Dois meses de dor e angústia

Vale do Taquari

Dois meses de dor e angústia

Depois de 60 dias da enchente que atingiu a região entre os dias 4 e 5 de setembro, seis pessoas permanecem desaparecidas

Dois meses de dor e angústia
Foto: DIVULGAÇÃO
Vale do Taquari

Dois meses depois da enchente que atingiu o Vale do Taquari entre os dias 4 e 5 de setembro, a região ainda vive um cenário de angústia e dor. Além das 52 mortes confirmadas no RS, a tragédia deixou seis pessoas desaparecidas no Vale. Em meio à reconstrução das cidades, as buscas por corpos continuam.

A morte mais recente confirmada foi na sexta-feira, 27, por meio da Defesa Civil do Rio Grande do Sul. A vítima foi identificada como Paulo Lansini, de 68 anos, morador de Encantado. O corpo havia sido encontrado em Triunfo, em 8 de outubro. Localizado em Muçum, o corpo de um homem permanece no Instituto Médico Legal (IML) de Lajeado, para identificação.

Na espera

Enquanto isso, familiares dos desaparecidos, como a aposentada Janete Zilio, 58, permanecem na espera de respostas. A história dela é um dos sinônimos de sobrevivência da tragédia.

Moradora de Linha Alegre, interior de Muçum, ela estava reunida com mais quatro familiares quando as águas atingiram sua residência. A correnteza inundou a casa e levou os corpos do cunhado Sergio Zilio, 66, da esposa dele, Teresa Zílio, 65, identificados como mortos. Além do sogro de Janete, Deoclides José Zilio, 94, que permanece desaparecido.

Janete conta que ela se segurou em uma parte do telhado da casa, e nele percorreu 18 quilômetros até ser encontrada. Outro sobrevivente da tragédia foi o cunhado, Roque Zilio, 61, que conseguiu se agarrar em uma árvore.

“Perdemos as pessoas que mais amávamos. Meu sogro não foi encontrado ainda, então a ferida se mantém aberta e a gente não esquece. Temos esperança que encontrem, mesmo que só os ossos, para podermos dar um fim digno”, comenta.

Agora, Janete e o marido Raul Zilio, 61, constroem uma pequena casa temporária em Linha Alegre. “Para morarmos até decidirmos o que fazer e se o governo vai ajudar”, salienta Zilio.

As fotos que a Janete e o marido Raul seguram é do sogro, Deoclides José Zílio, 94, que ainda está desaparecido. (Foto: Matheus Giovanella Laste)

“Não há um dia em que não choramos”

A vida dos professores aposentados Tania Hennig, 59, e Carlos Alberto Hennig, 57, também mudou com a enchente. O casal, que morava em Roca Sales, perdeu quatro familiares na noite de 4 de setembro. A nora, que continua desaparecida, Deiser Vidal Hennig, 32, os netos Larah Hennig, 7 meses, Lincoln Tailãn Hennig, 7, e o tio Marno Olivo Spellmeier, 77.

A família se refugiou no sótão da casa, mas a força da água levou a estrutura. Tania, o marido e o filho ficaram mais de oito horas na água.

“Não há um dia em que não choramos, é impossível não lembrar de tudo. Tínhamos um convívio diário com todos eles, nas refeições, quando saíamos para trabalhar”, relembra Tania.

Agora, o desejo é que encontrem Deiser para sepultá-la ao lado dos filhos. Com a perda da casa, a família saiu de Roca Sales para morar na residência da filha do casal, em Carlos Barbosa.

Sem respostas

A moradora de Muçum de 72 anos, Beatriz Pietta, também permanece desaparecida, enquanto o marido, Alvaro Pietta, 76, e o filho, Maxcimiliano Ricardo Pietta, 46, morreram na tragédia.

O irmão de Beatriz, Valcenor Leopoldo Fleck, 74, morador do Paraná, conta que na semana da enchente, identificou o corpo da irmã, com auxílio da esposa e da sobrinha de Beatriz, no Instituto Geral de Perícias (IGP) de Porto Alegre. A família recebeu a certidão de óbito e sepultou o corpo no velório coletivo que ocorreu em Vespasiano Corrêa.

Algum tempo depois, Fleck recebeu uma ligação do IGP dizendo haver um erro no reconhecimento. Ele diz que o corpo foi retirado sem consentimento da família para nova perícia e exame de DNA.

Beatriz voltou a integrar a lista dos desaparecidos. Dois meses depois, Fleck continua sem notícias do corpo e nem da irmã. Ele ainda diz que não recebeu nenhum documento comprovando que aquela não era Beatriz.

“Só o que nós queríamos era a certeza de que não era a Beatriz. É um momento de sofrimento e frustração”.

Parte das cidades destruídas com a enchente, como o cemitério de Muçum, permanece à espera de reconstrução. (Foto: ALDO LOPES)

Dificuldade no reconhecimento

De acordo com a assessoria do IGP, o corpo que a família de Beatriz havia identificado passou por exame de DNA e foi reconhecido como outra vítima da enchente. O corpo foi entregue à família, também do Vale do Taquari.

A assessoria explica que foi feito um reconhecimento por papiloscopia – por meio das impressões digitais -, que não foi conclusivo, mas deu como possibilidade ser Beatriz. Mas, em situações como estas, são feitas novas verificações. Em uma delas, foi percebida a incompatibilidade.

A instituição ressalta que os primeiros corpos encontrados na enchente foram enviados a Porto Alegre, devido a quantidade e demanda por estrutura. Ao longo dos dias, as vítimas encontradas também passaram por outros institutos, como é o caso do Instituto Médico Legal (IML) de Lajeado.

Médico Legista na cidade, Bruno Lieske diz que, quanto mais o tempo passa, mais difícil fica a identificação das vítimas. A instituição já possui um banco com o DNA de familiares das pessoas desaparecidas na enchente, o que torna mais ágil a análise quando um corpo chegar no IML. Mesmo assim, hoje, o processo, que no início das buscas levava cerca de três dias, hoje, pode levar mais de uma semana.

Lieske destaca que um corpo permanece na instituição e aguarda os resultados de exames. Ele acredita ser uma das vítimas, encontrada em Muçum. “Ainda há dois corpos que não eram da enchente, mas que vieram dos cemitérios. Coletamos os materiais e precisamos achar os familiares para devolver. Nesses casos, a identificação é mais difícil”, ressalta.

Identificação

Logo que os primeiros corpos das vítimas da enchente começaram a ser localizados, a identificação deles era feita por meio da papiloscopia – impressões digitais. Hoje, com a deterioração avançada dos corpos, os testes de DNA são feitos por meio da retirada dos ossos, com análise da cabeça do Fêmur.

Segue a procura

As buscas pelas pessoas desaparecidas no Vale continuam sendo feitas pelos bombeiros do estado e de fora dele. Todos os dias, alguma cidade da região recebe o patrulhamento, que, neste momento, necessita do auxílio de cães. Os batalhões locais acompanham a procura nos seus municípios, por conheceram as áreas. No geral, a busca é feita logo após as máquinas revirarem locais de entulhos nos destroços da enchente.

Desaparecidos

Lajeado:
• Carlos André Pereira

Roca Sales:
• Deiser Cristiane Vidal

Muçum:
• Beatriz Pietta
• Deoclydes José Zilio
• Alciano Bianchi

Arroio do Meio:
• Alexandre Eduardo Macedo de Assis

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