Após um ano, comunidade tenta superar o trauma

Chacina em Sério

Após um ano, comunidade tenta superar o trauma

Em um domingo à tarde, Vanderlei Matthes entrou armado no salão da comunidade, matou três pessoas, feriu outras cinco e morreu em confronto com a Brigada Militar. Um ano depois, parte dos moradores já deixou o local, e os que ficaram buscam meios de lidar com o sofrimento

Após um ano, comunidade tenta superar o trauma
Salão comunitário onde ocorreu a tragédia permanece fechado. Espaço era único ponto de encontro dos moradores de Arroio Abelha aos fins de semana (Foto: Felipe Neitzke)
Vale do Taquari

Dor, saudade e a vontade de apagar da memória o dia 3 de novembro de 2019. Esses são os desejos de amigos, familiares e sobreviventes da chacina no salão da antiga Associação União de Arroio Abelha.

A chacina de Sério completa um ano. Hoje parte dos moradores já deixou o local, e os que ficaram buscam meios de lidar com o sofrimento.

Evandro Schmitz conseguiu fugir enquanto Vanderlei recarregava a pistola (Foto: Felipe Neitzke)

“Por mais que tente esquecer todo o ocorrido e focar no futuro, esse atentado faz parte do meu presente. Cada vez que fecho os olhos, passa um filme pela minha cabeça”, conta um dos sobreviventes, Evandro Schmitz, de 32 anos.

Ele esperou o autor dos disparos recarregar a pistola para sair correndo do salão em busca de ajuda. “Não sei como tive essa reação, pois tinha certeza que era também o meu fim.”

Schmitz é um dos poucos que ainda permanecem na localidade. “Daquele dia em diante passei a ver a vida de outra forma. Comecei a valorizar mais as pessoas do meu entorno e trabalhar para ocupar a mente”, relata.

Vazio na comunidade

O salão não foi mais reaberto. “Voltei uma vez lá, o lugar passa uma energia muito ruim. Até nem gosto de falar sobre o que aconteceu”, diz Schmitz.

Artêmio Foster mora na localidade faz dois anos. Não estava no bolicho no dia da chacina. Atualmente, arrendou a área no entorno do salão para produção agrícola.

“Era o único ponto onde o pessoal se reunia nos finais de semana. A comunidade vive essa dor de perder pessoas do bem, que não faziam mais que trabalhar.”

A chacina de Sério completa um ano. Hoje parte dos moradores já deixou o local, e os que ficaram buscam meios de lidar com o sofrimento.

Ontem, Sérgio Schmitz prestou sua homenagem às três vítimas (Foto: Felipe Neitzke)

Sérgio Schmitz era amigo de César Verruck – uma das vítimas do atentado – e hoje responsável pela produção de suínos na propriedade do falecido. “Assim que o Evandro avisou do ocorrido, fomos ao salão. Ainda na porteira avistamos o Vanderlei empunhando a arma. Ficamos aguardando, em dez minutos chegaram as primeiras viaturas policiais e houve intensa troca de tiros”, recorda.

Na tarde de segunda-feira, 2, foi ao cemitério prestar sua homenagem junto ao túmulo das três vítimas da chacina. “Esse crime deixou um vazio muito grande na comunidade. São poucos que ainda persistem e têm forças em permanecer por aqui”, comenta.

“Pedi ao meu filho que parasse”

Dos que ainda moram na localidade estão os pais do atirador. Valdemiro Matthes, 59 e Lourdes Matthes, 50. Até hoje, não entendem o que passou na cabeça do filho Vanderlei em atirar contra os frequentadores do salão, pessoas do convívio diário.

Valdemiro foi atingido por três disparos. Perdeu parte dos movimentos do braço esquerdo e a sensibilidade nos dedos do pé. No peito, a cicatriz de um dos projéteis.

A chacina de Sério completa um ano. Hoje parte dos moradores já deixou o local, e os que ficaram buscam meios de lidar com o sofrimento.

“Não tem justificativa o que ele fez, mas era meu filho”, diz Lourdes Matthes, mãe do atirador (Foto: Felipe Neitzke)

“Eu ainda pedi ao meu filho que parasse de atirar. Quando me acertou, acabei caindo e fiquei deitado junto ao corpo do César. Enquanto ele recarregava a pistola, alguém me puxou e nos jogamos para dentro da churrasqueira. Saí de lá quando a polícia entrou”, recorda o pai do autor dos disparos, vítima do próprio filho.

Em casa, Valdemiro lembra do filho como uma pessoa dedicada ao trabalho. “Ele nunca demonstrou ser agressivo. Vivia na dele, era quieto e não gostava de sair. Recém tinha trocado a moto. Trabalhava comigo no fumo e fazia alguns bicos por aqui.”

Apesar da gravidade dos atos do filho, Lourdes lamenta que não teve a oportunidade de se despedir de Vanderlei. “Não deixaram sepultar ele aqui na comunidade, foi levado ao cemitério municipal de Sampaio. Agora na semana de Finados fomos levar flores. Não tem justificativa o que ele fez, mas era meu filho”, diz Lourdes.

Círculos para romper o silêncio

Um mês após a tragédia, a administração municipal procurou o Ministério Público para buscar sugestões de como lidar com o trauma da população.

“Nos procuraram muito preocupados com a repercussão na saúde mental naquela comunidade, que estava muito assustada e abalada”, afirma o promotor Sérgio Diefenbach.

A chacina de Sério completa um ano. Hoje parte dos moradores já deixou o local, e os que ficaram buscam meios de lidar com o sofrimento. Foi adotado o método de círculos de construção de paz, onde que as pessoas reúnem-se em uma roda, com ajuda de um facilitador. O objetivo é construir um espaço em que elas sintam-se seguras para contarem suas histórias.

Instrutora da Justiça Restaurativa da comarca de Lajeado, Tânia Rodrigues capacitou profissionais da rede de assistência do município e participou de dois círculos com famílias afetadas pela chacina.

O trabalho foi interrompido em março, em função da pandemia. Mesmo em poucos meses, foi possível perceber alguns resultados positivos. Famílias conseguiram romper o silêncio e compartilhar os sentimentos.

“Teve uma pessoa inclusive que mudou a forma de agir. Estava muito deprimida, mas conseguiu sair do sofrimento do luto e até usar roupas coloridas. Foi um movimento positivo”, afirma Tânia.

Relembra o caso da chacina de Sério que completa um ano

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