Everson Dias, de Teutônia, aguarda ansioso a autorização para expandir as vendas da agroindústria de embutidos para outras cidades. A adesão ao Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (Susaf/RS) foi assinada em novembro pelo município.
Por semana, são processados 700 quilos de carne, destinados à produção de torresmo, banha, linguiça e salame. “Após a liberação, pretendo triplicar as vendas e aumentar a produção”, projeta.
Enquanto aguardava a liberação, desistiu de ampliar o empreendimento para abrir um café colonial. Seriam aplicados R$ 100 mil. A burocracia e a limitação para atender os clientes de outras regiões causam desânimo. “De nada adianta participar de feiras, tentar buscar novos clientes, se após o término não posso vender para eles. Difícil entender certas exigências, mas é lei e precisamos cumprir”, observa.
Em Estrela, os produtores também aguardam pelos trâmites finais para iniciar as vendas para todo o território estadual. A adesão foi oficializada há três semanas. Proprietário da Q-Carne, Ernesto Lohmann está otimista, pois a partir de agora, com a publicação da portaria de adesão de Estrela ao Susaf, está em condições de comercializar para fora do município. “Para todas as nossas agroindústrias será um diferencial, vai incrementar os negócios”, afirma.
“Por falhas, somos prejudicados”
Em Lajeado, auditoria da Secretaria da Estadual da Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seapi) apontou falhas no Sistema de Inspeção Municipal (SIM) e o serviço foi suspenso em junho deste ano.
A situação gera críticas por parte dos empresários locais. Eles questionam as exigências e a demora nas liberações para colocar os negócios em funcionamento.
Conforme a proprietária da Indústria de Embutidos São Bento, Janete Pflugseder, a situação se agravou a partir do descredenciamento do município ao Susaf, que impede a liberação local das empresas para vender para outros municípios. “Fizemos investimentos e melhorias, recomendadas pelo SIM, com a promessa de que conseguiríamos o Susaf e ampliar as vendas. Por falhas, somos prejudicados”, lamenta.
Janete teme pelo futuro da empresa. A situação coloca em risco a permanência dos dois filhos na propriedade. “Diante do cenário criado, nem sei se eles pretendem continuar”, desabafa.
Fiscais seguem as leis
Desde junho, após fiscalização da Seapi, Lajeado teve o direito de emitir o Susaf suspenso. O coordenador do SIM, Isidoro Fornari, revela que a auditoria no sistema foi feita depois de denúncias de que havia casos de abigeato e a carne não estava sendo fiscalizada. “Não foram constatadas essas irregularidades. Foi apontado que o processo não estava todo padronizado e, por isso, suspenderam o direito de emitirmos o certificado”, explica.
Segundo Fornari, os ajustes não fizeram a fiscalização parar. São mantidos quatro médicos-veterinários e dois técnicos. No entanto, a liberação é um pouco mais demorada, já que as análises precisam ser enviadas para Porto Alegre.
Na cidade, são 19 empresas de agroindústria familiar. Dessas, três já têm o Susaf, uma está prestes a conseguir por já ter cumprido os requisitos e precisa aguardar a regularização do SIM. Outras duas já requisitaram o certificado, mas precisam fazer ajustes.
Em nota, o governo municipal informa que “está ciente do rigor das exigências legais e da burocracia que recai sobre o empreendedor da área de alimentos que atua na agroindústria de pequeno porte, mas entende que, acima de tudo, está a necessidade de proteger a saúde pública, garantindo à comunidade produtos saudáveis e livres de problemas ou contaminações.”
De acordo com o posicionamento oficial, cabe ao município ser cuidadoso nas avaliações, “usando critérios exclusivamente técnicos para as avaliações, sem flexibilizar a legislação ou facilitar análises que poderiam gerar qualquer tipo de problema de saúde à população.”
O comunicado reforça que a equipe é coordenada por servidora concursada com formação na área específica e que o trabalho realizado tem caráter técnico, como o exigido em lei.
Qualidade limitada
Após mais de 23 anos na informalidade, o casal Milton e Márcia Bazanella, de Colinas, realiza o sonho de legalizar a produção de embutidos, hoje baseada na produção de linguiça e defumados.
O casal desistiu da produção leiteira devido à baixa lucratividade, ausência de mão de obra e altos investimentos. Por semana, são industrializados em torno de 60 quilos de carne.
A baixa quantidade é justificada pela falta de mercado. “Aqui a maioria faz a linguiça colonial. São poucos mercados e como diz o ditado: Santo de casa não faz milagre”, conta Márcia.
O projeto de construir um novo prédio de 200 metros quadrados está parado. Aguardam a adesão do município ao Susaf. A ideia é expandir a produção e o mix de ofertas.
Além de defumados e linguiça, com a abertura de novos mercados na região, pretendem investir na fabricação de torresmo, banha, morcilha e salsichão. “Quando o cliente compra aqui, pode levar para todo país. Se nós atravessarmos a divisa, não tem procedência. Isso é injustificável”, lamenta.
“Se tivesse que fazer de novo, desistiria”
Enquanto oferecia os produtos no estande da Agricultura Familiar durante a Expovale, em Lajeado, Roseli Reginatto, de Relvado, recebia elogios pelo sabor e a textura dos embutidos fabricados desde 2008.
Na época, após administrar durante nove anos uma lancheria em Porto Alegre, decidiu voltar ao interior. Ela e o marido investiram R$ 100 mil na construção de uma agroindústria especializada em produzir torresmo, copa, salame e salsichão.
A legalização levou mais de um ano. São mais de 300 quilos processados por semana. Tudo é vendido em mercados locais ou direto na propriedade.
Roseli critica a falta de organização do SIM e de vontade política. “Poderia duplicar as vendas. Todos perdem, o cliente, a gente e o município. Se tivesse que fazer tudo de novo, desistiria”, observa.
Mudança traz desenvolvimento
Em seis anos, apenas 31 municípios aderiram ao Susaf. Conforme a Secretaria do Desenvolvimento Rural, das 3.215 agroindústrias registradas no RS, 1.189 já têm o certificado do Programa Estadual de Agroindústria Familiar (Peaf) e estariam aptas a solicitar a adesão.
Conforme Jocimar Rabaioli, assessor de Política Agrícola e Agroindústrias da Fetag, as mudanças na legislação aceleram o processo. “Em poucos dias, 19 municípios conseguiram legalizar a venda para todo o estado”, destaca. Rabaioli justifica a demora com base nas leis criadas em 1950, as quais beneficiam grandes grupos alimentares para criar uma reserva de mercado. “Não é possível aceitar que um produto tenha qualidade para ser vendido apenas dentro dos limites da cidade. Ele é fiscalizado, tem procedência atestada e um profissional capacitado assina e libera”, observa.
Entende que as feiras não cumpriam seu papel de abrir novos mercados. “Após o término, ninguém conseguia vender ou atender os novos clientes. A partir de agora, esse segmento vai crescer, incentivar a legalização e gerar novos empregos e renda”, comenta.Observa que a burocracia causou atraso no desenvolvimento dos municípios e aumentou a evasão dos jovens.
Desorganização do SIM dificulta a adesão
Conforme o assistente técnico regional em Agroindústria Familiar da Emater/RS-Ascar, Alano Tonin, o Vale do Taquari tem 215 empreendimentos, dos quais 131 estão legalizados nas esferas sanitária, tributária e ambiental.
A Hora – Quais os motivos que atrasam tanto a adesão ao sistema?
Alano Tonin – Em algumas situações, os municípios não têm o SIM implantado. Esse sistema precisa funcionar por um tempo para ter registros auditáveis. Em outras, ele existe, mas necessita de organização. O médico- veterinário contratado para fazer a parte clínica da cidade responde também pelo SIM, acumula funções e a falta de tempo ou até experiência atrasa todo processo. Até o novo decreto do Susaf, ainda era verificada a equivalência entre os serviços de inspeção. Após as análises dos documentos dos registros do SIM, as agroindústrias eram vistoriadas e, em caso de inconformidades, solicitados ajustes. Em função do número de auditores, cada etapa demorava muito.
Quais os prejuízos aos produtores, governos e consumidores?
Tonin – A impossibilidade de vender além dos limites municipais, a redução do potencial de clientes e a perda de arrecadação. Os consumidores não têm acesso aos produtos já conhecidos e aprovados. Só podem adquirir em feiras e exposições, quando a comercialização é liberada.
Como explicar que o produto tem apenas qualidade durante as feiras?
Tonin – Esse é o grande argumento utilizado para a implantação do Susaf. Não tem sentido esse produto ser comercializado para além do município nessas situações e, terminando as exposições, somente poder ser vendido no município de origem. É preciso levar em consideração que existe um serviço de inspeção, um profissional responsável, tão competente quanto os que estão nas esferas estaduais e federais.
Considerações finais
Tonin – Importante ter tudo em dia, relatórios de vistorias, cópias de análises de água, de produto, comprovação de análise e aprovação de projetos, de rótulos, comprovação de trabalhos de educação sanitária e ambiental, entre outros. Para tudo isso estar em pleno funcionamento, é necessário um profissional contratado com um número de horas compatível. Não basta ter um funcionário contratado, ele precisa ter condições de realizar tudo isso, além da infraestrutura mínima.