Menos incertezas para melhorar resposta  em catástrofes

PENSAR O VALE PÓS-ENCHENTE

Menos incertezas para melhorar resposta em catástrofes

Seminário na terça-feira, 14, reúne especialistas, gestores públicos e líderes da região, do estado e do país. Objetivo é contribuir na formulação dos serviços de monitoramento, previsibilidade e socorro durante eventos climáticos extremos

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Menos incertezas para melhorar resposta  em catástrofes
Programação aborda lições e ações necessárias após perdas pela cheia dos dias 4 e 5 de setembro. (Foto: FELIPE NEITZKE)
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Conhecer experiências de outras localidades do país, verificar o que é feito e como pode ser usado dentro do Vale do Taquari para melhorar a resposta em episódios de inundações. Avaliar o modelo de monitoramento atual, o modelo de atuação das defesas civis. Essas são algumas tarefas do 1ª Seminário Pensar o Vale Pós-Enchente.

O evento ocorre na terça-feira, 14 de novembro, no auditório do prédio 7 da Univates. A programação começa às 8h, com entrada gratuita, mediante inscrição (acesso pelo QR Code). Serão dois turnos de atividades.

Pela manhã, entre as palestras, estão o prefeito de Blumenau, Mário Hildebrandt e o secretário de Defesa Civil do município catarinense, coronel Carlos Menestrina. A participação deles foi organizada devido ao histórico de inundações no Vale do Itajaí. O sistema de defesa criado naquela localidade é visto como uma referência nacional.

Outra participação de destaque é a da diretora de Hidrologia e Gestão Territorial do Serviço Geológico do Brasil, Alice Castilho. O departamento é responsável pelo acompanhamento de 17 bacias hidrográficas do país.

À tarde, painéis sobre ocupação das margens dos rios; mobilidade urbana; financiamentos e ações estruturais de proteção. “Sabemos que o seminário não apresentará soluções imediatas e mágicas. Mas pensamos que os debates podem ser o início para termos um grande plano de prevenção e proteção”, reforça o diretor Executivo do Grupo A Hora, Adair Weiss.

Como encerramento, o seminário tem a missão de elaborar uma “Carta do Vale do Taquari”. Funcionaria como um guia às ações futuras aos setores públicos, serviços de proteção e da própria comunidade.

Neste documento constarão os próximos passos e ações concretas para enfrentar os desastres naturais na bacia do Taquari/Antas, com assinatura de representantes do setor produtivo, especialistas e autoridades públicas.

Pensar o Vale Pós-Enchente é idealizado pelo Grupo A Hora e conta com a realização da Univates, Amvat, Amat, Avat, Amturvales, CIC-VT, Codevate e Comitê da Bacia Hidrográfica Taquari/Antas. O patrocínio é da Caixa, do Governo Federal e Corsan, com apoio do Banco Regional de Desenvolvimento (BRDE).

Em 150 anos, três inundações extraordinárias

Em 1873, 1941 e em 2023 aconteceram enchentes acima dos 30 metros na bacia hidrográfica Taquari/Antas. É o que afirma o doutor em hidrologia, Walter Collischonn. “Estamos falando de uma região que tradicionalmente convive com enchentes. Em particular essa última de grandes proporções nos provoca a reagirmos enquanto sociedade. E precisamos, pois sabemos que vai acontecer de novo. Não temos como afirmar quando, mas vão se repetir”, adverte.

De acordo com ele, na curva histórica, ter três catástrofes dessa magnitude, comprova de que o episódio deste ano não foi algo isolado ou incomum. Pelo acompanhamento de pesquisadores da região, a inundação de setembro pode ser considerada a maior tragédia natural da história do Rio Grande do Sul.

A análise é de Rafael Eckhardt (biólogo, especialista em sistemas de sensores), e Sofia Royer de Moraes (engenheira ambiental, especialista em cheias e previsão de inundações). “Temos dados para acreditar que essa foi maior” destaca Sofia.

Em relação a impacto social, não há nenhuma dúvida. Na avaliação dela, passa por fenômenos naturais, como a formação do El Niño, mudanças climáticas e as mudanças provocadas pelo formação das cidades nas áreas de inundação do Rio Taquari.

No oficial, o nível da água alcançou 29,62 metros entre Lajeado e Estrela. Pelo impacto da destruição, consideram que houve falhas nos alertas junto à população ribeirinha, apagão de dados sobre o avanço da água em períodos críticos, além dos equívocos quanto à comunicação sobre a previsibilidade da chegada da enchente em áreas habitadas.

Abordagem profissional

Coordenador do Fórum Gaúcho de Comitês de Bacias Hidrográfica e vice-presidente do Taquari/Antas, Júlio Salecker, defende obras específicas para reduzir a velocidade das inundações. “Temos de ter uma abordagem técnica e profissional para mitigar os efeitos das enchentes.”

Junto com estruturas como barragens de contenção e diques, também reforça a necessidade da dragagem do canal. “Houve proibições para retirada de cascalhos. Com a cheia, mais material se acumulou no rio. Isso faz com que a vasão seja menor e aumente o nível da água mais rápido.”

Segundo Salecker, há níveis distintos nas ações, de preservação das margens e das várzeas. Na proteção social, realça a necessidade de uma Defesa Civil regional, com ações para além dos municípios e da microrregião do Taquari. “Temos de olhar para toda bacia. Em especial para os afluentes, como o Carreiro, Guaporé e Antas.”

Entrevista – Alice Castilho • diretora de Hidrologia e Gestão Territorial do Serviço Geológico do Brasil (SGB)

“Para o próximo ano, vamos investir R$ 200 mil na bacia do Taquari e Caí”

A Hora – Qual foi a atuação do Serviço Geológico Brasileiro (SGB) durante o episódio?

Alice Castilho – Há mais de cinquenta anos, monitoramos a rede hidrológica nacional. Somos responsáveis por 80% dessa operação em bacias hidrográficas. Operamos sistemas de alerta há 30 anos. Começamos na região Amazônica, fomos para o Rio Doce e expandimos em outras regiões do país. Nosso papel abrange desde a prevenção, passando pelo monitoramento, com um trabalho coordenado junto às defesas civis.

– Como se dá essa atuação no Vale do Taquari?

Alice – No Rio Grande do Sul operamos em 25 mil quilômetros, abrangendo as bacias do Cai, Taquari e Uruguai. Iniciamos esse monitoramento a partir da criação do Sistema Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, em 2012, após o desastre na região serrana do Rio de Janeiro.
Verificamos os cenários a partir de etapas distintas. A primeira é a prevenção, com um acompanhamento das previsões meteorológicas. A segunda é o monitoramento, com análises e alertas através do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres (CEMADEN). A terceira é a resposta, que envolve o Serviço Geológico, com a avaliação de áreas de risco. Todas essas etapas são cruciais para uma resposta eficaz.

– Como foram os momentos antes da inundação dos dias 4 e 5 de setembro?

Alice – Começamos a monitorar desde a previsão meteorológica emitida em 1º de setembro pelos órgãos competentes. Precisávamos acompanhar se a chuva ia se confirmar. A partir do dia 4, emitimos boletins de alerta, indicando a subida brusca do nível do rio em Muçum. Era por volta das 13h, e vimos que estava subindo muito rápido. Antes das 17h já estava em inundação, com 11 metros. Na noite, passou dos 20 metros e nossos equipamentos colapsaram.

– Esse apagão de dados foi uma reclamação inclusive das defesas civis. Como atuar nestes casos?

Alice – Foi uma enchente extraordinária, das maiores já registradas. Isso interferiu no funcionamento dos aparelhos. Nestes casos, é crucial que a população esteja ciente da importância das réguas manuais. Elas passam a ser uma fonte fundamental de informações. É como um backup manual, garantindo algum controle sobre o avanço da água.
É fundamental ter mais de uma forma de monitoramento. Além dos meios eletrônicos, as réguas físicas. Mas não só aquelas que medem o centímetro no rio, mas marcos em diferentes pontos. Nos pilares das pontes por exemplo. Pinturas diferentes nos paredões, nos prédios, proporcionando uma visão mais abrangente da situação.

– Para repor aparelhos e melhorar os sistemas. Qual o orçamento do serviço destinado à bacia do Rio Taquari?

Alice – Operamos com 16 estações automáticas na bacia do Taquari. Para o próximo ano, vamos investir R$ 200 mil na bacia do Taquari e Caí, com a expansão, principalmente nos afluentes como Carreiro, Forqueta e Antas. Será um aumento significativo em relação aos anos anteriores. Esse recurso será destinado à compra de equipamentos, manutenção, levantamentos e instalações.
Precisamos é reduzir as incertezas no monitoramento. Lidamos com isso nas avaliações meteorológicas, do que é previsto e da chuva que cai mesmo. Temos pontos cegos que não conseguimos verificar. Estamos buscando aprimorar nossos métodos, incluindo o aumento do monitoramento dos afluentes, parcerias com municípios para calibragem e uma abordagem mais integrada com diferentes órgãos. Além disso, projetos de pesquisa e modelagem de chuva são essenciais para antecipar eventos e melhorar a previsibilidade.

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