Antes restrita aos centros urbanos, a criminalidade avançou e tem levado pavor ao campo. Com o sinal de telefone e internet precários, aliado ao pouco policiamento, devido ao reduzido efetivo, organizados em quadrilhas, bandidos passaram a atacar famílias e a roubar animais, maquinários, a produção e defensivos agrícolas.
A segurança da família, da propriedade e do patrimônio é o argumento usado por produtores que pretendem se valer do decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro que os incluiu na flexibilização da posse de armas de fogo.
O produtor Nilson Bozzetto, 55, de Boqueirão do Leão possui armas de fogo registradas desde 1983. Ele defende a posse e o porte a quem estiver devidamente treinado e habilitado. “É uma forma de defesa, ainda mais para nós agricultores que moramos em uma região afastada do centro e com pouco policiamento”, relata.
A família de Bozzetto cultiva 100 mil pés de tabaco e investe na piscicultura. “Um tiro ao alto alerta e inibe pessoas mal intencionadas. Aliás as armas liberadas são de calibre muito menor que as utilizadas por criminosos”, opina.
Nilson prestou o Serviço Militar onde teve o primeiro contato com armas e participou de diversos treinamentos, os quais considera fundamentais para fazer o manuseio correto.
Concorda com as exigências para renovar a licença onde é incluído o exame psicotécnico. “Em mãos erradas a arma pode ser fatal. Nem todos estão preparados para ter uma em casa”, alerta.
Proteção ao patrimônio
O avicultor de Travesseiro, que prefere ter a identidade preservada, entende ser primordial o acesso ao posse de armas para defender o patrimônio. Na comunidade onde mora, o sinal de telefonia celular e de internet é precário. Já o policiamento somente ocorre quando é solicitado.
Diante do cenário, decidiu comprar uma arma para se defender de possíveis ações criminosas. “Somos alvos fáceis. Os bandidos sabem que quase todos os agricultores estão indefesos”, observa.
Ele aprendeu a manusear a arma ao lado do pai em caçadas. Da mesma opinião compartilha um produtor de Forquetinha. “Trabalhei a vida inteira para conseguir comprar carro, moto, construir minha casa e a granja de suínos. Preciso proteger isso e de mãos vazias isso não é mais possível”, defende.
Cita que na cidade o efetivo da Brigada Militar é baixo e este faz a segurança dos bancos e escola na área central. “Patrulha só quando chamamos. Estamos totalmente desprotegidos e não é culpa deles. Portanto, ter uma arma ajuda a coibir a ação de bandidos”, finaliza.
O campo não pode esperar
Para o deputado federal Afonso Hamm (PP-RS), autor de um projeto que prevê a liberação do porte aos produtores, de acordo com dados da Farsul, os prejuízos causados por roubos, furtos e assaltos no campo ultrapassam R$ 70 milhões por ano, sem contar os riscos à saúde pública ocasionados pela venda de carne sem procedência. “Não podemos fechar os olhos para o fato de que os delitos são praticados contra pessoas, na maioria das vezes, indefesas. Estruturas organizadas atuam com armamento pesado, frota de veículos e sistema de comunicação”, comenta.
Na semana passada os senadores aprovaram o projeto de Lei nº 224/2017, que reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para posse de arma de fogo em propriedade rural. Além disso, alteraram o texto e retiraram a limitação de apenas uma arma por proprietário.
A medida segue agora para análise da Câmara dos Deputados.
Vidas em risco
A flexibilização da posse e porte de arma aos agricultores é vista com preocupação pelo comandante da Brigada Militar de Boqueirão do Leão, Eduardo Flores. Para ele, pode colocar vidas em risco. “Numa discussão de vizinhos ou parentes, no calor do momento e tendo uma arma à disposição, pode resultar em uma tragédia”, observa.
Ele vê no cercamento eletrônico e na implantação de câmeras de videomonitoramento uma alternativa para coibir os crimes, tanto no centro como no meio rural. “Colocar armas na mão de pessoas sem o devido preparo não contribui no combate à criminalidade”, defende.
Para coibir a ação de criminosos, foi retomada a Patrulha Comunitária do Interior (PCI). “Qualquer ação suspeita na propriedade é preciso informar à polícia. Não recomendamos reagir ou agir por contra própria”, orienta.
“Produtor tem de se defender sozinho”
Para Carlos Frederico Ribeiro, coordenador do Instituto Confederação Nacional da Agropecuária (CNA), não existe uma política de segurança voltada para o meio rural. “A maioria dos produtores ficam em lugares ermos, geralmente sem patrulhamento, alguns não tem nem conexão com a internet ou sinal de celular para poder pedir socorro. É realmente uma situação preocupante”, diz.
Defende que as boas práticas de segurança pública para o meio rural comecem, em primeiro lugar, por segmentar o que é crime rural e o que é crime urbano. “Assim, podemos ter estatísticas e iniciar um trabalho com inteligência no campo”, afirma.
Segundo Ribeiro, considerando a importância econômica do setor, o produtor acaba tendo que se proteger sozinho, o máximo possível, aponta.
“Medidas não resolvem”
Para Isabel Figueiredo, advogada e conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a insegurança nas áreas rurais é uma questão real, no entanto, entende que o governo, em vez de compreender quais são os movimentos de criminalidade e violência no campo e elaborar uma política pública para o tema, aposta em medidas que simplesmente não resolvem o problema. “A própria extensão da posse de arma em propriedade rural, aprovada no Senado, já havia sido contemplada no decreto 9.845, em seu artigo 4.º. Do ponto de vista de institucionalidade, do trâmite legislativo e a separação dos Poderes, é o caos instaurado”, afirma.
Já do ponto de vista do mérito, chama atenção que este é um governo o qual ainda não disse a que veio em relação à política de segurança pública, observa.
Para ela, inexiste necessariamente risco maior de ocorrências pelo fato de o proprietário ter 21 anos em vez de 25. A questão central é que sempre existe um risco. “A presença da arma de fogo numa ocorrência sempre aumenta a chance de que a situação se torne muito mais violenta e diversas pesquisas mostram que é”, argumenta.