A renúncia de Sólon, escolhas e algo a temer

Opinião

Gilberto Soares

Gilberto Soares

Coluna aborda temas do cotidiano, política e economia. Escreve duas vezes por mês, sempre aos sábados.

A renúncia de Sólon, escolhas e algo a temer

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“O sábio não se exibe e vejam como é notado. Renuncia a si mesmo e jamais é esquecido.”
Lao-Tsé (Lao Zi), filósofo da China Antiga

A curiosidade apresentou-me a Sólon, poeta grego e exemplo em forma de renúncia. Aristocrata, viveu de 638 a.C a 558 a.C. e iniciou a série de profundas reformas da pólis ateniense para transformá-la em uma democracia. Não concebeu privilégios ao seu grupo de origem e criou a eclésia (assembleia popular). Ao fim da missão, exilou-se para não se tornar um tirano, como era comum nas cidades-Estado da Grécia. Perpetuou-se como modelo, um espelho.
REFLEXO. O homem novo se vê refletido no mais velho quando percebe o valor da sabedoria como atributo da maturidade. Razão para a administração da democracia ser o campo dos sábios, ensinou Platão. Juventude, riqueza ou vigor são predicados insuficientes para conduzir a República com justiça e fazê-la capaz de contribuir para a felicidade dos cidadãos.
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PORÉM. “Auxílios” a autoridades abundam. Legitimam a indignação geral quando o império da lei se faz convenientemente imperial para dividir o país em castas. Caso do juiz Marcelo Bretas, celebrizado no julgamento dos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro. O rigor granjeou-lhe a simpatia da população afinada com suas sentenças. Afinal, em dobradinha com Sergio Moro, trincara o domo da impunidade que mantém o país do presente preso ao passado colonial. Tudo bem até surgir o “porém” à tocaia das biografias brasileiras promissoras. Aí, embora casado com a juíza Simone Bretas, ignorou a imagem e foi à Justiça para garantir R$ 4.377,73 de auxílio-moradia. Moram juntos e levarão R$ 8.755,46 para o conforto do lar. Mesmo diante da resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contrária ao acúmulo do benefício por juízes que vivam juntos. Melhor seria para Lava-Jato – e para o Brasil – se o magistrado descobrisse Sólon.
CORINGA. Em novembro de 2017, Luislinda Valois, ministra dos Direitos Humanos esperneou para dobrar seus vencimentos. Alegou exercer trabalho análogo ao escravo para receber a alforria de R$ 61,4 mil reais, mensais. Resistiu e pior: desrespeitou uma história de cerca de 350 anos de crueldade e sofrimento. Virou o ano e Cristiane Brasil foi nomeada ministra do Trabalho. Com o aval do pai, deputado Roberto Jefferson, ganhou a vaga. Ainda não levou por alguns probleminhas legais. Começaram com motoristas informais – indenização para um; carteira assinada para outro –, evoluíram para associação com o tráfico e chegaram aos achaques a servidores públicos. O avalista é ex-mensaleiro, virou coringa para o Palácio do Planalto (chama o Batman!) e apropriou-se do fisiológico PTB atual. Memória: no fim do bipartidarismo, essa sigla foi entregue a Ivete Vargas – maquinação do general Golbery para deprimir a força de Brizola. Com a manobra, o partido perdeu as referências históricas e o respeito pela coisa pública. Deu nisso.
QUIETO. Michel Temer revela-se por inteiro nas escolhas de ministros. Entre os mais de 207 milhões de brasileiros, pinça os piores – enrolados com a lei, de preferência. Sua opções o impedem de falar sobre ética na política no ambiente da Justiça. Na abertura do ano judiciário, ouviu impassível a dura manifestação de Cármen Lúcia, presidente do STF. Calado, recebeu o discurso de um auxiliar e quieto ficou. É um político que começa a temer suas próprias palavras.

“Quando conhecemos certos homens, eles se tornam irreconhecíveis.”
De O Sujeito da Frase, livro que escrevi e ainda não publiquei

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