O governo federal altera o Código de Defesa do Consumidor e estabelece uma série de medidas para evitar o superendividamento das famílias. A lei foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no início de julho e aumenta a proteção de quem tem muitas contas em atraso.
Na análise da lei, há duas mudanças mais incisivas. A primeira destaca que os devedores terão direito um tipo de “recuperação judicial” para renegociarem as dívidas com todos os credores ao mesmo tempo. Outro aspecto recaí sobre as instituições financeiras, que ficam proibidas de exercer algum tipo de “assédio” ou “pressão” para algum contrato ou financiamento.
O superendividamento se caracteriza pela “impossibilidade manifesta do consumidor pagar a totalidade das dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial”. Para o economista e consultor, Eloni Salvi, a lei traz alguns problemas de origem.
“Vejo que há uma tentativa de proteger o consumidor. Concordo com isso. Por outro lado, não há essa preocupação com aquele que fornece o crédito”, avalia. Para ele, a combinação da lei do superendividamento, com a de proteção de dados, dificulta a análise dos agentes financeiros. “O que vai acontecer é mais restrição para o acesso ao crédito, pois, caso não haja restrição no CPF do consumidor, não há como saber o quanto do orçamento dele está comprometido com prestações.”
Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de famílias endividadas chegou a 69,7% em junho, o maior percentual desde 2010. A parcela da população com menor renda é a mais atingida pela instabilidade econômica nacional. Conforme outro estudo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o endividamento para pessoas com renda renda mensal de até R$ 2,1 mil se aproxima dos 25%.
“É como se as pessoas tivessem opção de não pagar”
O aumento no custo de vida, com a cesta básica representando quase 60% do salário mínimo e a perspectiva do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre o vencimento mínimo para sobrevivência de uma família passando dos R$ 5 mil, faz com que o conceito de “comprometer o mínimo à existência” seja difícil de medir.
Diante desta justificativa, acredita Salvi, há embasamento jurídico para defesa dos devedores. “O que me preocupa na lei, é que ela protege de tal maneira que o consumidor fica quase isento. É como se as pessoas tivessem a opção de não pagar.”