendimentos fornecidos aos pacientes são embasados na Ciência da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e as intervenções são planejadas de forma individual por meio da avaliação com cada paciente.

Desenvolvimento constante

Conforme Janaina, o progresso é percebido quando a criança adquire habilidades que, até então, não possuía. E, assim que identificados sintomas e atrasos no desenvolvimento, quanto antes for iniciada a estimulação da criança, menos prejuízos serão acumulados.

Ela explica que o autismo não é uma doença, é um transtorno do neurodesenvolvimento, e se fala em “espectro” devido a grande variação na apresentação dos sintomas, que podem ser déficits na comunicação e interação social e padrão restritivo e repetitivo de comportamento.

“O nível de suporte que cada autista apresenta vai depender da gravidade dos sintomas e prejuízos no funcionamento de cada um, assim como da presença ou não de comorbidades”, ressalta a psicóloga.

Segundo Janaina, o processo diagnóstico nem sempre é uma etapa fácil para a família. “Geralmente, a rotina familiar precisa ser reorganizada em razão de idas a terapias da criança, há uma reconfiguração de expectativas em relação àquele filho, e há um percurso em busca de aprendizado para manejar as dificuldades apresentadas por aquela criança”. Por isso, defende que a família tem um papel significativo na evolução da criança, já que, quanto mais informações, dedicação às terapias e orientações recebidas dos profissionais, melhor a família poderá lidar com as adversidades que cada autista apresenta.

Níveis do autismo

  • Nível 1: também conhecido como “autismo leve”, apresenta pouca necessidade de apoio e poucos prejuízos nas relações interpessoais.
  • Nível 2: considerado moderado, apresenta necessidade de apoio substancial, além de déficits severos nas habilidades de comunicação social.
  • Nível 3: é o mais grave, conhecido como severo. Além de apresentarem as características já descritas nos níveis 1 e 2, apresenta necessidade de apoio muito substancial.

Casa Verde em Lajeado

Além da Apae, outros serviços oferecem um espaço de desenvolvimento a crianças com autismo. A Casa Verde de Lajeado é um exemplo. O local fica na Rua Saldanha Marinho, no Centro, e foi criado para ser um centro de atendimento destinado a crianças e jovens portadores de transtornos de neurodesenvolvimento, como dificuldades de comunicação e coordenação motora, deficiência intelectual e autismo. O local atende crianças e jovens de 3 a 18 anos.

Centro regional

Encantado vai contar com um Centro de Atendimento em Saúde (CAS), voltado às necessidades específicas das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), por meio do Programa TEAcolhe. O espaço funcionará como referência para toda a região alta, com capacidade para fazer mais de mil atendimentos mensais.

A equipe do CAS de Encantado será formada por seis profissionais, podendo ser médicos, terapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionista, educador físico, entre outros. O governo de Encantado estuda utilizar o prédio do Posto da Faterco para instalação da unidade.

Principais critérios para diagnóstico:

Sinais de alerta

  • Déficits sociais;
  • Comportamentos estereotipados ou repetitivos;
  • Apego a objetos diferentes;
  • Fala dificultada ou ausência de fala;
  • Sensibilidade a alguns sons;
  • Não gosta de alteração na rotina;
  • Pouco contato visual;
  • Coordenação motora pobre;
  • Falta de consciência de perigo.

ENTREVISTA
Maria Helena Herrmann, neuropsicopedagoga

“É recomendado o convívio com outras crianças”

Como é possível identificar uma pessoa com autismo?

Esse processo de identificação pode começar com o pediatra, que já vai estar observando o desenvolvimento da criança. Entendo que na escola muitas dessas características são observadas também e os profissionais da educação apontam às famílias o que observam. Como os professores trabalham com muitas crianças, conseguem ver o que é típico de uma criança dessa idade e o que não é. Pessoas com autismo têm prejuízo na parte sociocomunicativa, como elas interagem, elas brincam de um jeito diferente, muitas vezes, não funcional. Parece não terem interesse em brincar com outras crianças mas, muitas vezes, é não saber como se incluir nessa brincadeira. Esse prejuízo na comunicação também é um critério de diagnóstico. Entendemos a comunicação às vezes só como fala, mas está muito além. O corpo também se manifesta quando a gente diz alguma coisa. Pode haver um atraso na fala, uma forma diferente de interagir e ainda um comportamento repetitivo. Eles têm apego à rotina, que é importante, mas também pode ser prejudicial, porque é um foco restrito, tudo tem que ser trabalhado. O autismo não é físico, está dentro de um grupo invisível.

Como se dá a inclusão?

É recomendado esse convívio com outras crianças. Temos na escola uma representação do que acontece na sociedade. A escola é lugar de que todos estejam, de encontro. Claro que é preciso respeitar as necessidades de cada um, entendendo que a formação docente é um pilar. Quando colocamos as crianças para interagir, a gente ajuda um pouquinho e vai acontecendo naturalmente, é um espaço de estímulo e aprendizagem muito rico. Tem muita coisa acontecendo, mas tem lugares que também são referências, tem situações que são grandes desafios para os professores. Essas crianças carecem muitas vezes de serviços de saúde, isso também é um desafio. Muitas vezes acontece de pessoas com autismo associarem outras habilidades. Quando você tem um potencial acima da média também merece atenção, porque às vezes por aquela habilidade vai conseguir se colocar em um espaço social.

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