Uma renda mensal em torno dos R$ 140 para sustentar quatro filhos. Essa é a realidade para Nataniele da Silva Rosa, 26, de Lajeado. Sem escola para as crianças, precisou largar os serviços que prestava como diarista. Agora o único dinheiro que entra em casa é o do Bolsa Família.
A moradia também é custeada pelo aluguel social. São duas peças: quarto e banheiro. Cerca de 20 metros quadrados, onde cabem duas camas, a geladeira e o fogão. A casa própria de Natalieli, no bairro Planalto, aguarda reforma. Precisou sair, pois estava condenada, com risco de desabamento.
O dinheiro é insuficiente para as despesas do lar. Precisa pagar água e luz. A alimentação chega por meio de doações de cestas básicas por parte da Assistência Social. Nataniele é uma das pessoas consideradas no nível de pobreza, com renda menor do que R$ 178 por mês.
Pelos dados da Secretaria de Habitação, Trabalho e Assistência Social (Sthas) de Lajeado, o total de pessoas nesta condição cresceu 13% entre 2020 e 2021. Um percentual inferior aos que agora estão na extrema pobreza, com renda inferior a R$ 89 por mês.
De acordo com a coordenadora do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) Espaço da Cidadania, Fátima Luciane Machado, de abril do ano passado até março, houve um avanço de 29% no total de famílias em extrema pobreza.
Assim como nos indicadores nacionais e estaduais, esse aumento da pobreza é resultado da pandemia, devido aos reflexos do desemprego e da perda de renda entre as famílias. Os mais atingidos por esse flagelo social e econômico são as pessoas com menor escolaridade, com pouca ou nenhuma formação técnica e os autônomos.
Este perfil ainda mostra que os trabalhadores com mais de 50 anos, mulheres e, em especial, mulheres negras, são as pessoas mais atingidas pelos impactos socioeconômicos provocados pela pandemia.
Metade da renda
Camila da Silva Marques, 35, está desempregada desde outubro. Trabalhava como caixa. Entrou nas medidas de contensão de despesas da empresa e desde então, não conseguiu retornar ao mercado de trabalho.
Recebeu o seguro desemprego até março deste ano. Com três filhas, todas adolescentes, a única renda hoje é a do trabalho do marido, que atua como comerciante. “No início da pandemia, tivemos suspensão de contrato. Logo ali já passamos a viver com metade do que ganhávamos”, conta Camila.
Com Ensino Médio completo, afirma que não foi chamada para nenhuma das vagas de trabalho para qual se candidatou. “Nem mesmo para entrevista. Entreguei diversos currículos, mas a oportunidade não apareceu.”
Ela é uma das líderes do Quilombo Unidos, do bairro Planalto, em Lajeado. São 43 famílias na comunidade. “Procuramos auxiliar, seja com doações, ou mesmo com orientação, pois muitas pessoas têm pouca escolaridade.”
Deste total de famílias do quilombo, Camila estima que 30% estejam sem trabalho. “Temos pessoas em situações muito críticas, inclusive com pessoas passando fome”, alerta.
Adaptação forçada
Graduada em Moda, a micro-empreendedora individual, Débora da Silva, viu os pedidos despencarem. O negócio era destinado para roupas de festa, casamentos, formaturas e debutantes. Justo no setor de festas, um dos mais atingidos pela pandemia. “Parou tudo. Eu fiquei sem saber o que fazer, vendo minha renda despencar”, conta.
O auxílio emergencial do governo federal foi um alento no ano passado. “Foi uma ajuda importante. Havia alguns atrasos nos depósitos. Por vezes não vinha em um mês, depois vinha dois meses. Mas era algo que ia acabar.”
Sabendo que o benefício era temporário, precisou se reinventar. Passou a costurar roupas mais usuais, para o dia a dia. Também passou a atuar na educação do curso de Moda. Mesmo assim, com as duas atuações profissionais, a renda ainda é menor do que o período antes da pandemia.
Sem auxílio
Ivone Noll, 55, recebe em torno de R$ 800 por mês na venda de materiais recicláveis. Com este dinheiro, sustenta a casa e um casal de filhos. Apesar de se encaixar nos critérios para o auxílio emergencial, ela não conseguiu o benefício. “A vida está mais difícil. A comida está mais cara.”
FOME NO PAÍS
• Pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) aponta que 116,8 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar.
• A pandemia deixou
19 milhões
com fome
em 2020, atingindo 9% da população nacional. Maior taxa desde 2004, quando essa parcela tinha alcançado 9,5%.
• O número representa quase o dobro do visto em 2018, quando o IBGE identificou 10,3 milhões de pessoas nessa situação.