Natural de Capoeirinhas, interior Relvado, Antenor Gonzatti é um empreendedor nato e uma das personalidades mais marcantes da microrregião. Desde o início da adolescência ele negociava animais e alimentos produzidos na propriedade da família e ainda jovem abriu um mercado na localidade.
Gonzatti administrou a “bodeguinha” por 12 anos antes de se mudar para Encantado com intenção de crescer. Na cidade, ele foi dono de um restaurante, uma oficina mecânica e abriu o Supermercado AGF.
Hoje, o negócio instalado no bairro Planalto atende clientes de 22 municípios em uma área de 5 mil metros quadrados, entre loja e depósito. Além dos negócios, Gonzatti também é reconhecido pela atuação comunitária e de apoio à entidades, além de ter um programa diário de rádio, onde imortalizou o bordão “Alô, Alô meu Relvado.”
– Quando o senhor descobriu a vocação para o empreendedorismo?
Antenor Gonzatti – Eu tenho 50 anos de bodega, mas tudo vem lá do começo da minha história. A família morava em Encantado e minha mãe era uma senhora muito doente. Como ela sofria de asma, os médicos mandaram morar nas alturas porque não tinha tanta umidade. Então nos mudamos para o interior de Relvado, em Capoeirinhas, onde nasci, 73 anos atrás.
Minha mãe ficou bem por três anos, mas veio a falecer quando eu tinha seis meses de idade. Fui crescendo criado pelas minhas irmãs, meus irmão, minha madrasta e meu pai, que casou de novo. Éramos entre nove filhos, seis já falecidos. Quem me adotou na verdade foi o meu irmão Germano, que ainda vive e eu não sabia o que fazer para ajudar ele. Sempre fui um guri com vontade de estudar e vencer. Um dia fui para Porto Alegre com o meu cunhado para vender uma terneira, pois tinha esse espírito de empreendedor. Com 14 anos, fiz um negócio e meu pai estava perto. Ele viu a minha negociação e me incentivou.
– Como foi essa negociação?
Gonzatti – Eu tinha uma novilha e vendi em troca de um boi, que era o dobro do peso da novilha. Ainda ganhei um bom dinheiro de volta. Depois que fiz o negócio meu pai perguntou o que eu tava fazendo. Eu disse: “Pai quero que tu me diga se eu fiz certo. Porque se eu fiz certo vou continuar. Se eu estou errado, vou parar”. Ele me disse que se eu comprasse um terneiro por cinco reais e tivesse alguém interessado em comprar por 20, seria um empresário bem-sucedido. Assim comecei a negociar coelho, galo caipira, pomba, negócio de gurizada. Mas tinha a pretensão de um dia ser empresário. Em 1969, o pai faleceu em março, e em maio vim trabalhar no Hotel Turatti em Encantado, porque queria conhecer coisas diferentes. Eu já havia servido o quartel, mas tinha a pretensão de chegar em um patamar maior. Com 22 anos e ainda solteiro, decidi começar com a bodega.
– De que forma o senhor iniciou o mercado?
Gonzatti – Eu vendi uma terneira e meu cunhado, Aldo, tinha um caminhão tanque com o qual puxava combustível. Fui com ele para Porto Alegre com o dinheiro da terneira com a intenção de comprar sal amoníaco, um fardinho de polvilho e um de Maizena, para vender por quilo. A balança era com contrapesos de 200g, meio quilo. Eu fiz a inscrição, mas ninguém quis me avalisar o ICMS, porque eu ainda era um guri. Era uma bodeguinha de cinco por oito metros, mas o que não podia faltar era cachaça, cigarro e fumo em corda. Fiquei lá por 12 anos, entre 1969 e 1981. Me casei, tive meus filhos e trabalhamos muito, eu e a minha mulher Lourdes. Ela lecionava de manhã, estudava de tarde em Relvado e lecionava de noite no mobral. Quando voltava, ainda ficava todos os dias da semana até 3, 4 horas da manhã na bodega porque o pessoal jogava snook e tomava trago a noite toda. Nesse tempo, quando ela voltava das aulas, eu ia para o paiol descascar milho. Na época eu tinha 80 porcos com mais de 250 quilos. Depois que eu voltava do paiol, a mulher ia dormir e eu ficava cuidando da bodega. Assim foi por 12 anos, com muitas histórias.
– Qual a história que mais lhe marcou?
Gonzatti – Uma vez brigaram dentro do mercado e veio a polícia de Relvado e prendeu a mesa. Era de noite e chegaram uns tropeiros de Nova Bréscia, os Faleiro, que queriam jogar sinuca. Eu disse que as bolinha não estavam ali. Então eles quiseram compra a mesa. Me interessei em um cavalo grande que eles tinham, porque um compadre meu queria um cavalo para carga.
Eles pediram 50 pila de volta pelo cavalo, mais a mesa. No fim eu pedi 50 de volta e negociamos assim. Eles jantaram e vieram tomar trago de novo. Eu levei o cavalo para a varanda e ele começou a comer terra. Era totalmente cego. Eles pegaram a mesa e quiseram jogar mas não tinha as bolinhas, que estavam presas em Encantado. No fim eles me questionaram porque eu não tinha falado que a mesa não tinha bolinha. Eu disse: mas vocês não me falaram que o cavalo era cego No fim, desmanchamos o negócio.
– Porque o senhor decidiu mudar para Encantado?
Gonzatti – Eu estava indo bem com a bodeguinha. Tudo dava certo e comprei a terra dos meus outros irmãos. Meu irmão Germando tinha nove filhos e um dia eu disse daria minha terra para ele trabalhar, arrendaria por 30% do produzido, quando o normal era 40%. Em um sábado de tarde, depois que ele colheu o milho, eu vi toda aquela gurizada ao meu redor, os meus sobrinhos. Falei para o Germando que não iria ficar com o milho, que podia levar tudo. Mas disse para ele comprar a terra. Eu falei que iria embora, porque queria crescer um pouco mais. Em Capoeirinha, na época, quando uma pessoa comprava um vidro de Nescafé, só ia pagar depois da colheita. Então a gente recebia uma vez por ano. Disse para o meu irmão que não queria dinheiro, que ele pagaria quando pudesse e com juro pela metade do mercado. Dei um conselho: plantar fumo. No primeiro ano com o dinheiro do fumo, ele pagou toda terra e construiu uma casa nova. A terra era muito fértil e ele foi muito bem. Eu decidi sair, mas me dava bem, e me dou bem demais até hoje com todo o povo de Capoeirinha e Relvado. Tenho amizade com todos, mas precisava crescer um pouco mais.
– Como foi a mudança?
Gonzatti – Vim para Encantado em 1981. Mandei construir uma casa de 14 metros por oito, com banheiro. Era um orgulho ter banheiro dentro de casa, porque no interior era um buraco no meio das capoeiras. Na época eu saia com quatro latas de tinta de cinco quilos lá do Moinho Brasil e vinha a pé com elas na mão porque não tinha dinheiro para pagar táxi. Quando chegava na venda, parecia que iria perder as mãos. Sempre pensei em não ter pressa para crescer, ser honesto, humilde e sincero, mas eu tinha coragem. Minha esposa e meus dois filhos me ajudavam na venda, eles desde os seis anos de idade. Tinham tempo para estudar, jogar bola, e trabalhar para ajudar o pai e a mãe. Em 1983 comprei o restaurante Santa Cruz. Depois montei uma oficina e cuidava de três coisas, a oficina, o restaurante e o meu mercado.
– Quando o mercado começou a crescer?
Gonzatti – Tenho que falar do Miro Valér, de Nova Bréscia. Quando eu morava em Capoeirinha ele ia comprar gado em Anta Gorda, Ilópolis e parava lá com os bois. A gente dava comida para o gado e pouso para ele, que sempre dizia que ainda iria me ajudar. Ele tinha um açougue, depois botou um mercado, e teve a coragem de comprar uma carreta 608. O Miro começou a ir para Porto Alegre e eu ia junto. Aí o negócio estourou, porque a gente trazia novidades. Depois, eu e ele entramos na rede Somar, que era do Governo, éramos os únicos da região. Em 1987 eu construí três apartamentos separados, um para cada filho. Já vi casos do pai deixar dinheiro ou terra e não dar certo. Dei para eles o estudo, carro e a casa. Tudo o que tenho é invendável, inclusive os apartamentos, que vão ficar para os netos. Estamos indo bem, todos com saúde e trabalhando bastante.
– Quais foram as principais dificuldades ao longo desses anos?
Gonzatti – Foi difícil quando perdi o restaurante. Estava indo bem, mas meu sobrinho quis comprar. Eu tinha alugado o mercado, tinha a oficina e estava construindo, mas deu tudo errado naquele ano. Mais uma vez comecei tudo de novo, do nada. Vendia quatro pães e quatro litros de leite por dia. Mas sempre com humildade. Dizia para mim mesmo: aceita, que Deus vai te dar as coisas com amor. Importante é nunca carregar ódio porque o bem sempre vence. Nunca tive grandes dificuldades, porque não gosto de pegar dinheiro nos bancos. Meu pai sempre dizia, se você pegar R$ 100 ou R$ 1 milhão no banco, no outro dia está devendo juros. Se dá uma zebra, quando você vai conseguir pagar? Aí tem que vender o patrimônio que conseguiu lá atrás. Meu conselho é primeiro não ter dívida, não gastar mais que recebe. É melhor comprar a vista com desconto. O juro continua dia e noite.
– Quais são os seus planos para o futuro?
Gonzatti – Gosto de viajar e estou me preparando para conhecer Israel. Já conheço a Itália, México, Porto Seguro, mas sinceramente, eu gosto da minha casa, dos meus vizinhos e da minha família. Eu tenho 73 anos e não quero mais me envolver em negócio grande. Esse dias meus guris tiveram a ideia de comprar um posto de combustível, eu fui contra. Imagina fazer uma dívida extrapolada e depois ter que trabalhar para pagar. Depois, se dá alguma zebra, tem que tirar do que dá certo. Penso em seguir trabalhando sempre dentro do que eu posso e é muito difícil decidir montar algum outro negócio.
– Que conselho o senhor daria para pessoas que sonham em empreender?
Gonzatti – Tive funcionários que saíram do mercado para botar uma padaria em Porto Alegre. Eu achei 10, mas disse que eles iriam trabalhar muito. Aqui no mercado eram oito horas por dia, metade no sábado. Disse que eles teriam que se dedicar 18 horas por dia. Tem que chegar cedo na segunda-feira, trabalhar no domingo, vender teu produto no banco, no advogado e no consultório médico. Não precisa ter medo, tem que sair e vender o que você produz. Eu trabalho muito, porque cuido do mercado. Se precisar limpar o chão, eu limpo. Quem chegar aqui não vai me ver de gravatinha, com gente me chamando de senhor. Eu sou Antenor Gonzatti, amigo de todos. Respeito todo mundo, trato com carinho, ajudo quem posso e assim vou seguindo.