Camille foi a primeira mulher a receber o título de empresária do ano da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), em 2016.
Neta do fundador da indústria, Aurélio Bertollini, passou a infância na fábrica onde ajudava a confeccionar caixas de papelão. Após concluir os estudos em Porto Alegre, atuou por sete anos no sistema bancário antes de retornar à empresa da família.
Hoje, a Gota Limpa possui uma linha com mais de 200 produtos distribuidos em sete estados brasileiros, além de países da África e da América do Sul.
Como começa a história da Bertolini?
Camille Bertolini Di Giglio– Começou com o meu avô em outubro de 1966. Na época, uma cooperativa de Roca Sales estava se desfazendo de tachos e alguns poucos equipamentos para fazer sabão em barra. Um cunhado do meu avô ficou interessado nesses equipamentos. Meu avô era comerciante e tinha um caminhão que levava produtos daqui para a Fronteira, e trazia produtos daquela região para o Vale. Eles se juntaram e começaram a fazer sabão. Faziam, colocavam os sabões no caminhão e saíam para vender. No início compraram tábuas de madeira para fazer o prédio e decidiram não cortar as tábuas porque se a empresa não desse certo, pelo menos teriam as tabuas inteiras para vender e minimizar os prejuízos. Quando a empresa estava com dois anos, meu pai, Jurandir Bertolini, ingressou. Antes, ele tinha tentado a vida em Esteio como comerciante, era sócio de um armazém de secos e molhados.
Quando a Bertolini ampliou a linha de produtos?
Camille – Um dos pensamentos da empresa é sempre dar os passos com sustentabilidade, e crescer conforme consegue. Por isso, em 1999 começamos a perceber a necessidade de não fazer somente os sabões em barra, porque a tendência de consumo era a substituição por produtos que fossem mais práticos. Naquele ano lançamos o detergente líquido, depois o amaciante de roupas, desinfetante, água sanitária e fomos criando uma nova linha dentro dessa cultura de consumo massivo. Meu irmão Moisés entrou em 1999, quando se formou em Engenharia Química, e começou a mexer nos processos produtivos.
De que forma começou a sua relação com a empresa?
Camille – Desde muito pequena eu estava na fábrica. Ajudava na confecção de caixas de papelão onde acondicionávamos os produtos e fazia algumas tarefas, ainda criança. Faz 15 anos que eu retornei para a empresa, em 2004. Eu tinha me formado em Administração de Empresas, era gerente de contas de pessoa jurídica em um banco e estava fazendo MBA em Gestão Empresarial, e morava em Porto Alegre. Não via mais perspectiva de crescimento no banco. Em uma conversa com meu namorado na época e atual marido, ele disse que eu teria um laboratório para colocar todo o meu conhecimento. Comecei a atuar na parte financeira, trazer financiamentos para que a empresa pudesse investir um poco mais e fiz projetos para o Fundopen. A partir de 2010 me envolvi mais com área comercial, primeiro com a parte da exportação.
Quais foram os desafios desse retorno à empresa da família?
Camille – O mais interessante foi que, antes de voltar, recebi um não. Conversei com meu pai e ele disse que eu não ia trabalhar na Bortolini porque ainda era uma indústria pequena. Como meu irmão já estava lá dentro, ele tinha medo de não ter condições de sustentar a empresa com duas pessoas formadas. Sou bastante teimosa e persistente. Conversei com meu irmão e ele me apoiou, porque havia muita coisa para ser feita e seria bom ter mais uma pessoa trazendo conhecimento técnico para colocar em prática. As barreiras foram muitas, porque meu pai comprava, vendia, cuidava do administrativo, da contabilidade e eu trazia conceitos novos para a empresa. Hoje nós construímos juntos os conceitos da empresa. Também senti resistência por ser mulher.
É mais difícil para uma mulher vencer no mundo empresarial?
Camille – Sem dúvida. O mundo dos negócios ainda é muito masculino. Muitas vezes os homens falam coisas para outros homens, mas não falam para mim. Porque ainda tem aquele respeito e um pouco de medo por ser mulher. Além disso, nós mulheres somos muito cobradas por outras tarefas, como cuidar da família e dos filhos. Quando uma mulher viaja à trabalho, precisa deixar a rotina da família toda organizada. Claro que ter um marido que é um pai presente ajuda muito, assim como os avós que participam. Nas minhas primeiras negociações eu senti um pouco. Lembro da primeira vez que fui para a fronteira com uma colega também jovem. Eram duas gurias para negociar e muitas vezes a gente não sabia nem como começar aquela conversa. A gente precisa acreditar nesse sonho e buscar a realização. O mundo ainda é machista e temos muitas barreiras para derrubar, mas já conseguimos muito espaço.
Qual foi o fator que desencadeou o crescimento da empresa nos últimos anos?
Camille – A empresa foi se estruturando. Em 2009 nós colocamos uma torre de sabão em pó, toda automatizada e fomos crescendo cada vez mais. Em 2013 percebemos que não estávamos muito bem, principalmente na parte financeira. Tínhamos passado por um forte crescimento onde investimos muito dinheiro. Na época, toda a produção, comercialização e entrega era nossa, e era muito caro manter toda essa estrutura. Então, nós procuramos uma consultoria que pudesse nos ajudar a repensar e ver onde poderíamos melhorar. Começamos a vender caminhões e trabalhar com uma frota mista e começamos um processo de terceirizações. Junto com isso vieram todos os meios de controles que a gente ainda não fazia, trabalho com custos e gestão do orçamento então. Foram ferramentas de gestão que deram super certo e trouxeram resultados muito bacanas. Também investimos em mostrar mais os produtos por meio do marketing. Fomos crescendo e tomando corpo até alcançar o patamar que estamos hoje no mercado.
Como é para uma empresa do interior do RS concorrer em um mercado tão disputado?
Camille – Estamos em um município bem pequeno de 3 mil habitantes, mas se pensarmos geograficamente, estamos a 200 km de 68% do mercado ativo do Rio Grande do Sul. Temos boas rodovias para escoar nossos produtos e receber as matérias-primas. Com a internet auxiliando, hoje em qualquer local é possível buscar inovação. Estar em um município pequeno nos ajuda porque temos acesso a uma qualidade de vida muito grande. Temos profissionais com bastante tempo de casa e que conhecem todo o processo há muito e nos dão garantia de qualidade. Além disso, a gente se envolve com a comunidade e percebe que o município cresceu também em função do que foi gerado pela empresa. Isso é muito gratificante. Quando eu era criança, na faixa dos 10 a 12 anos, sempre imaginei que haveria um movimento maior de pessoas se mudando para o interior. Hoje a gente vê muito esse retorno, justamente pela busca da qualidade de vida. Essa é uma tendência que vai se fortalecer cada vez mais.
O que é preciso para ter sucesso no mundo dos negócios?
Camille – Precisa ter dedicação, estudar e se preparar. Também é importante ter um planejamento organizacional, saber onde quer chegar e como vai fazer para chegar lá. Hoje, a transparência é fundamental, assim como cumprir os acordos. Sempre digo que prefiro receber uma canelada do que levar uma bola nas costas. Ou seja, a gente não pode sair fazendo coisas que não foram acordadas anteriormente, seja com o profissional que trabalha contigo ou com o teu consumidor. Ter persistência, porque o sucesso não vem de uma hora para outra. É importante saber porque quero alcançar os objetivos, se é algo que realmente sonhei ou porque outra pessoa conseguiu. É preciso ter isso bem claro, porque eu posso ser uma excelente empresária e uma excelente mãe. Posso ficar um tempo focada mais na minha família e nos meus filhos e depois iniciar uma caminhada no empreendedorismo. Se você acredita no teu sonho, vai lá e faz.
THIAGO MAURIQUE – thiagomaurique@jornalahora.inf.br