O sistema energético nacional é todo interligado. No RS, as hidrelétricas do centro do país, em especial a usina de Itaipu, representam 60% do que é consumido. Com as chuvas muito abaixo da média histórica, os reservatórios estão baixos.
Com isso, foi necessário religar as termelétricas. Com o uso de combustíveis fósseis, a geração fica mais cara. E o valor é repassado ao consumidor, por meio do sistema de bandeiras tarifárias. Tanto que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), confirmou nesta semana a continuidade do patamar 2 da bandeira vermelha.
Significa que a eletricidade produzida no país terá um custo mais elevado. De abril a junho, o consumidor pagava R$ 6,24 a cada 100 quilowatt-hora. Com a bandeira vermelha patamar 2, o valor foi reajustado em 52%, passando para R$ 9,49.
Conforme a agência, as hidrelétricas estão com capacidade reduzida de operações, pois não houve melhoria em termos de chuva. “Agosto inicia-se com igual perspectiva hidrológica, com os principais reservatórios do SIN (Sistema Interligado Nacional) em níveis baixos para essa época do ano. Essa conjuntura sinaliza horizonte com reduzida capacidade de produção hidrelétrica e necessidade de acionamento máximo dos recursos termelétricos”, justifica a Aneel por meio de nota.
Diante do aumento das atividades produtivas, de maior uso da capacidade industrial, da volta dos serviços e do comércio, a preocupação dos setores econômicos se sustenta no risco de racionamento.
A escassez de chuva no centro do país deve prosseguir até novembro. Caso volte a normalidade, estima-se que até abril os reservatórios possam retomar aos níveis normais. “O momento é preocupante. Há um risco real de racionamento. Isso seria péssimo à economia gaúcha”, avalia o coordenador do Grupo Temático de Energia e Telecomunicações do Conselho de Infraestrutura da Fiergs, Edilson Deitos.
De acordo com ele, é necessário ampliar os investimentos e a agilidade para aprovação dos projetos, em especial no RS. “Houve um erro estratégico com as políticas de usinas a fio d’água. Pois quando há necessidade, não há água reservada.”
Oportunidade para o Vale
Para o presidente da Câmara da Indústria e Comércio da região (CIC-VT), Ivandro Rosa, a crise hídrica no centro do país precisa ser vista como uma chance de usar todo o potencial gaúcho e do Vale do Taquari. “Há tecnologia, projetos e alternativas para geração de energia”, avalia.
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Em 20 anos, investimentos nas linhas de transmissão resultaram em um aumento de 108% no total de redes de energia, aponta governo federal (fotos: Renata Lohmann)
Tanto que dentro das políticas em busca de novas formas, ganha espaço o modelo solar, eólico e de biomassa. Quando se olha ao potencial dos recursos hídricos da região, essa oportunidade fica mais latente.
Conforme o presidente da Cooperativa Certel, Erineo Hennemann, a situação atual mostra a dependência da geração pelas usinas térmicas. “Aumentou muito o consumo e não temos folga. É preciso voltar a investir na geração hídrica e renovável. Pelos nossos estudos, temos condições de aumentar a produção.”
Para tanto, afirma, é preciso fazer os projetos “saírem da prateleira e entrarem em operação”. Neste sentido, a cooperativa projeta construir cinco usinas no Rio Forqueta até 2029. Com este plano, seria possível ampliar em cerca de 125% a capacidade de geração de energia para o Vale do Taquari.
Neste organograma, o mais avançado fica entre Pouso Novo e Coqueiro Baixo (Vale do Leite) deve ter a construção iniciada em outubro deste ano. Critérios técnicos e a relação custo e benefício foram os motivos para a sua priorização entre as demais. A cooperativa prevê cerca de um ano e meio para a conclusão da obra e mais oito meses para viabilizar a construção junto aos órgãos competentes.
Hoje a Certel gera cerca de 20 megawatts, a partir de quatro hidrelétricas: Salto Forqueta, Rastro de Alto, Boa Vista e mais 60% em Cazuza Ferreira. Com as novas cinco projetada, a cooperativa ampliará a geração em mais 25 megawatts.
Quase 100 projetos na gaveta
A cada megawatt produzido no Estado, mais reforço para o sistema nacional. Se todas as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), aliadas aos modelos eólico e solar já consolidados, saíssem do papel, o RS alcançaria uma produção de energia acima da maior usina do país, a de Itaipu.
Conforme apuração do Grupo Temático de Energia e Telecomunicações da Fiergs, seria possível gerar 15 megawats no Estado. “Hoje a Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) tem de 80 a 100 projetos em análise. Iniciar as instalações de PCHs seria o maior programa de melhoria da infraestrutura energética do estado”, projeta Deitos.
Na análise dele, há alguns paradigmas que precisam ser quebrados, em especial sobre os impactos ambientais da instalação de pequenas usinas. “Houve um avanço importante nas leis de licenciamento nos últimos dois anos. Mas o tempo que perdemos não se recupera mais.”
Toda a defesa contra a instalação das PCHs, diz Deitos, estão sendo deixadas de lado. “A análise para os projetos se sustentam nos três pilares: ambiental, social e econômico. Destravar esse potencial é fundamental para o nosso estado”, defende.
Duas décadas depois do apagão
Em 2001, o país foi obrigado a mudar os hábitos de consumo de energia. Era o último ano do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. A crise energética estava ligada à falta de planejamento no setor e à ausência de investimentos em geração e distribuição de energia. Somou-se a isso o aumento do consumo de energia devido ao crescimento populacional e a elevação do nível produtivo das indústrias.
Naquele ano, 83% da geração de energia vinha das hidrelétricas. Passados 20 anos, a dependência diminuiu para 63%. “Houve avanços. Nem tudo está perdido. Nosso sistema está mais consistente e temos mais alternativas”, avalia Deitos.
ENTREVISTA: Juliano Schirmbeck, engenheiro elétrico e professor
“As hidrelétricas são a fonte de menos custo e de mais autonomia”
A Hora – Os relatórios apontam para condições adversas nos reservatórios das hidrelétricas. Como isso interfere no RS e no Vale do Taquari? Há risco de racionamento?
Juliano Schirmbeck: Sim, estamos em uma situação adversa. O Centro-Oeste se caracteriza por uma estação seca e uma chuvosa. Historicamente os meses de junho, julho e agosto são os que menos chove. Já dezembro e janeiro é o inverso. Estamos indo para um período no qual se espera uma recuperação no armazenamento de água.
Uma possibilidade de racionamento depende do andamento do regime de chuvas de agora até dezembro. Porém, a condição climática histórica apresenta um cenário de possibilidade de recuperação.
No momento a situação hídrica do Rio Grande do Sul, não apresenta esse problema, nossas hidrelétricas estão trabalhando em sua capacidade plena.
Por que o Brasil aposta tanto na geração de energia por meio das hidrelétricas? Como foi esse processo de estruturação? Quais seus riscos e suas potencialidades?
Schirmbeck: As hidrelétricas são a fonte de menos custo e de mais autonomia. É possível gerenciar o sistema de acordo com a demanda de uso da energia, isso por meio do controle do consumo da água. Podemos gerar mais energia quando temos maior demanda, isso consumindo mais água do reservatório, quando reduz a demanda de energia, se reduz a geração possibilitando reservar água novamente. A situação hoje não está mais crítica devido aos investimentos feitos após 2001.
Como fazer para reduzir a dependência do sistema nacional?
Schirmbeck: O estado tem um potencial hidrelétrico com ampla possibilidade de expansão. O Vale do Taquari especificamente tem alto potencial a partir de PCHs.
Mas aqui voltamos a lembrar que o sistema energético do Brasil é interligado, sermos auto sustentáveis não nos deixa livre de riscos de termos variações nos custos (as bandeiras) ou até mesmo de algum racionamento devido a uma crise hídrica em outra região do Brasil.
Sobre alternativas. Quais as oportunidades e dificuldades da energia eólica e solar para aumentar a produção energética?
Schirmbeck: As alternativas às crises hídricas são as usinas termelétricas, que tem um alto custo. Ainda temos as energias renováveis, solar e eólica. O RS tem potencial a ser explorado nestes modelos. Porém, nos sistemas eólico e solar não temos gerência em relação a produção de energia, pois ocorre de acordo com a disponibilidade de vento ou sol. Diferente da hidrelétrica que gerenciamos o “guardar” ou “consumir” água.