Os barqueiros que vinham ao Vale pelo Rio Taquari encontravam em antigos casarões, hospedarias, ou casas de comércio para descarregar as mercadorias. No final do século XIX e início do século XX, eram essas edificações construídas em pedra de areia ou barro, que serviam como ponto de referência das cidades, e também convidavam a comunidade para bailes nos grandes salões. Com mais de 100 anos de história, muitos desses prédios ainda estão de pé e, por meio de restaurantes ou espaços para eventos, voltam a abrir suas portas.
Um dos mais antigos é o Casarão 1894, em Teutônia, que abriga uma história de gerações. A edificação foi construída por João Gerhardt, com o dinheiro que ganhou em uma loteria federal. Em 1940, Carlos Paaschen comprou o imóvel, que permanece na família até hoje. Um dos proprietários é Gilmar Titton, ao lado dos cunhados.
Ele conta que o casarão feito de tijolos e barro foi local de moradia por muitos anos, até se tornar uma loja de departamentos chamada, na época, de “secos e molhados”. Mais tarde, abrigou um correio e uma cervejaria, até voltar a ser ocupada como residência.
Na época, Seu Osvaldo, sogro de Gilmar, morou na casa, onde também mantinha uma marcenaria no porão, para reformar antiguidades. Depois de sua morte, o antigo casarão ficou abandonado por 8 anos, até surgir a ideia de manter a história do prédio, mas uni-la à modernidade, em um espaço próprio para eventos, aberto desde 2018.
“Mantivemos toda a estrutura, a fachada antiga. Apenas trocamos o piso e o forro que era de madeira, modificamos o porão. Mas o que deu, mantivemos igual”, destaca Gilmar.
Hotel, boteco e bolão
Quem passava por Colinas, há mais de 90 anos, ouviu falar do Hotel Corbellini. A casa foi construída por Antônio Corbellini em 1930 e, além de hospedaria, era o ponto de encontro mais famoso da então comunidade de Corvo, na época, distrito de Estrela. No local, Corbellini engarrafava vinho e mantinha um boteco, uma cancha de bocha e uma pista de bolão, conhecido hoje como boliche.
Os viajantes chegavam pelo rio e subiam até o hotel, onde pernoitavam. Às vezes, o movimento era tanto, que os hóspedes ocupavam também o sótão. Nas madrugadas, a esposa de Corbellini, Otília Brentano, cozinhava para os peregrinos. A casa funcionou como hospedaria até os anos 1960. Depois, diferentes locatários assumiram o prédio que ficou conhecido como o “antigo bolão”.
Em 2001, a família Gattermann comprou a estrutura, mas foi só em 2017 que a histórica casa passou a receber um novo empreendimento. Chamado, hoje, de Casamare, o espaço abriga um café e bistrô repleto de histórias. Administrada por Adriana Kerber, o espaço ainda guarda as peças originais do bolão, móveis e utensílios antigos.
Salão Kunrath
Já no interior de Arroio do Meio, o antigo Salão Kunrath sediou festas de casamento, bailes de Kerb e eventos da comunidade de Forqueta. Quem conhece bem o lugar é Régis Kunrath. Quando criança, a família morava em uma casa nos fundos do salão.
O pai de Régis, Celeste Kunrath, era um dos sócios do espaço. No início, por volta dos anos 1950, o salão era de madeira. Mais tarde, foi construída uma base de tijolos. Em 1988, o salão encerrou as atividades e o prédio abrigou empresas calçadistas e de metalurgia.
Foi só em 2017 que o espaço voltou às origens, quando iniciaram as reformas da Casa Celeste. O nome é uma homenagem ao falecido Celeste, conta o neto, Rafael Kunrath, filho de Régis. A logo da casa de festas também é inspirado na assinatura do avô.
Retrofit em alta
Essa técnica arquitetônica de restauro de edificações antigas se chama “retrofit”, e tem como objetivo modernizar espaços, corrigir problemas de infraestrutura e tornar o prédio mais seguro, sem retirar seus elementos históricos. O estilo passou a ser mais comum a partir do anos 2000 e, até hoje, é uma tendência que une história e negócios.
Em Imigrante, um casarão construído por imigrantes alemães em 1901 passa pelo processo e deve abrir para eventos em abril. A edificação foi projetada por Robert Franken e a esposa Ema, tataravós de Rafael Porsche, atual proprietário, e servia como salão de bailes.
“Naquela época, não existia energia elétrica e todas as ferramentas utilizadas na obra eram manuais”, destaca Rafael. A antiga Casa Porsche foi feita de pedra de areia, carregada em carretas de bois. As madeiras utilizadas para o telhado eram cortadas à mão e os antigos moradores receberam a ajuda dos vizinhos para a construção.
Ao longo dos anos, a casa recebeu ampliações e também foi utilizada como moradia e bar. Depois de passar por gerações mais novas da família, o prédio foi ocupado pelo tio de Rafael até 2006, quando vendeu o imóvel. “Em 2018, apareceu a oportunidade de comprá-lo de volta e eu comprei”, conta o proprietário. Na restauração, toda a história do prédio de 122 anos foi mantida e, agora, volta a exercer a função original do casarão.
Memória viva
Restaurador de igrejas na empresa Buganti Pinturas e Restaurações, Genesir Buganti, 59, diz que o primeiro desafio na hora de resgatar uma edificação antiga é convencer as pessoas que vale a pena o investimento, e que cada detalhe deve ser preservada para que a história permaneça viva no patrimônio.
Por isso, também destaca a importância de um projeto arquitetônico que preserve os traços das edificações. “Priorizo materiais que encaixem com a época e estilo da construção. Mas também procuro deixar a obra atrativa aos olhos de quem passa pelo lugar”, destaca.
Buganti ressalta ainda que a cada restauro, a comunidade ou família envolvida recupera a história da edificação e mantém viva a memória de quem passou pelo lugar.
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