Arroios, açudes e os rios começam a secar. Comunidades enfrentam racionamento de água para criações e municípios contabilizam prejuízos na produção primária. Essa interferência do ciclo de chuvas na agricultura se repete e mostra a necessidade de programas voltados para a irrigação.
Das últimas três safras, houve estiagem em duas. Tudo por conta da incidência do La Niña, que provoca o resfriamento do Oceano Pacífico. Como consequência, acontecem mudanças nas precipitações em todo o continente. Enquanto o Sul do Brasil tem redução, o Norte e Nordeste são atingidos por enxurradas.
Para a colheita 2021/2022, a tendência é de repetição do cenário visto em 2019, antecipa o engenheiro agrônomo e assistente técnico regional da Emater\Ascar-RS, Alano Tonin. “Tudo indica que vamos passar dos 80% de perdas no milho.”
Naquela safra, das 497 cidades gaúchas, 400 ingressaram em situação de emergência. Pelo acompanhamento da Emater, a quebra consolidada na lavoura de milho está em 50%. “Houve o plantio mais tarde em municípios do Alto Taquari. Como a estimativa é de pouca chuva nas próximas semanas, o cenário vai piorar.”
A chuva para dezembro está muito abaixo da média histórica. Conforme o Núcleo de Informações Hidrometeorológicas (NIH) da Univates, o histórico para o mês é de 142 milímetros. Até agora, o acumulado médio nos 38 municípios da região está perto dos 20 mm.
Com o quadro de escassez hídrica, oito cidades da região decretaram emergência. Também há registro de desabastecimento para propriedades rurais em pelo menos 16 cidades. Na segunda-feira, dia 3 de janeiro, a Defesa Civil e o governo estadual se reúnem para discutir ações de combate a seca. O encontro será às 14h. Até o fim da tarde de ontem, 61 cidades gaúchas decretaram emergência.
Depois do milho, a soja

Sem chuva, espiga de milho não se desenvolve. Mesmo se for usado para silagem, produtor terá de investir em ração. (Foto: Filipe Faleiro)
Agora o alerta também recaí sobre a lavoura de soja. Sem previsão de chuva considerável para as próximas duas semanas, os prejuízos podem atingir toda a área plantada, diz o extensionista do escritório de Cruzeiro do Sul, Maurício Junior Antoniolli.
Ao longo dos últimos sete dias, foram 24 laudos para emissão do seguro agrícola no município para produtores de milho. “A cada dia sem chuva, é mais angústia no campo”, frisa. Entre as localidades atingidas está São Rafael.
Com mais de 70 hectares de terra para cultivo, o agricultor Eduardo Backes calcula as perdas. Do total, 15 foram semeados com milho. Sem umidade no solo e chuva na época para formação da espiga, já houve o comprometimento de 80% da safra. “Esperávamos colher 180 sacos por hectare. Se chegar em 40 vai ser muito”, antevê.
A família Backes também planta soja em 55 hectares. “Na safra passada havia a preocupação de mais uma seca. Houve alguns períodos de pouca chuva, mas quando veio, foi possível manter a lavoura. Agora, se não chover bem em 15 dias, vamos perder tudo.”
Na safra de 2020/21, a produtividade foi de 69 sacos de soja por hectare. Para pelo menos cobrir os custos do plantio, seria necessário colher 40 sacos.
Sem água na cidade
Uma das primeiras cidades a ingressar em emergência foi Nova Bréscia. Com a escassez, o abastecimento para moradores do Centro já está comprometido. Conforme a aposentada Dolarinda Vieceli, 72, falta água para serviços básicos. “Tem vezes que para fazer comida preciso ir na vizinha pegar água.”
Vizinho de Dolarinda, Genir Fontana, 70, conta que por vezes a água vem esbranquiçada. “O poço não tem vazão. A bomba fica puxando ar.” De acordo com ele, o reservatório de água está pequeno. “Moro faz sete anos aqui. Isso nunca tinha acontecido.”
No fim da manhã de ontem, Boqueirão do Leão ingressou na lista de cidades em situação de emergência. Além das perdas no cultivo de tabaco, milho e hortaliças, há falta de água para consumo humano. “Na semana passada, levamos água para 24 famílias. Agora já está em 76”, conta o responsável pela Defesa Civil no município, Leandro Peterson.
Em 2019, relembra, Boqueirão entrou em emergência no dia 7 de janeiro. “A situação agrava a cada dia. Entramos nesta seca mais fragilizados. Nesses três anos, não choveu o suficiente para repor o que foi perdido.”
Dilema da irrigação
Conforme o último senso agropecuário, o Vale do Taquari tem 22,9 mil propriedades rurais. Pela estimativa da Emater, o número de unidades com sistemas de irrigação não chega a 2%. Para o engenheiro agrônomo Alano Tonin, houve mais procura nos últimos três anos para novos projetos. Ainda assim, basta uma safra positiva, para o ímpeto neste tipo de investimento reduzir.
“Há uma questão cultural. Estamos acostumados com sobras de chuva e não nos preparamos para momentos de escassez. Parece que o agricultor esquece, basta ter uma boa colheita.” Ainda assim, Tonin alerta que nem toda propriedade pode ter irrigação. “Vai depender do tipo de solo. Se for pedregoso, não há como armazenar. Também a possibilidade de onde vai puxar essa água.”
Dados da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) aponta para um crescimento de 20% na procura por sistemas de irrigação no RS nos últimos três anos. Pela análise da instituição, se trata de um movimento comum frente ao quadro de seca.
Informações da Secretaria Estadual de Agricultura confirmam essa tendência. Em 2019, o programa Mais Água Mais Renda teve 165 projetos inscritos. Em 2012, ano de seca no RS, foram 844. Menos de 27 mil das mais de 360 mil propriedades gaúchas contam com sistemas de irrigação.
Do total de 21,7 milhões de hectares de produção, apenas 6% contam com tecnologia de armazenamento de água e irrigação em todo o RS.