Mais avós do que netos

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Mais avós do que netos

População gaúcha acima dos 60 anos aumenta 40% em uma década. Baixa taxa de natalidade, associada a maior longevidade, interferem sobre produção, trabalho e a economia. Relações de consumo se transformam para atender esse público

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Mais avós do que netos
Carlito e Clarice, de Arroio do Meio, estão presentes no cotidiano dos três netos. Ainda assim, o avô afirma: “tentamos não passar do limite. A palavra final tem de ser dos pais” . Crédito: Gabriel Santos
Vale do Taquari

O total de pessoas com 60 anos ou mais supera os 2,2 milhões no RS. É o que aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Municípios (Pnad), do IBGE. O levantamento feito nas capitais e nas Regiões Metropolitanas indicam um crescimento de 40% no número de habitantes nesta faixa etária entre 2012 até 2021.

Essa realidade interfere sobre a participação dos idosos na economia e no sustento das famílias. Conforme o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos, dos cerca de 20 mil associados, 60% dizem ser a principal renda da casa, responsável por ajudar filhos, filhas e netos.

“Tentamos acompanhar essas informações, ter os números o mais perto do possível. Mas convivemos com a falta de estatísticas oficiais”, conta a diretora estadual do sindicato, Eunice da Cunha Luz. As informações precisas sobre faixa etária das populações, bem como renda e participação nas despesas básicas das residências, datam do Censo de 2010.

Noeli deixou a lavoura de tabaco em Canudos para morar em Lajeado. Crédito: Felipe Neitzke

Conforme a agência do IBGE de Lajeado, a aplicação da nova pesquisa começa na segunda-feira, 1º de agosto. As estatísticas prontas devem ser apresentadas no primeiro trimestre de 2023. Apesar da ausência de dados atualizados, há uma mudança de comportamento entre os idosos muito perceptível, afirma Eunice. O cenário de hoje, com aumento no custo de vida, associado a expectativa de vida, faz com que mais idosos retornem ao trabalho.

Pelo acompanhamento do sindicato, em torno de 40% dos aposentados voltaram ao mercado. “Estamos deixando o chinelinho de lado e indo para a rua, mostrando que ainda somos úteis e temos muita vida pela frente”, diz.

Um desses casos é de Carlito José Gräff, de Arroio do Meio. Com 65 anos, voltou ao trabalho para atuar em um supermercado em Lajeado. “Na verdade eu nem parei. Me aposentei e um mês depois já estava empregado de novo.” Neste Dia dos Avôs e das Avós, afirma: “a atenção que não consegui dar aos meus filhos, hoje é dedicada aos meus netos.”

São três. Uma menina de 17 anos, e dois meninos, um de 14 e outro de 4 anos. “Estamos sempre perto, fazemos as vontades, damos presentes. Mas, minha mulher (Clarice) e eu temos de cuidar para não passar dos limites. A última palavra tem de ser dos pais.”

Para os filhos, a ajuda é em diversos setores. “Apoiamos nas decisões, aconselhamos e, se for preciso, ajudamos na parte financeira também.” Pelo Censo de 2010, a cidade com maior percentual de idosos provedores do lar na região é Coqueiro Baixo, com 44,9% das residências.

Depois está Dois Lajeados (41,3%) e em seguida estão Relvado (40,6%) e Travesseiro (40,6%). Lajeado é o menor município entre os demais. Do total de 24.962 residências, há 4,8 mil donos do lar com mais de 60 anos (19,4%). Em seguida aparece Teutônia com 20,3%.

Comportamento das famílias

O RS é o estado do país com maior percentual de pessoas acima dos 60 anos. Pela estimativa do SeniorLab, a faixa etária ultrapassou o número de crianças e adolescentes até 14 anos.

Ao longo das últimas três ou quatro décadas, as mulheres com 25 a 26 anos já tinham um ou dois filhos, avalia a economista e professora Fernanda Sindelar. “Hoje os casais postergam a decisão de ter uma criança. Passou para os 30 até 40 anos”. De acordo com ela, essa é uma tendência global, mas que foi acelerada no país, em especial entre as famílias gaúchas.

Conforme estudo do Departamento de Economia e Estatística do RS (DEE), essa queda nas taxas de fecundidade marcam esse processo de envelhecimento da população. Na década de 1970, o RS tinha 39% da população com até 14 anos. A maioria era de 15 a 59 anos (55,2%) e 5,8% com mais de 60 anos. Neste ano, essa população chegou a 20% do total de gaúchos.

Diante da mudança na pirâmide etária, há transformações socioeconômicas, avalia a economista. “Percebíamos que havia uma chance de aumento na produtividade pela incorporação das tecnologias. Isso substituiria a perda de alguns tipos de mão de obra.”

No entanto, com o período de instabilidade econômica, motivado em especial pela pandemia, houve redução de investimentos. “Só vamos saber do impacto desse envelhecimento da força de trabalho no próximo Censo”, estima Fernanda.

Por outro lado, o consumo tanto de itens básicos como de bens e serviços indica uma participação cada vez maior do público 60+. Conforme o Instituto SeniorLab, somam 36 milhões de pessoas no país.

Em apresentação durante a Convenção CDL Lajeado, o criador da organização, Martin Henckel, aponta que a rende média mensal dessas pessoas é de R$ 2.626. Maior do que os demais trabalhadores (algo em torno dos R$ 1,6 mil). No recorte de oito municípios (confira na tabela) injetam R$ 914 milhões na economia no período de um ano ano.

Do campo para a cidade

A mudança etária também interfere sobre as atividades no campo, analisa a economista Fernanda Sindelar. “Com menos filhos, há mais dificuldade de garantir a sucessão rural. Isso faz com que muitas famílias do interior vendam as propriedades e migrem para a área urbana. Onde conseguem se manter com a aposentadoria e com as próprias economias”, diz.

Algo semelhante foi o que fez Noeli Verruck, 60. Ela e o marido, Rudimar, 61, abandonaram a fumicultura no interior de Canudos do Vale, e hoje vivem em Lajeado. “Os familiares achavam que íamos passar fome. Isso nunca aconteceu. Com as economias e depois parte da herança compramos o terreno para construir nossa casa”, lembra Noeli.

Aposentada há cinco anos, Noeli Verruck, 60, trabalhava como doméstica. Após um acidente, não conseguiu retomar as atividades. Renda essa que faz falta no orçamento familiar. “É um salário a menos. Hoje, não tem mais como guardar dinheiro e fazer planos, é tudo controlado nos centavos.”

O marido Rudimar também recebe o benefício da aposentadoria e permanece na profissão de marceneiro. Eles têm três filhos e dois netos. “Sempre ajudamos para que eles tivessem um futuro melhor. A filha caçula mora conosco e ajudo a cuidar da neta Luíza, de oito anos”, conta Noeli.

Conforme os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) da região, alguns municípios enfrentam problemas para garantir o acesso dos aposentados do campo a políticas públicas, tais como saúde e medicamentos de uso contínuo.

A regional, que abrange 25 municípios do Vale, os benefícios previdenciários concedidos movimentam mais de R$ 340 milhões ao ano. Pela tabulação, são cerca de 25,5 mil idosos com direito ao benefício.

 


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