O bonitão do hotel

Opinião

Jandiro Koch

Jandiro Koch

Escritor

Colunista do Caderno Você

O bonitão do hotel

Por

Chego em Porto Alegre bem cedo, ainda sem a confirmação do horário em que poderia pegar as chaves do quarto de hotel. Conforme recomendado pelo site em que fiz a reserva, o estabelecimento requeria contato por Whatsapp para combinar o acesso.

As mensagens, desde o dia anterior, sem resposta. Com compromissos, ocupo a cabeça até perto das 14hs, quando começo a me preocupar. Direciono-me até o endereço. Uma porta gradeada deixa entrever um longo corredor. Toco a campainha.

Um rapaz estica o pescoço lá no fundinho. Não vem. Depois de duas tentativas, seguro o dedo sobre o botão. Ele aparece. Felipe chegou de Santos, tem um leve sotaque, conseguiu entrar porque outra hóspede deixou. Assim como eu, não tinha recebido confirmação da transação. Fica feliz em me ver, tragédia solitária é triste. Se fosse golpe de internet, poderíamos ser testemunha um do outro.

A modernidade. No estacionamento, onde deixei o carro pela manhã, um token de autoatendimento. Em um feriado, meses atrás, não funcionou. Quem ajuda? Outro token? Humanos vêm sendo substituídos pelas máquinas. Cada dia mais. Até no buraco do Judas, os supermercados estão dispensando os caixas. Já viram, não é?

Mas não é um manifesto contratecnológico. Os avanços são estupendos, especialmente na saúde. Mas sempre, em todas as áreas, a utilização é favorável? Santos Dumont, quando viu os aviões em guerras, solicitou à Liga das Nações que o uso fosse proibido.

Quando não se sabe o que acontecerá com os desempregados e se o Estado, que defendem que seja mínimo, terá como amparar essa população, qual a vantagem? Para privilegiados, os lucros justificam os meios. Enquanto isso, a falta de emprego, a insegurança quanto ao futuro profissional e o populismo político, este movido por desespero e insatisfação, estão de mãos dadas.

De qualquer forma, bonito é quando funciona. No caso, só o Felipe era. Moreno, encorpado, voz grossa. Tinha a grade – mau sinal. Menos irritado do que eu, ele manda outro whats, última tentativa, embora já estivéssemos combinando um processo judicial. Envio um recado também: “Estamos chamando a polícia!” Em segundos, o pedido de desculpas: “Estava viajando.” Em seguida, duas senhas. Uma para liberar o portão. Outra para abrir um cofre.

Chaves em mãos, ao elevador. E se estragar? Olhamos um para o outro sem precisar dizer do medo, que era o mesmo. Escadas. Run! Troquei contato com o Felipe – dos velhos sistemas ainda manjo. E acertamos: neste hotel nunca mais.

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