A autorização para o ensino doméstico, conhecido como “homeschooling”, cria rusgas entre o poder Executivo e o parlamento gaúcho. Desde o veto do governador Eduardo Leite à proposta aprovada por 28 deputados, o autor da matéria, Fábio Ostermann (Novo), articula meios de derrubar a barreira imposta pelo Piratini.
A justificativa para o veto é a inconstitucionalidade da proposta. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) avaliou que a regulamentação do tema deve ser feita pela União. A posição contrária à matéria da Assembleia Legislativa foi divulgada na sexta-feira passada.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o ensino domiciliar no país carece de regulamentação. Para tanto, deveria partir do Congresso Nacional a edição de uma lei à prática. Caso o RS implementasse o modelo, seria o primeiro estado a autorizar o homeschooling.
A exceção fica por conta do Distrito Federal, que sancionou lei semelhante em fevereiro deste ano.
No RS, depois da publicação, o veto é encaminhado para a Assembleia Legislativa. Caso seja mantido, o projeto é arquivado. Se o veto for derrubado, a proposta torna-se lei, promulgada pelo Legislativo. Para derrubar o veto, são necessários 28 votos dos deputados. Em 30 dias, o tema volta ao plenário.
Mesquinharia política, diz deputado
O deputado Fábio Ostermann afirma que foi pego de surpresa com a decisão de veto do projeto. “Participei de reuniões com a equipe técnica da Educação e com o próprio governador. Em nenhum momento foram feitos questionamentos sobre a legalidade do projeto.”
Nestes momentos, destaca o envolvimento dos servidores para estipular as regras do ensino doméstico. Para ele, o chefe do Executivo gaúcho decidiu vetar o texto por ser um assunto defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. “É uma grande bobagem. O governador politizou a matéria. Lamento que o governador esteja disposto a abrir mão de convicções para antagonizar com o presidente.”
Na avaliação do parlamentar, a justificativa da PGE de inconstitucionalidade é frágil. “Pela constituição, se o governo federal e o congresso silenciam sobre determinado tema, cabe aos estados assumirem as regras”, ressalta.
Quanto à derrubada do veto, Ostermann está otimista. “Sei que é um debate que traz controvérsias, mas é preciso avançar.” O deputado busca o apoio dos demais parlamentares que aprovaram o texto em 8 de junho. Caso se mantenha o número de votos, a lei será promulgada.
O que diz o Estado
“O veto do governador foi decidido depois de uma ampla ponderação dos aspectos técnicos e constitucionais da medida, ouvindo especialistas, Ministério Público, representantes da sociedade, inclusive o próprio deputado. O governador entendeu que o tema ainda carece de amadurecimento, e por isso usou a sua prerrogativa legal e democrática do veto.
Basicamente, o veto se deu por conta de o governador entender que o tema está envolvo em insegurança jurídica, na medida em que há o entendimento de que o tema do ensino domiciliar deve ser normatizado por lei federal.
O Estado entende a intenção do deputado e reconhece a postura propositiva do parlamentar em temas ligados à educação e entende que o debate sobre a pertinência ou não veto ocorra no melhor lugar possível, o parlamento gaúcho, onde as divergências de visão da nossa sociedade são sempre resolvidas com sabedoria.”
A educação doméstica na lei
O STF não reconhece o ensino domiciliar no país. Pela legislação, uma família que pratique o homeschooling pode responder processo por abandono intelectual. O Código Penal estipula pena de multa ou prisão de 15 até 30 dias.
Pelo posicionamento da Comissão de Educação da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB/RS), esse tipo de punição é incomum, pois a família tem como comprovar o aprendizado ao levar o filho para prestar exames de competências.
Na análise do órgão, o assunto no país está em um “vácuo” jurídico. Para sair deste campo incerto, o homeschooling precisa ser proibido ou regulamentado.
A discussão no RS
- Assembleia aprovou projeto que autoriza o homeschooling em 8 de junho;
- O MP avalia a proposta. Em um primeiro momento, aponta inconstitucionalidade na aplicação do modelo;
- O governador Eduardo Leite vetou o texto;
- O parlamento avalia a continuidade ou não do veto. Assunto volta ao plenário em agosto;
- Caso seja derrubado o veto, a lei é promulgada pelos deputados. Para tanto, são necessários 28 votos dos 54 possíveis (presidente só vota em caso de empate).