A faca sem o queijo

Opinião

Jandiro Koch

Jandiro Koch

Escritor

Colunista do Caderno Você

A faca sem o queijo

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Meus textos estão no Caderno Você. Tento manter as narrativas associadas às pautas abraçadas pelo encarte. Não significa alienação da economia e da política. Foi o último governo, por sinal, que reforçou o elo entre os assuntos. Vilanizaram a arte, rotulando-a de esquerdista e improdutiva.

Cresci no interior de Estrela. Minha família era de pequenos agricultores sem tradição de cinema, museus, shows e teatro. Diante desse quadro, podem até sugerir que o artístico não fazia falta. No entanto, apurando os sentidos, percebe-se a frequência a eventos e a guarda de objetos interessantes.

Uma cristaleira na sala de estar. Itens em cerâmica, porcelana e vidro. Um galo, uma galinha, um tucano, uma licoreira azul, duas manteigueiras, um cinzeiro, canecões – esses provenientes de festas de comunidades – e louças. No quarto do avô, um enorme crucifixo. Ensacados, dentro de um roupeiro, vários bordados para enfeitar a mesa e outros móveis. Na cozinha/sala de jantar, um quadro da Santa Ceia e, ao lado, uma réplica de uma pintura de Carybé (1911-1997). Quantos ainda mantêm algo parecido?

Esses ornamentos eram exibidos às visitas. Eram admirados pela beleza, pelo significado, boa parte com uma história, uma proveniência. Isso era a arte à qual tinham acesso e pela qual tinham carinho. Então é equívoco pensar que este âmbito da cultura não lhes dizia respeito.Quando o presidente da República desconsiderou a relevância dos artistas, “deu ruim”. Deixou de analisar como fazem parte das existências, de ver como estão envolvidos no bem-estar e, ainda, de perceber quais as relações diretas com a economia.

Sobrevivem da arte ou complementam a renda os muitos artesãos do Vale do Taquari. Arte na Escadaria em Estrela. Arte na Praça em Lajeado. Grandes negócios têm sido entrevistos na aposta em um levante de visitações à eurocêntrica réplica de Cristo em Encantado. Não se trata da procura por Deus, que está, como dizem as Escrituras, em todos os lugares. É, antes, a busca pela arte-monumento, turismo cultural.

Para o resultado do primeiro turno, contaram o desdém com a pandemia, com os grupos mais vulneráveis, com o meio ambiente, o mapa da fome e mais um tanto de quesitos. A soma dos votos oriundos de artistas influentes e seus milhares de seguidores também foi relevante. Fossem menos toscos, os que estão no poder teriam garantido facilmente mais quatro ou mais oito anos. Mas a reação tirou o queijo – e só com a faca, em geral, não “dá bom”.

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