Mais de 90 pessoas já formavam fila no bairro Carneiros, em Lajeado, em cadeira de praias, com café e chimarrão, antes das 19h de uma sexta-feira. Ali, fica um Templo de Umbanda, religião brasileira de matriz africana, que atrai centenas de pessoas para participar da “gira”, que começa às 19h30. Todos ganham uma ficha numerada, que garante lugar na hora de receber as energias dos orixás.
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Em um espaço de paredes brancas, um altar iluminado ao fundo chama a atenção dentro do Templo Escola de Umbanda Mensageiros de Aruanda. É ali que Pai Fernando da Silva e Mãe Maria Gabriela Aires se posicionam com os mais de 50 médiuns e assistentes vestidos de branco e de pés descalços. Ao fundo, ficam os consulentes, como são chamadas as pessoas que participam da celebração.
Pai Fernando começa a palestra e os médiuns recebem as entidades presentes na noite enquanto a comunidade assiste, de pé ou sentada. Muitos também colocam seus colares coloridos feitos de miçanga, que são chamados de guias.
Depois, a banda toca. E, ao som alegre da guitarra, violão e atabaque, santos e orixás são saudados. A comunidade acompanha, com palmas e danças. Até o fim da noite, cerca de 200 pessoas se juntam ao grupo.
Entre eles, está Michele Cristine dos Santos, 40, de Cruzeiro do Sul. Todas as sextas-feiras, ela tem um compromisso marcado, e não falta uma gira do templo. Ao fim da celebração, também aguarda para receber o passe, uma espécie de bênção, com direito a conselhos dos guias espirituais.
É em fila que a comunidade espera para receber a energia dos orixás. No momento, são acesas velas e queimadas plantas para purificar os consulentes. “É um momento que tu sai de tudo o que passou a semana toda, aquela pressão, aquela correria, tu te conecta com teus orixás e sai com a energia renovada”, descreve Michele. Além disso, diz que o momento traz autoconhecimento, e a faz enxergar outras versões dela mesma.
Mensageiros
Quem dá o passe são os médiuns, pessoas capacitadas para passar a mensagem dos guias espirituais. Para isso, existem cursos, como o de desenvolvimento mediúnicos e o sacerdócio. Luísa Rosa, 21, já fez o primeiro, e agora termina o segundo.
Foram anos de pesquisa sobre religiões até chegar na Umbanda. Antes disso, ela passou pela igreja católica, evangélica e budismo até se aprofundar nas religiões de matriz africana. Em 2020, conheceu o Templo Escola de Umbanda Mensageiros de Aruanda e já na primeira gira que participou, se identificou e sentiu que aquele era o seu lugar.
“Foi bem interessante, porque eu não conhecia ninguém que frequentava, fui lá sozinha e senti que precisava conhecer. Me identifiquei tanto que parece que era pra eu ir”, lembra.
No terreiro que frequenta, acredita-se que todas as pessoas são médiuns, mas nem todos sabem trabalhar com isso. Para poder fazer parte da corrente mediúnica da casa, durante as giras, é necessário ter completado o curso de desenvolvimento.
Durante seis meses, além de aprimorar a mediunidade, os participantes também estudam a religião. Conforme Luísa, além da Umbanda, também é estudado o catolicismo e o espiritismo. “A Umbanda é uma junção de tudo isso”, reforça.
Já no curso de sacerdócio, a especialização é maior. Neste caso, também é estudado a fundo cada uma das forças da natureza, base da teologia da Umbanda. Para ela, esses cursos são importantes, porque por muito tempo não existiam informações claras sobre a religião disponíveis para leigos.
Depois de formada, Luísa será uma representante da religião e poderá fazer batizados, casamentos e até mesmo abrir um terreiro. “O sacerdócio é um mergulho para dentro de si mais profundo ainda que o desenvolvimento”, completa.
Nas redes sociais
Os Mensageiros de Aruanda produzem um podcast semanal, com o intuito de oferecer informações sobre seus trabalhos. “Você não é médium apenas no terreiro”, ressalta o Pai Fernando durante o episódio “Como tudo começou”, publicado há um mês. Para ele, a Umbanda é uma maneira de viver. Ela exige conhecimento sobre a religião e, em especial, sobre si mesmo.
Conforme conta no episódio, aos 13 anos a mediunidade de Pai Fernando estava aflorada. No mesmo período, a família se mudou, por coincidência, para frente de um terreiro. Assim que escutou o barulho do atabaque, ele correu para rua para ver do que se tratava e, na semana seguinte, começou a participar das giras. “Conversei com o Pai Beira Mar que me disse que eu era cavalo de Umbanda. E aí, como se desenvolve? Bota a banca e vem trabalhar’’, recorda.
Para ele, começar a fazer parte dos encontros sem ter estudado, como fez, não é o melhor caminho. Em 2014, os Mensageiros de Aruanda abriram os trabalhos e o solo sagrado. “Não sabíamos nada. O guia pedia sempre para buscar e estudar”, lembra.
O primeiro e o segundo espaço de encontros rapidamente precisaram ser substituídos por uma casa maior. Segundo ele, a tendência da umbanda é mostrar que a religião tem força, e está crescendo.
Ele e a Mãe Gabi abrem o terreiro que fica na R. Bento Rosa, 3813, nas sextas-feiras. E pessoas de todas as religiões são bem-vindas para participar. Hoje, eles estão angariando fundos para um novo templo.
ENTREVISTA
“Oferecemos os passes com a finalidade de promover a cura o bem estar”
A umbanda é diversa e possui várias linhas. Na casa da Mãe Heloísa, de Lajeado, por exemplo, a gira é diferente dos Mensageiros de Aruanda.
Para você, o que caracteriza a Umbanda?
A umbanda tem por objetivo despertar para que se desenvolvam com uma consciência religiosa totalmente alicerçada em conceitos próprios fundamentadas na sua existência. É olhar a manifestação como único fim de promover a caridade, a cura, o aconselhamento, por meio dos médiuns que passam por doutrinas, e após, no seu desenvolvimento, por meio da gira.
Como funciona o rito em sua casa?
Para iniciar nossos ritos, defumamos toda a corrente mediúnica. Todos devem estar de roupa branca, as mulheres de saia e os homens de calça, e defumamos assistência e o congá, que é o local onde ficam as imagens sagradas. Em seguida, nós rezamos um pai nosso e entoamos o hino da Umbanda também. A partir daí, se dá o cântico dos pontos. Oferecemos também os passes com a finalidade de promover a cura o bem estar, o aconselhamento de fé e força para dias melhores.
Candomblé, Umbanda, Catolicismo
Apesar da semelhança e de serem confundidas com frequência, umbanda e candomblé não são a mesma coisa. O candomblé veio da África por meio dos negros escravizados e é considerada uma religião afrobrasileira. Nesta prática, não há incorporação nem mediunidade. O que as entidades fazem é oferecer energia e comunicação por meio dos búzios.
Já a umbanda apresenta forte sincretismo com o catolicismo. De modo geral, a religião dos escravizados era o candomblé, mas eles não podiam cultuar suas divindades livremente. Por isso, os escravos começaram a associar suas divindades com os santos católicos.
Alguns dos orixás
Iemanjá – Nossa Senhora dos Navegantes
Divindade dos mares e oceanos, considerada mãe de outros orixás. O seu nome tem origem nos termos do idioma Iorubá e significa “mãe cujos filhos são como peixes”.
Iansã – Santa Bárbara
Conhecida como divindade dos ventos e das tempestades, senhora dos raios e dona da alma dos mortos.
Ogum – São Jorge
Deus da guerra, do fogo e da tecnologia. No Brasil é conhecido como deus guerreiro. Sabe trabalhar com metal e, sem sua proteção, o trabalho não pode ser proveitoso.
Oxum – Nossa Senhora Aparecida ou Nossa Senhora da Conceição
Oxum é a rainha da água doce, dona dos rios e cachoeiras. É também deusa do ouro, da fecundidade, do jogo de búzios e do amor.
Exu – Santo Antônio
Orixá guardião da comunicação, mensageiro entre os homens e os deuses. Só por meio dele é possível invocar os orixás.
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