Certa vez, uma estudante perguntou à antropóloga Margaret Mead: “Qual é o primeiro sinal de civilização?” Margaret pensou por um momento e depois disse: “Um fêmur curado. O fêmur é o osso mais longo do corpo, ligando o quadril ao joelho.
Em sociedades sem os benefícios da medicina moderna, leva cerca de seis semanas de descanso para a cicatrização de um fêmur fraturado. Um fêmur curado mostra que alguém cuidou da pessoa ferida, fez sua caça e coleta, ficou com ela e ofereceu proteção física e companhia humana até que a lesão pudesse ser curada. O primeiro sinal de civilização é a compaixão, vista em um fêmur curado.”
O mundo evoluiu e uma pergunta deve ter ficado no ar. Tudo bem sentir compaixão, mas devemos oferecer tratamento a todo doente ou ferido? Todos nós sabemos da grandeza do império egípcio, do conhecimento adquirido da arte de mumificar corpos, mas o que poucos sabem é que os médicos egípcios sabiam distinguir quais pacientes tratar e quais estavam tão doentes que não mereciam tratamento curativo.
O papiro de Smith nos traz anotações sobre características físicas da doença ou lesão seguida por um diagnóstico e um prognóstico que determinava o nível de tratamento a ser oferecido. Havia três prognósticos possíveis que o médico egípcio podia dar: o mais favorável era uma lesão ou doença que podia ser tratada e possivelmente curada.
(Inscrição para um portão de cemitério)
“A morte não melhora ninguém…”
Mario Quintana
O prognóstico seguinte era mais sério e determinava que a lesão ou doença poderia ser tratada, mas não curada. Finalmente, havia um prognóstico sem esperança, onde o tratamento curativo não era oferecido.
Modernamente poderíamos dizer que os antigos egípcios foram os inventores dos protocolos de tratamento e, mais do que isso, foram os primeiros a reconhecer a futilidade de alguns tratamentos médicos.
Hipócrates, o pai da medicina em vários trechos de sua obra recomendava que nos casos considerados perdidos o médico não deveria tratar. Acredita-se que ele tenha feito esta recomendação pelos seguintes motivos: os médicos devem evitar a terapia fútil em face da doença terminal e os médicos que ficam com o paciente moribundo até o final podem ser posteriormente culpados pela morte e também adquirir uma reputação de altas taxas de mortalidade. Além disso, havia sempre risco de vida para o médico que tratava de figuras poderosas e obtinha maus resultados.
Na Idade Média a Igreja ensinava que o destino da alma de uma pessoa era determinado não apenas por seu comportamento na vida, mas também pela maneira como ela morre. Os cristãos medievais esperavam por uma “boa morte”, idealmente em casa, na cama, cercados por amigos e familiares, e com um padre presente para administrar os Últimos Ritos, o perdão final dos pecados.
A morte súbita – a ‘morte ruim’ – era muito temida, pois morrer despreparado, sem confessar o pecado e receber a última cerimônia, aumentaria a probabilidade de uma longa permanência no Purgatório ou, pior, no Inferno.
Atualmente tudo se inverteu. Sonhamos com uma morte súbita, rápida e indolor, e nossa visão de compaixão é morrer em uma cama de hospital rodeado de tecnologia e medicamentos para dor. Será que ficamos menos sábios?