Relatório expõe aumento no número de óbitos

ACIDENTES DE TRABALHO

Relatório expõe aumento no número de óbitos

Entre 2019 e 2022 foram 107 mortes por acidentes de trabalho na região, com alta que representa 45,5% no período. A maioria dos casos envolve caminhões e máquinas agrícolas

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Relatório expõe aumento no número de óbitos
Alta nos dados pode estar relacionada à diminuição de subnotificações. Crédito: Divulgação
Vale do Taquari
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Quando acordou para trabalhar, em 12 de abril, Marco Antônio Jung sabia das funções que faria naquele dia. Há 10 anos na mesma empresa de carregamento de areia, em Taquari, ele já tinha passado de motorista para encarregado pela manutenção, e alguns serviços eram comuns e pareciam seguros.

Ajustar o cano de descarga de areia, por exemplo, nunca pareceu perigoso. Mas, naquele dia, um deslize há dois metros e meio de altura e a quebra do corrimão em que ele se segurava, foi fatal. Marco deixou dois filhos, um de seis e uma de 13 anos, e a esposa com quem estava junto há 25 anos.

Dados do Estado mostram que desde 2019, já foram 107 óbitos por acidente de trabalho no Vale do Taquari, com aumento que representa 45,5%. Quatro anos atrás, Lajeado, o maior município da região, registrava quatro mortes, número que aumentou a cada ano e chegou a 11 em 2022.

No mesmo período, o estado teve 1,4 mil óbitos desse tipo. Os números estaduais foram apresentados pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) e fazem parte do Relatório da Investigação de Óbitos Relacionados ao Trabalho no RS.

Conforme autoridades do Cevs, desde a criação do indicador de investigação dos óbitos relacionados no estado, em 2016, há uma busca pela estrutura de um sistema para acompanhar o processo de trabalho, com etapas de aprimoramento e criação de protocolos.

Amparo para quem fica

Fora dos números e das estatísticas, fica o sentimento de quem perdeu a pessoa amada. “Da altura que ele estava, eu poderia estar. Não era algo extraordinário. Foi uma fatalidade”, conta a viúva de Marco, Babusca Jung. Com serenidade, ela lembra de como o marido era prestativo e que mesmo que aquele serviço não estivesse em seu escopo, ele faria para ajudar os colegas.

Dias depois do acidente, o que não faltaram foram advogados, até mesmo de fora da região, há procura da família para propor processos aos empregadores, o que Babusca nunca aceitou. “Eu não culpo a empresa, de forma alguma. Eles não nos desampararam em nenhum momento”, conta.

Por outro lado, conforme conta a viúva, até agora não houve nenhum amparo do Estado. “Do governo eu não vi nada. Mesmo contando com previdência social. Isso é um absurdo. Porque ele era uma pessoa que tinha mais de um salário na carteira, contribui por muitos anos, e a pensão que querem pagar para as minhas crianças é de R$ 1300”, reforça. Com forte apoio dos amigos e familiares, Babusca e os filhos conseguiram se manter fortes e sem grandes dificuldades financeiras.

Força para superar o luto

Desde 2019, o casal participava de um grupo de desenvolvimento humano. Para a viúva, o processo de autoconhecimento tem sido fundamental para lidar com o luto. “A gente deixava as coisas muito esclarecidas, e isso dá paz. É claro que eu sinto a falta, mas uso isso para crescer. Ele consegue se manter tão vivo que ele deixou força pra mim”, conta a viúva.

Avaliação do cenário

No RS, trabalhadores da agropecuária, pecuária, silvicultura e exploração florestal foram os que mais morreram nos últimos dois anos. Na região, o perfil é similar. Em geral, as vítimas são trabalhadores agrícolas ou motoristas de caminhão.

A chefe da divisão da Divisão de Vigilância em Saúde do Trabalhador do RS, Andreia Gnoatto, destaca que as máquinas e equipamentos como tratores e colheitadeiras são usados em propriedades de variados portes. “As novas máquinas da indústria são dotadas de equipamentos de proteção, mas a maioria delas, usadas por pequenos agricultores, ainda são desprovidas desses itens”, pontua.

A profissional reitera ainda que é possível encontrar nas investigações dos óbitos, o excesso de horas em viagem, trabalho noturno, ausência de um motorista reserva para a troca da direção e dificuldade de linhas de crédito para a troca das máquinas, o que leva ao uso muitas vezes de equipamentos inadequados.

Além disso, o aumento no número de óbito dos últimos quatro anos pode indicar apenas o maior reconhecimento do trabalhador como tal, independente do seu vínculo, já que muitos são autônomos e trabalham de maneira informal.

“De qualquer forma, os dados indicam a necessidade de maior manutenção dos equipamentos e veículos, fornecimento de Equipamento de proteção individual (EPIs) e de capacitações. Essas últimas, muitas vezes acabam não sendo suficientes sem a devida conscientização dos empregadores e dos trabalhadores autônomos”, aponta. Para evitar os acidentes, é necessário fiscalização de todos, incluindo empregadores, trabalhadores, sindicatos e entes públicos.

Babusca perdeu o marido Marcos em um acidente de trabalho em abril. Crédito: Júlia Amaral


ENTREVISTA  – Priscila Dibi Schvarcz • Coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat)

“Difícil apontar causas específicas que influenciam o crescimento dos dados”

A Hora – No RS, as principais causas de óbito por acidente de trabalho são acidente de caminhão, com maquinário e equipamentos agrícolas e quedas. Falta algum tipo de auxílio a esses trabalhos como treinamentos e qualificação? O que é necessário para mudar isso?

Priscila Dibi Schvarcz – Não é sequer economicamente rentável a não adoção de medidas de prevenção eficazes e essas devem englobar a realização de adequada gestão em saúde e segurança do trabalho na empresa. Tais medidas, quando efetivamente implementadas, reduzem o número de acidentes ou sua gravidade, além de gerarem ganho emocional aos empregados, que se sentem valorizados e respeitados. Não é demais lembrar que empregados motivados, apresentam comprovadamente aumento de produtividade e redução do absenteísmo (falta de pontualidade e assiduidade), fatores que repercutem diretamente no lucro do empregador.

A crescente de óbitos por acidente de trabalho era algo previsto? Qual o motivo da elevação?

Priscila – Jamais é algo esperado, sendo difícil apontar causas específicas que influenciam o crescimento dos dados. O que se pôde verificar, por exemplo, é que com a retomada da economia após o período crítico da pandemia houve significativo aumento da ocorrência de acidentes de trabalho, podendo, ainda, em alguma medida, haver influência, inclusive, do próprio aumento das notificações dos acidentes, já que o combate à subnotificação de acidentes de trabalho é uma das importantes frentes de atuação do MPT.

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