“A sensação incrível de ter um mundo nas mãos”

DIA DO LEITOR

“A sensação incrível de ter um mundo nas mãos”

Livros destinados ao público infantojuvenil são os mais retirados nas bibliotecas de Lajeado e Estrela. O incentivo dos pais e conteúdos sobre literatura produzidos na internet aparecem como motivações do novo cenário

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“A sensação incrível de ter um mundo nas mãos”
Incentivados pelos pais, Lucas e Mateus exibem a sua biblioteca com orgulho. Crédito: Júlia Amaral
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Foi pela insistência do pai que Talyssa da Silva Führ, 17, deixou o celular de lado e deu uma chance ao livro esquecido na mochila. Já tinha sete dias desde a escolha por “Harry Potter e a Câmara Secreta” na biblioteca, mas o desinteresse quase a fez perder uma das histórias mais famosas da literatura infantojuvenil.

Depois das aventuras do bruxo Harry Potter, um novo universo se apresentou para a estudante. Os livros físicos ainda são os preferidos, mesmo que os digitais permitam o acesso à diversidade maior de obras. “Não há nada melhor do que poder folhear as páginas e sentir aquela sensação incrível de ter um mundo nas mãos e poder se sentir dentro dele enquanto leio”, comenta.

Assim, a frequentadora assídua da Biblioteca Pública Municipal João Frederico Schaan, de Lajeado, Talyssa admira o acervo e a paz do ambiente. Hoje, a trilogia “Nunca Jamais”, de Colleen Hoover, está no topo da lista de suas histórias preferidas.

Já a amiga Raíssa Tainá Weis dos Santos, 16, gosta mais da obra que mistura suspense, mistério e romance: “Mentirosos”, da E. Lockhart é o livro preferido. A paixão surgiu durante o isolamento social. Para ela, a leitura é capaz de melhorar a dicção, desenvolver o pensamento crítico e, muitas vezes, diminuir o estresse. “É uma válvula de escape, um mundo totalmente diferente, onde saímos um pouco da realidade para conhecer diversos universos”, destaca.

Talyssa ocupa o topo da lista de jovens que mais frequentam a biblioteca. Para ela, o ambiente é calmo e acolhedor

A Biblioteca e os adolescentes

O gosto literário das jovens não é uma exceção. Os livros de Colleen Hoover, preferidos de Talyssa, aparecem na lista dos mais retirados na Biblioteca de Lajeado. O primeiro lugar é do “Diário de um Banana”, obra também dedicada ao público infantil ou jovem.

“De uns anos para cá, a biblioteca está sempre cheia de adolescentes e crianças. Quando tem aula, então, o movimento é muito grande”, comenta a coordenadora do local, Kelen Battisti Giongo. A mudança ocorreu há poucos anos e fez o público mais velho, em busca de literatura espírita, perder o primeiro lugar da lista de frequentadores. Em Estrela, o fenômeno se repete. Para a bibliotecária Ana Cristina Prates da Silva, uma possível explicação é o alto investimento das editoras em livros para essa faixa etária.

Incentivo em casa

A cada 15 dias, o policial militar Charlí Faria Corrêa, 40, escolhe um novo livro na biblioteca. Mas, para os filhos, os empréstimos ocorrem ainda mais rápido, a cada três ou quatro dias. Entre os preferidos da Clara, de 11 anos, e Heitor, de 8, estão coleções como “Diário de Um Banana” e “Diário de Uma Garota Nada Popular”. A pequena Helena, de 4 anos, ouve as histórias dos gibis que o irmão escolhe. “Acho muito importante incentivar a leitura porque amplia o vocabulário, desenvolve o raciocínio, melhora a escrita, estimula a imaginação”, reforça Charlí.

A percepção é compartilhada pelo casal de professores, Adriano Azevedo, 49, e Ermides Azevedo, 42. No escritório destinado ao home office, os livros de contabilidade e de educação-física se misturam com os contos da Disney, dos filhos Lucas, 5, e Mateus, 9. “Eles crescem vendo os pais lendo, então, sempre têm esse incentivo, o que também faz com que eles cuidem dos materiais”, conta Adriano.

De leitor a escritor

Quando Mateus e seus colegas trabalharam no “Livro da Turma”, uma nova possibilidade surgiu. Durante a pandemia, o estudante do Centro de Educação Básica Gustavo Adolfo escreveu o próprio livro, com ilustrações também autorais. Lançado em outubro, “O menino na quarentena e suas histórias” já tem tiragens em audiobook e braille. A primeira versão, no entanto, foi manual. “Colamos a capa, fizemos tudo. Depois, ele me pediu como as outras crianças fariam para ler o livro também”, lembra Adriano. Foi então que a família contatou a Lume Organização de Eventos, em busca de patrocínio. Ao todo, 3 mil unidades foram impressas, todas destinadas à doação.

Durante a pandemia, o estudante do Centro de Educação Básica Gustavo Adolfo escreveu o próprio livro, com ilustrações também autorais. Crédito: Júlia Amaral

“Alguns colegas leram o livro no primeiro dia que entreguei”, conta Mateus. Até lançar a obra, o estudante não conhecia outra criança que já tivesse feito o mesmo. Mas, no mês em que ocorreu a publicação, Giovana Morais Rigo, 16, também lançava seus livros para o público infantil: “Sarali e a Magia dos Doces em uma Aventura em Alto Mar”. A jovem ainda não sabe qual profissão vai seguir, mas de uma coisa não abre mão. “Tenho certeza de que a leitura sempre fará parte da minha vida”.


ENTREVISTA – Grasiela Kieling Bublitz • Professora do curso de Letras da Univates

“Qualquer incentivo ao manuseio de obras literárias é positivo

Existem livros infantis que são feitos de plásticos ou de materiais que podem ir para água. Ou seja, são destinados a um público que vai utilizar o livro para brincar. Qual o benefício disso na vida de uma criança, ainda na primeira infância?

Uma das práticas de maior relevância para o futuro escolar da criança é a leitura compartilhada de histórias, ou leitura em voz alta feita por um adulto para a criança. Qualquer ação nesse sentido só traz benefícios: amplia o vocabulário, desenvolve a compreensão da linguagem oral, estimula a imaginação, promove o gosto pela leitura e, o mais importante, estreita o vínculo afetivo com aquele que conta a história, ou seja, com pais ou responsáveis. Então, qualquer incentivo ao manuseio de obras literárias é positivo

Entre os jovens que não se interessam pela leitura, é possível reverter esse quadro? Como?

Se a criança ou o jovem vê que os adultos com quem convive leem com frequência, serão naturalmente estimulados ao hábito. Como professora de literatura de ensino médio que fui durante anos, costumava ler oralmente textos menores, como contos, por exemplo, para os alunos conhecerem o autor ou o período histórico em que os textos foram escritos. E a tarefa não ficava só nisso. Desafiava os alunos a transformarem os textos literários em roteiros de cinema, o que os levava a se interessar ainda mais pelas narrativas. A partir daí, eventos como festivais de cinema e literatura se tornavam um outro desafio aliado à tecnologia. Cabe também ao professor propor alternativas interessantes e criativas para promover a leitura.

“Ler mais” é item frequente na lista de metas de ano novo. Quais as dicas para quem quer ler mais em 2023?

Se determinado assunto é do interesse, acredito que se pode partir daí. Atualmente temos uma infinidade de possibilidades ao buscar na internet sugestões sobre determinadas temáticas. O filme que olhei é baseado em uma obra literária? Por que não conhecer a fonte? Por que não conhecer o autor da obra original? Por que não conhecer as resenhas críticas sobre o livro e sobre o filme?

Mensalmente, já pelo segundo ano consecutivo, a Univates vem promovendo virtualmente o Literando*, que busca trazer à discussão diferentes autores e gêneros literários para debater não só com a comunidade acadêmica como também com a comunidade externa, a fim de incentivar a leitura. A ação continuará em 2023 e o convite já está feito aqui. Inscrições totalmente gratuitas.

Sobre a Biblioteca Pública de Lajeado

Livros mais retirados em 2022:

1º – Diário de um Banana, de Jeff Kinney

2º – Harry Potter e a Pedra Filosofal, de J.K. Rowling

3º – Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus

4º – Diário de Rowley: Um garoto supimpa, de Jeff Kinney

5ª – O Ladrão de Raios, de Rick Riordan

– A Biblioteca Pública de Lajeado oferece a caixa para sugestão de obras que devem ser adquiridas;

– Hoje, são cerca de 30 mil obras no acervo;

– Em 2022 foram 735 novos livros;

– Em 2022, foram mais de 29 mil empréstimos e devoluções e 33 mil pessoas circularam na Biblioteca.

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