O Índio

Opinião

Hugo Schünemann

Hugo Schünemann

Médico oncologista e diretor técnico do Centro Regional de Oncologia (Cron)

O Índio

Por

Lajeado
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A campainha toca. Desço as escadas e avanço pelo corredor até a porta de entrada, junto a um pequeno hall.

Abro a porta e vejo a figura de um índio, de calça jeans, camiseta surrada da seleção brasileira de futebol e alguns adereços típicos dos indígenas brasileiros.

– “Pois não?”, digo eu.
– “Vim tomar posse”, diz ele.
– “ Posse?”, indago surpreso.
– “ Sim, da minha terra”, responde.

Fico parado mudo, fixado, sem entender nada do que se trata.

Ele insiste:

– “Vim tomar posse da minha terra”. Eu sigo mudo, imóvel.

– “ Terra ser de índio. Tribo vive aqui”, insiste ele.

Sem saber o que pensar, sigo mudo e ele insiste.

– “Casa está em minha terra, tem que sair”.

Penso: Bom, se a casa está na terra dele, a casa do vizinho está na terra dele, a rua, o bairro e a cidade estão na terra dele.

Ele insiste:

– “Minha terra”.

Eu sigo mudo sem saber como agir. Bater a porta na cara dele? Chamar a Polícia? Chamar a Funai?

Bom, talvez a Funai vai dizer que ele está certo, que esta terra é de índios, que os antepassados dele viveram aqui e que o homem branco tomou a sua terra, etc, etc, etc.

Eu comprei esta pequena casa há 5 anos, o terreno é gramado e lá nos fundos tem uma laranjeira que esta época do ano cobrem-se de flores e enchem o ar de perfume. Não lembro que houvesse uma oca ou outra estrutura que remetesse a um passado indígena. Comprei a casa com minhas poucas economias e financiei o restante, para o que pago prestações mensais, salgadas e que compremetem parte da minha renda, apertando minha vida nestes tempos bicudos em que vivemos. Meu vizinho que herdou a sua casa de seu pai, e esta por sua vez for herdada de seu avô, que até onde sei, comprou de um português que viveu na região. Ele, embora não pague financiamento, está sem emprego e reclama diariamente do destino. Que sorte que o índio não bateu lá!

Sigo imóvel olhando o Índio. As pulseiras e colares que usa são feitas de sementes. Até que não são feios. Mas a pena que ele usa, com um cocar improvisado, não sei, acho que é de galinha. Índio cria galinhas?

E se chamar a polícia? Tá, mas qual a acusação? E o que vão fazer com o pobre índio? E o que eu tenho a ver com isso tudo?

– “Vim tomar posse da minha terra”, repetiu, como um gravador.

Fiquei imaginando os índios em minha casa, na minha rua ou bairro. Na cidade, só índios. Será que tem índio que chega para ocupar tudo isso?

Tá, a terra foi deles, mas eu paguei, eu tenho escritura, eu pago os impostos. E o telhado da casa, que eu tive que arrumar? E a reforma que o meu vizinho, que está desempregado, fez na casa que é dele e que foi do pai dele e foi do avô dele, que comprou de um português?

A calça jeans do índio era surrada, como a camiseta da seleção que ele usava. Índio usa calça jeans? Melhor que andar pelado. Claro, eu também visto roupa surrada, às vezes rasgada. Afinal, não está fácil pra ninguém. Nos últimos anos, só os custos sobem, não as vendas. Não tá fácil. Nem pro índio ali parado na minha frente.

Será que o governo vai desapropriar toda a cidade e devolver a terra para os índios?
Certo, eles têm direitos, mas e eu, nós?

E o perfume das laranjeiras que eu plantei, entra pela janela aberta, enchendo o ar da casa. Certa nostalgia, lembro da infância, na casa do meu avô tinha um pomar grande. Será que a terra do meu avô também vai voltar para os índios?

Gente, este assunto é muito complicado!

Penso em dizer alguma coisa, mas de repente o índio se cansa da minha imutalidade, se vira e vai embora.

Acho que foi na rua de baixo. A casa da dona Maria tem pátio maior, com mais árvores, mais espaço. Talvez o índio e sua família fiquem melhor acomodados lá, e ela ainda faz um bolinhos de chuva deliciosos, eles vão gostar.

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