As primeiras desconfianças de que o pequeno Arthur (hoje com 3 anos) era autista surgiram meses depois de completar o primeiro ano de vida. A mãe, Patrícia Drescher, chamava o filho pelo nome, mas ele não respondia. De início, achou que fosse algum problema de audição. Mas, após consultas com profissionais, veio a confirmação do transtorno.
O rápido diagnóstico, somado à busca imediata por terapia e serviços especializados, auxiliaram no desenvolvimento de Arthur. Contudo, a rotina desestruturada preocupava Patrícia. Por isso, ela e outras três mães de crianças autistas, todas servidoras municipais em Lajeado, buscaram na Justiça a redução da carga horária de trabalho sem afetar a remuneração, para dedicar mais tempo aos filhos.
Lajeado ainda possui legislação específica para o tema, enquanto municípios próximos, como Arroio do Meio, Estrela e Taquari, regulamentaram a redução das jornadas. Estas leis foram inspiradas em matérias de nível federal e estadual, que garantem este direito aos servidores públicos.
Discussões como esta são recentes, segundo o advogado Daniel Fontana. E geralmente ocorrem primeiro a nível nacional, depois nos estados e, por fim, desce para o município. “A criança autista precisa muito de atenção, de ter a presença de um familiar o acompanhando. Nosso embasamento para a ação foi que o município não apresenta uma legislação e ele só pode fazer o que está na lei”, comenta.
A liminar favorável à Patrícia foi concedida semana passada pelo juiz Rodrigo de Azevedo Bortoli. “O prejuízo na demora é evidenciado pela necessidade de garantia do desenvolvimento adequado do infante, o que é promovido mediante engajamento da família (…) Caso permaneça sem assistência materna nesse período de desenvolvimento, pode vir a ter prejuízos irrecuperáveis”, cita o despacho.
Estrutura familiar
Conforme Patrícia, toda a estrutura familiar é fundamental para o desenvolvimento de Arthur. Por isso, ela sempre o acompanha nas terapias para verificar o andamento. Com a redução, terá ainda mais tempo para reorganizar a rotina do filho.
“Hoje o dia é muito corrido para nós, pois ele passa as manhãs em terapia. As vezes chegamos em casa ao meio dia e eu começo a trabalhar 12h30min. Mal consigo dar um almoço decente a ele. É uma rotina desestruturada, e uma criança autista precisa de rotina estruturada”, comenta.
O fato de residir e trabalhar no mesmo bairro onde Arthur frequenta a creche, no Olarias, ajuda no melhor acompanhamento. O auxílio do marido, Jaime Erthal, e do filho mais velho William também são fundamentais. “Fomos à Justiça em busca de um direito correto. Não estamos infringindo nada, pois ainda nem tem lei”.

Carmen e o filho Nathan: monitora tem hoje as manhãs livres para acompanhar o menino de 8 anos
“Foi a única saída”
Monitora de educação infantil, Carmen Lúcia Santos Vargas é mãe de Nathan, 8. O diagnóstico de autismo do filho veio quando ele tinha pouco mais de 2 anos. Desde então, precisou adequar sua rotina para acompanhar o desenvolvimento dele. Mas precisava de mais tempo. Cansada de esperar por um retorno do município, entrou na Justiça para obter a redução da jornada de trabalho.
A liminar, favorável a Carmen, saiu esta semana, e estabelece redução de 20% da carga horária Hoje, ela cumpre 30 horas semanais em uma creche no bairro Conventos. “Protocolamos o pedido em janeiro, já que ainda não existe lei. Mas não tivemos retorno. Então a opção foi entrar na Justiça”, lembra.
Carmen diz que Nathan teve um bom desenvolvimento graças ao diagnóstico precoce. Mas algumas questões relacionadas ao autismo começam a aparecer. “Ele é extremamente comportamental, e nessa fase de escola a gente percebe muita coisa. Exige uma maior interação social”.
Carmen tem as manhãs livres para ficar com o filho e o acompanhar nas terapias e aulas de violão, e trabalha à tarde. Agora, terá duas horas a mais por dia para auxiliar Nathan. “A logística de levar e deixar na escola é difícil, as vezes pedimos para vizinhos. E complica se um dia dá errado”.
“Porto seguro da família”
Nos últimos anos, surgiram organizações não-governamentais (ONGs) na região, que buscam unir pais de crianças autistas e amigos. Uma delas é a Azul Como o Céu. Fundada em 2019, atende cerca de 60 famílias em Lajeado. Segundo a presidente Ana Emília Carminatti Messer, o trabalho principal da ONG é orientar as famílias e potencializar o tempo da criança.
“A estimulação tem que ser precoce. O quanto antes qualquer sinal de autismo for detectado, mais rápido é o desenvolvimento dela”, explica. A criação da ONG, lembra Ana Emília, ocorreu também porque muitos pais não sabiam a quem recorrer. Com isso, ela dá um suporte a essas famílias, com encaminhamento a um profissional habilitado.
“A associação é um porto seguro da família. E é sempre importante lembrar que a criança, em primeiro lugar, é da família. Enquanto mãe, preciso me responsabilizar pelo meu filho e buscar conhecimento. Muitos ainda pensam que atendimento 45 minutos por semana vai funcionar. Isso não existe”.

No começo do mês, município de Lajeado inaugurou espaço no Centro para atendimento a pessoas com transtornos de neurodesenvolvimento
Avanços
Ao mesmo tempo em que servidoras conquistam a redução na Justiça, ações do Poder Executivo de Lajeado garantem avanços no atendimento às crianças autistas. A criação da Casa Verde – Centro Municipal de Atendimento dos Transtornos do Neurodesenvolvimento – é um exemplo.
Aberto oficialmente no último dia 7, o espaço atenderá crianças e adolescentes de 3 a 18 anos incompletos, que não são atendidos por serviços já existentes na rede municipal. A criação do projeto se deu após o município perceber número crescente de crianças com dificuldades no processo de desenvolvimento.
“No dia da inauguração falei que era um momento histórico. A Casa Verde é uma conquista para nós. Fruto de vários encontros que tivemos com o prefeito. Ele sabia da nossa demanda. Isso é muito positivo e estamos muito felizes, graças ao Executivo e ao Legislativo”, comenta Ana Emília. Além disso, lembra que o Centro atenderá mas também com outros transtornos relacionados ao neurodesenvolvimento.
Encantado é outro município cujo avanço é notório. No ano passado, a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) do município foi selecionada para sediar o Centro Regional de Referência em Transtorno do Espectro Autista, programa do governo do Estado. A conquista ocorreu no ano em que a entidade completava 50 anos de existência.
Elaboração de lei municipal
Procurador do município de Lajeado, Henrique Reali explica que a lei que possibilita a redução da carga horária a pais de crianças autistas está em fase final de elaboração. Segundo ele, nos próximos idas, projeto de lei deve ser enviado à câmara de vereadores para apreciação.
Quanto às servidoras municipais que conseguiram a redução da jornada de trabalho por meio de liminar, Reali diz que o município aguarda notificação da Justiça. “Há esta necessidade de disciplinar a matéria. E temos uma grande preocupação no desfalque do quadro de servidores, o que também deve ser considerado”.
O AUTISMO
– O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é dividido em três níveis: leve, moderado e grave;
– A patologia pode ser identificada já nos primeiros meses de contato do bebê, e o diagnóstico prévio é fundamental;
– O autismo é caracterizado pelo atraso no desenvolvimento das habilidades sociais, comunicativas e cognitivas;
– O especto pode ser associado com deficiência intelectual, dificuldades de coordenação motora e de atenção e, às vezes, ter problemas de saúde física;
– Na adolescência, pode-se desenvolver ansiedade e depressão.
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