O Taquaryense: patrimônio histórico da comunicação

IMPRENSA REGIONAL

O Taquaryense: patrimônio histórico da comunicação

O mais antigo periódico da região em atividade completa 135 anos neste domingo, 31. É o único da América Latina que ainda preserva o processo de impressão com tipografia e linotipia. Após mais de 100 anos com circulação semanal, passa a circular a cada 14 dias

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Atualizado sábado,
30 de Julho de 2022 às 11:57

O Taquaryense: patrimônio histórico da comunicação
Hoje quem administra o jornal é o descendente do fundador, Pedro Harry Dias Flores. A impressão ainda é feita de forma manual, com tipógrafo e linotipo. Crédito: Fábio Kuhn/Divulgação
Taquari

Em um pequeno prédio na Rua Sete de Setembro, em Taquari, fica a redação do segundo jornal mais antigo do estado ainda em atividade. Neste domingo, 31 de julho, O Taquaryense completa 135 anos da primeira edição que circulou pela cidade e que deu início a uma história de família e tradição.

O jornal é impresso de forma manual, com um tipógrafo e um linotipo, o último da América Latina produzido nestes moldes que permanece em circulação. Com 500 exemplares, a publicação é distribuída na região, e em locais como Porto Alegre, São Leopoldo, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte. O periódico já circulou até mesmo fora do país.

Origens

O historiador João Paulo da Fontoura conta que sua fundação foi registrada em 15 de julho de 1887, mas a primeira edição circulou 16 dias depois, nas oficinas tipográficas de Tristão de Azevedo Vianna.

Aquele primeiro trabalho é creditado ao jornalista Albertino Saraiva, um jovem visionário que, com apenas 22 anos, veio de São Jerônimo a Taquari para fundar o jornal, e adquiriu a empresa em 1889. No começo, o periódico era impresso em um prelo alemão manual, uma espécie de prensa. As folhas eram colocadas uma a uma e prensadas girando um volante, e carimbadas cópia por cópia.

Mais tarde, em 1910, foi adquirida a impressora tipográfica de marca Marinoni, que funciona, de forma elétrica, até hoje. A máquina francesa foi comprada do Correio do Povo, fundado em 1895. No início, funcionava à querosene, e costumava fazer fumaça pela redação. Depois, na década de 30, foi eletrificada. De acordo com Fontoura, o Correio do Povo já tentou recomprar a máquina, mas ela permanece no prédio onde o jornal está hoje, inaugurado em 1962.

Um legado de família

O diretor que ficou mais tempo à frente da instituição foi Plínio Saraiva, de 1947 a 2004, quando morreu, aos 101 anos. Coube então à filha, Flávia Saraiva Dias, 90, assumir o cargo, dando prosseguimento à obra iniciada pelo avô e continuada pelo pai.

“Represento aqui o nosso jornal para agradecer o reconhecimento que recebemos, há tantos anos, desta terra amada, pelo trabalho realizado. Pedimos ao Pai Eterno que nos permita continuar nossa caminhada sempre, com muito amor”, destaca.

Outras pessoas da família Saraiva passaram pela gerência e redação do jornal. Entre eles, Palemon, Mário, Pery e, agora, Pedro Harry Dias Flores, 26, neto de Flávia. Outros colaboradores ao longo dos anos foram Leonel Teodorico Alvim, João Carlos Bizarro Teixeira e Nardy de Farias Alvim.

Albertino Saraiva (à direita), ao lado do filho Palemon, em frente ao antigo prédio do jornal. Crédito: Acervo/O Taquaryense

Um jornal de histórias

Fontoura é leitor de O Taquaryense desde 1982. Há cerca de dez anos, escreve nas páginas do periódico uma coluna semanal sobre a história de Taquari. Ele destaca momentos curiosos na trajetória do jornal.

Um deles foi em 1922, quando houve a Revolta Tenentista no Rio de Janeiro. “Nesta revolta, o taquariense Arthur da Costa e Silva, que era tenente, participou. Os tenentes foram derrotados e Costa e Silva preso por três meses”, conta. Para sobreviver, ele escrevia textos com pseudônimos para jornais. Entre eles, O Taquaryense.

O periódico registrou em suas páginas eventos importantes da história gaúcha, brasileira e estadual, como a Lei Áurea de 1888, a Proclamação da República de 1889, Revolução Federalista de 1893, ascensão de Getúlio Vargas em 1930, e as duas Guerras Mundiais.

Tradição conservada

Desde sua criação, o jornal conserva o sistema de composição manual. No ano passado, com a aquisição de um linotipo produzido nos Estados Unidos, mecanizou parte do processo, agilizando e melhorando a qualidade do trabalho. Assim, os textos que eram montados letra por letra, passaram a ser montados em frases. A aquisição também se deve ao desgaste dos “tipo” (letras), que não são mais fabricados e deixavam falhas na impressão.

“Tem um teclado parecido com uma máquina de escrever e ela já te dá a linha inteira pronta. Tu vai usar, tirar a linha dali, colocar na máquina, imprimir e depois vai derreter o chumbo e fazer de novo. Vai ter sempre a linha novinha”, destaca Pedro Harry Dias Flores, atual gerente e redator do jornal.

Ele começou na instituição como colunista esportivo em 2012. Mais tarde, também passou a escrever notas, crônicas e artigos. “Eu fui me envolvendo e em 2015 assumi como redator-chefe. Mas também já cuidava da parte administrativa, auxiliando minha avó”, conta. Flávia ainda é a diretora do O Taquaryense mas, hoje, deixa que o neto administre a empresa.

O Taquaryense não concorre com outros veículos de comunicação da região, e é mantido pela família Saraiva e pelos assinantes e colaboradores. Pedro acredita que os assinantes permanecem com o jornal para apoiar uma causa, e manter viva essa história.

“A gente já cogitou modernizar, fazer como os outros, mas eu acho que se o jornal chegou até hoje sendo feito assim, é possível fazer dessa forma. Se fosse inviável economicamente e tecnicamente, a gente seria obrigado a parar”, destaca Pedro.

O último tipógrafo da região

Há 30 anos, a tarefa de montar e imprimir o jornal cabe ao tipógrafo João da Rosa Rodrigues, 49. Ele era jardineiro na casa de Flávia, e foi o marido dela que o convidou para fazer alguns serviços na empresa.

Na época, estava aprendendo, mas já auxiliava na composição das páginas e impressão. Além disso, lembra de dobrar os jornais assim que a tinta secava, e de entregar o periódico em plásticos pela cidade. Tudo era feito de forma manual.

Há 30 anos, a tarefa de montar e imprimir o jornal cabe ao tipógrafo João da Rosa Rodrigues, 49. Crédito: Bibiana Faleiro

João lembra que uma das notícias mais importantes noticiada pela equipe foi o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. “O pessoal todo parou para ver na TV se era verdade, se era mentira, e começaram a escrever a matéria”, conta.

Além disso, lembra que o jornal noticiou a pandemia da Gripe Espanhola em 1918 e da Covid-19. “O jornal está entrando no terceiro século da história”, ressalta.

Novidades para os 135 anos

A partir deste domingo, 31, quando O Taquaryense publica uma edição especial, pela primeira vez o jornal passa a ser quinzenal. No início, ele circulava de cinco em cinco dias. A partir de 1891, aos domingos, e de 1995 até hoje, publicado aos sábados.

Com uma equipe pequena, composta por Pedro, João e alguns colunistas, a ideia é ter disponibilidade para investir em outras áreas, como o digital. O formato também vai aumentar, e passar para o chamado estilo germânico, com páginas no tamanho 31,5cm x 47 cm.

“Em compensação, vamos ter mais notícias, crônicas, vai abrir um leque maior de possibilidades”, afirma o gerente. Tornar o espaço cada vez mais turístico também está nos planos da administração.


Linha do tempo: um breve histórico do periódico

1887 – A  fundação de O Taquaryense foi em 15 de julho, mas a primeira edição do jornal circulou no dia 31 daquele mês. 

1889 – A empresa foi adquirida por Albertino Saraiva.

1891 – Inicialmente, o jornal circulava a cada cinco dias. A partir de 1891, aos domingos.

1895 – Passou a ser publicado aos sábados.

1910 – O jornal foi modernizado, e foi adquirida a impressora topográfica Marinoni, que funciona, elétrica, até hoje. Ela veio da França, mas foi comprada do Jornal Correio do Povo. Naquele período, Palemon Saraiva assumiu como gerente. Ele ocuparia mais tarde também a direção. 

1928 Com a morte do fundador, o comando passou a ser de Mário Saraiva, ficando a cargo de Leonel Teodorico Alvim a redação.

1940 – João Carlos Bizarro Teixeira se tornou diretor, Plínio Saraiva abraçou a gerência e Pery Saraiva virou redator. Posteriormente, juntou-se à redação Nardy de Farias Alvim.

1962 – A sede onde o jornal está hoje foi inaugurada. A data também marcou o retorno de “O Taquaryense” após um hiato de cinco anos.

 

ANOS 90 – A direção ficou a cargo de Plínio Saraiva, que nela permaneceu até 2004, quando morreu aos 101 anos. Coube então à filha Flávia Saraiva Dias assumir o cargo, dando prosseguimento à obra iniciada pelo avô e continuada pelo pai.

 

2015 – Desde aquele ano, Pedro Harry Dias Flores, trineto do fundador, conduz “O Taquaryense” ao lado da diretora Flávia, sua avó. Começou como colunista esportivo, depois entrou no quadro de redatores e hoje é gerente.

 

2021 – O jornal adquiriu um linotipo que foi colocado dentro do prédio com a ajuda de um guindaste.

 

 

2022 – No aniversário de 135 anos, O Taquaryense muda sua periodicidade e passa a ser quinzenal e em tamanho maior. 


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