A primeira vez que a estudante de enfermagem de 21 percebeu os sintomas como falta de ar e dor no peito, foi durante a pandemia. Trabalhando na área da saúde, em contato direto com a doença, teve uma crise de ansiedade durante um dia de trabalho. Com sinais parecidos aos da Covid, achou que pudesse ser o vírus, até que foi diagnosticada.
A lajeadense integra os 36% dos brasileiros que apresentam o transtorno. Das doenças mentais, esta é a mais comum entre crianças e adolescentes. A auxiliar de farmácia afirma já ter tido sintomas de ansiedade na infância, mas só ter percebido mais tarde. Durante as crises, ela conta não conseguir se impor e sentir medo do que os colegas podiam pensar. Sabrina buscou ajuda apenas 3 anos depois, quando presenciou a primeira morte de um paciente.
Com consultas regulares ao médico clínico e medicamento antidepressivo, além de visitas semanais à psicóloga, ela iniciou o tratamento. “Minha vida melhorou muito. Não sinto mais os sintomas físicos. Consigo enfrentar a realidade com outra perspectiva”.
Hoje, a lajeadense não é mais medicada, mas a terapia semanal continua. Além disso, ela adotou um estilo de vida mais saudável, com uma dieta com alimentos menos processados e mais exercício físico.
“São coisas essenciais para que o nosso cérebro funcione melhor, sem dúvidas colaborando muito para a redução da ansiedade. Mas o principal, para mim, é a terapia”. Hoje, quando sente algum sintoma, ela diz buscar identificar a origem, para resolver o problema. Quando não é possível resolver, então busca outra forma de interpretação. “Acredito que essa seja a grande diferença entre viver com a ansiedade e tê-la consigo, mas aprender a dominá-la”.
Mais do que uma emoção
Isadora Pretto Chemin, 27, também foi diagnosticada ainda jovem. Quando criança, já percebia alguns sintomas, como ansiedade de separação, que intensificaram na adolescência. Ela também conta que sofria ao fazer provas, e era ansiosa na forma que lidava com as coisas no geral, sempre preocupada com o que poderia “dar de errado”.
Aos 19 anos, teve crises de ansiedade e, com a ajuda da mãe, procurou um psicólogo. Depois de alguns meses, parte dos sintomas diminuíram, mas elas decidiram que tomar medicação seria a melhor maneira de lidar com o transtorno.
Isadora se formou em psicologia e a faculdade a ajudou no processo. “Busquei entender ao máximo o que acontecia comigo. Hoje, sendo psicóloga, me dedico principalmente a estudar e atender casos de ansiedade”.
Ela diz que o transtorno, muitas vezes, é visto somente como uma emoção, mas é mais do que isso. “É também uma reação de proteção que temos, evolutivamente falando. Mas é um problema muito desconfortável e que causa um sofrimento enorme. Tem muitas pessoas com transtornos de ansiedade que têm prejuízos bastante significativos em suas vidas. Aí que se torna patológico”.
Isadora acredita que ter vivenciado o transtorno de forma intensa faz com que consiga compreender o que os pacientes sentem e vivem. Ela ainda destaca novas técnicas adotadas no tratamento.
“Temos a Terapia Cognitivo Comportamental, assim como outras práticas e abordagens baseadas em evidência como tratamento mais eficaz para essa demanda. Não precisamos nos livrar da ansiedade e sim resolver o problema que temos com ela”.
Evolução
Entre os principais motivos que fazem um paciente buscar auxílio psiquiátrico, está a ansiedade. Mas também o desânimo, a tristeza excessiva ou dificuldade de sentir prazer, desatenção e falta de foco no trabalho, insônia, oscilações de humor, traumas, pensamentos obsessivos e compulsões. Conforme a médica psiquiatra e psicoterapeuta, Luiza Lucas, os sintomas podem estar relacionados a uma série de diagnósticos.
Ela percebe que em comparação a alguns anos atrás, há mais diagnósticos de transtornos como o de ansiedade. “Isso não significa que as pessoas não tinham sofrimentos. Se voltarmos na história, encontramos casos da chamada ‘melancolia’ na mitologia grega e até mesmo na Bíblia. O que antes era conhecido como ‘melancolia’, hoje chamamos depressão”.
Luiza destaca que os transtornos ansiosos e depressivos sempre existiram, mas com outros nomes. “Dar um diagnóstico não tem como objetivo rotular a pessoa, e sim oferecer um tratamento, ou seja, um alívio. Para sabermos qual caminho vamos trilhar”.
Em todas as idades
Embora a ansiedade possa afetar pessoas de todas as idades, os jovens muitas vezes enfrentam dificuldades relacionadas ao próprio crescimento, com medo de não terem sucesso acadêmico e profissional. Ainda, estão muitas vezes aprendendo a se relacionar afetivamente. Luiza afirma que esse cenário contribui para o quadro ansioso nesta idade.
Por outro lado, a médica diz que os transtornos mentais em idosos são frequentemente subdiagnosticados e subtratados. O motivo envolve estigma, falta de acesso a serviços de saúde mental e desafios na comunicação dos sintomas.
O tratamento, em qualquer faixa etária, envolve uma abordagem multidisciplinar, que pode incluir psicoterapia, medicamentos prescritos pelo médico psiquiatra e mudanças no estilo de vida. “Além disso, o apoio da família e amigos pode desempenhar um papel crucial no processo de recuperação”.
Nem todos os transtornos mentais são para toda a vida. Muitos podem ser gerenciados com o tratamento adequado. A duração varia de acordo com a gravidade do transtorno, a resposta do paciente ao tratamento e outros fatores individuais.
De acordo com a médica, as principais causas da ansiedade incluem vivências traumáticas na infância e adolescência, estresse crônico, preocupações financeiras, problemas de relacionamento e até mesmo o uso excessivo de tecnologia e redes sociais.
Um em cada dez
Um estudo liderado pela faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) revela que 293 milhões de crianças e adolescentes, mais de um em cada dez avaliados, enfrentam transtorno mental.
A pesquisa escolheu a faixa etária dos 5 aos 24 anos por entender que esse é um período de intensas mudanças tanto do ponto de vista do desenvolvimento neurobiológico, quanto nos aspectos sociais e psicológicos dos indivíduos.
A pesquisa também mostrou uma prevalência de casos do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), na infância. Por outro lado, identificou que os transtornos depressivos crescem acentuadamente na adolescência.