Dica Cultural: Um pesadelo que nunca acaba

Opinião

Rosane Cardoso

Rosane Cardoso

Professora de literatura

Dica Cultural: Um pesadelo que nunca acaba

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Algumas obras comprovam a potência da empatia e da identificação com situações e personagens ficcionais, ainda que não tenhamos sofrido nada semelhante ao que se passa na tela. É o caso do filme português Sombra, de 2021, disponível na plataforma streaming da Prime Vídeo. Dirigido por Bruno Gascon, em sua segunda investida no cinema depois de Carga, 2018, o elenco tem à frente a atriz Ana Moreira, imbatível no papel de Isabel, uma mãe que, de repente, se vê sem a presença do filho de 11 anos.

O longa metragem inspira-se na história real do desaparecimento, em 1998, de Rui Pedro Teixeira Mendonça, ainda não encontrado. Mas o filme não segue a trajetória recorrente de narrativas baseadas em fatos. Gascon, também roteirista da obra, centra-se no drama materno de uma espera sem fim.

A passagem do tempo, dividido em quatro etapas – 1998, 2004, 2011 e 2013 –, ressalta a solidão da família. Inicialmente foco do interesse da mídia e da investigação policial, o sumiço do menino torna-se, com o tempo, pouco mais do que alguns cartazes velhos pendurados pela cidade. Mas a sombra jamais desaparece da sua casa.

Crédito: Divulgação

Ana Monteiro compõe uma personagem que definha e envelhece a cada etapa. Alienada na própria dor, convive, meio sonâmbula, com a filha quase esquecida por ela e um marido que quer seguir em frente, justo quando o mantra da narrativa materna é “como posso seguir em frente?”. Em meio à tragédia, a mulher precisa conviver com suposições, pistas falsas e a insuportável (in)certeza que o seu menino é mais uma vítima do tráfico humano.

Nesse sentido, talvez um dos momentos mais marcantes da obra seja o que Gascon não mostra, mas faz o espectador ouvir. Outro fator que se alia ao nosso olhar empático para a história é o medo, inevitável a nossa humanidade, de sofrer uma perda dessa dimensão, o medo de não/nunca saber.

Segundo algumas críticas, o filme é um tanto arrastado, pois o enredo não avança em novas direções. De minha parte, vejo a dinâmica das cenas como bastante coerente com o próprio arrastar existencial da protagonista no sem-fim de buscas que a levam a lugar nenhum. Em estado de profunda melancolia, a vida de Isabel acabou 15 anos atrás e encontra-se em estado de latência para “quando o meu filho voltar”.

Sombra deixa mais um travo amargo: dedica a produção a crianças desaparecidas em Portugal, entre elas, Madeleine McCann. São muitos nomes, indicando a via-crúcis de tantas e tantas isabéis que se agarram à esperança de, um dia, encontrar seus filhos e desvestir o luto da dúvida.

 

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