Passados dez anos da partida de Millôr Fernandes, é possível sentir o vazio que se abriu na cultura brasileira após sua morte. Ele escreveu, desenhou e, acima de tudo, amou seu país com tudo de belo e assustador que possamos ter. Em épocas difíceis, ele percebeu tanto o ridículo do regime militar quanto da crença cega em ideologias totalitárias e escolheu suas armas: o cômico, o satírico e o humor: “O último refúgio do oprimido é a ironia, e nenhum tirano, por mais violento que seja, escapa a ela. O tirano pode evitar uma fotografia, não pode impedir uma caricatura. A mordaça aumenta a mordacidade. “
Nem sempre era fácil alcançar o que ele queria dizer, pois sua obra exige inteligência, refinamento e cultura, já que ele utilizou como poucos a ironia, a paródia, a intertextualidade, a intratextualidade e a contextualidade: “Toda uma biblioteca de Direito apenas para melhorar quase nada os dez mandamentos. “
Como a maioria de nós ele temeu a morte, mas a enfrentou usando a ironia: “A ocasião em que a inteligência do homem mais cresce, sua bondade alcança limites insuspeitados e seu caráter uma pureza inimaginável é nas primeiras 24 horas depois da sua morte”. Como brasileiro, também ele teve seus enganos com nosso jeito de encarar a vida e os percalços: “O desespero eu aguento. O que me apavora é essa esperança”.
Obviamente também teve desafetos e inimigos: “Você pode desconfiar de uma admiração, mas não de um ódio. O ódio é sempre sincero”. Claro que teve amigos e nem a esses perdoou: “Os nossos amigos poderão não saber muitas coisas, mas sabem sempre o que fariam no nosso lugar” O gênio que passou a se chamar Millôr e não Milton por um daqueles erros que só acontecem no Brasil também buscou inspiração na religião e nos livros sagrados: “Dizem que quando o Criador criou o homem, os animais todos em volta não caíram na gargalhada apenas por uma questão de respeito”.
E mesmo a controversa condição de gênio serviu para fazer piada: “Ser gênio não é difícil. Difícil é encontrar quem reconheça isso”. Além disso, como todo intelectual, Millôr era um observador da natureza humana: “Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.”; “O otimista não sabe o que o espera.”; “Com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos quarenta anos de vida, aprender a ficar calado. “
Claro que com sua longa existência (faleceu aos 88 anos), Millôr não pode deixar de estender seu olhar para a política e os políticos: “A diferença fundamental entre Direita e Esquerda é que a Direita acredita cegamente em tudo que lhe ensinaram, e a Esquerda acredita cegamente em tudo que ensina. “ “O capitalismo é a exploração do homem pelo homem. E o comunismo é exatamente o contrário. “ “Dizem que o Governo, depois de proibir ao cidadão comum usar armas, vai proibir ao Exército possuir armas de uso exclusivo dos traficantes.“
Por fim, nesses tempos de discussões intermináveis e irracionais ele deixou a sua receita: “Por mais violento que seja o argumento contrário, por mais bem formulado, eu tenho sempre uma resposta que fecha a boca de qualquer um: Vocês têm toda a razão.”