Trombetas, lições da favela e drama social

Opinião

Gilberto Soares

Gilberto Soares

Coluna aborda temas do cotidiano, política e economia. Escreve duas vezes por mês, sempre aos sábados.

Trombetas, lições da favela e drama social

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“Construía-se mal, porém muito; surgiam chalés e casinhas da noite para o dia…”
O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, provavelmente inspirado na episódio do despejo do cortiço Cabeça de Porco
Ferramentas tecnológica devem ampliar nossa capacidade de trabalho e poupar-nos de desgastes. Mas muitas novidades somam aumento aparente de produção com projeto mecânico mal resolvido. Fato recente corrobora minha tese indigente. Recentemente, a empresa encarregada pela limpeza pública de Lajeado trocou as prosaicas vassouras pelos modernosos “sopradores”. O equipamento nas mãos da equipe responsável pelo entorno das Capelas Mortuárias liberou o fragor das Trombetas de Jericó*. Doida sinfonia reforçada por uma empolgada roçadeira. Ainda rirei do arcaísmo das “trombetas” que sopram o lixo para lugar nenhum. Por ora, oro.
ADJETIVO. Em 1893, Cândido Barata Ribeiro ordenou a demolição do cortiço carioca Cabeça de Porco. Milhares de pessoas foram despejadas e conseguiram permissão para morar no Morro da Providência. Em 1897, soldados que haviam lutado em Canudos retornaram e foram viver no mesmo lugar. Levaram consigo o nome “favela”, planta comum na região dos combates. Na adição de penúrias, o Providência tornou-se Favela, além de novo substantivo. A transformação em triste adjetivo seguiu o caminho natural pavimentado pelo desleixo oficial, que só repetiu Barata Ribeiro.
NOVO TEMPO. A oportuna reportagem do repórter Thiago Maurique sobre o Residencial Novo Tempo I (A Hora do fim de semana passado) permitiu traçar paralelos com a história. Nos anos 1960 e 1970, a produção de conjuntos habitacionais esteve associada à remoção de favelas – notadamente no Rio de Janeiro. Sem uma política habitacional e a clara intenção de manter “a miséria,” longe dos bairros nobres, as autoridades desterraram a pobreza e retiraram o Estado do entorno das malocas. O abandono estimulou os emergentes bicheiros a imiscuírem-se na vida pública local. Empreendedores, logo passaram às ações sociais, mecenato nas escolas de samba e patrocínio do carnaval. Uma carreira exitosa até dançarem ante à obstinação da juíza Denise Frossard. Por negligência estatal, os barões do jogo-do-bicho foram substituídos pelos traficantes. Uma vitória de Pirro para a lei e a Justiça.
DRAMA. “Novo tempo dura pouco” é um título exato para o drama atual dos moradores do residencial entregue recentemente. A começar pelas taxas de luz e água inexplicáveis para a dura realidade de quem dá nó em pingo d’água para garantir a sonhada casa própria.
Prefeitura, Caixa e Ministério Público têm de agir rápido. Novo Tempo I situa-se em Lajeado, o banco responde por um programa de governo e o imbróglio pende para caso de polícia. O Rio, pelo pioneirismo, Porto Alegre e tantas outras cidades ensinam o que ocorre quando a omissão divide a sociedade entre “eles” e “nós”. A reportagem mostrou o tráfico no pedaço. Um pouco mais e gruda como craca.
CARTA. A decisão do TRF4, somada à lei da Ficha-Limpa, torna o PT coadjuvante. Mexe fundo na política, pois inviabiliza a candidatura de Lula, que já foi “O Cara” e agora vira carta fora do baralho.
*O Livro de Josué conta como, em 1.400 a.C., os israelitas destruíram os muros de Jericó com o som de trombetas.

“Favela ô/Favela que me viu nascer
Eu abro meu peito e canto amor/
por você/Amor e ódio e muita
vida sem culpa de nada…”
Verso de Favela, do álbum Alegrando a Massa, Exaltasamba, Rappin’ Hood, Edi Rock

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