Exposição ilustra a  realidade indígena

Lajeado

Exposição ilustra a realidade indígena

Os Guarani Mbyá é a primeira obra fotográfica do Brasil que tem coautoria indígena. Mostra está no Sesc

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Exposição ilustra a  realidade indígena
Lajeado

Imagens do cotidiano, de rituais e da perspectiva de vida dos indígenas do RS compõem a exposição Os Guarani Mbyá. Feitas em parceria pelo fotógrafo Danilo Christidis e o índio Vherá Poty, as mais de 50 fotos estão na Galeria do Sesc até o dia 31. O objetivo é dar visibilidade à cultura e ao povo que deu origem ao Brasil.

As imagens foram feitas ao longo de sete anos, em 15 comunidades gaúchas, e já foram exibidas na Argentina, Uruguai, e daqui seguem para outras cidades do interior gaúcho. “Tentamos pensar a fotografia como um espaço para a transmissão de um discurso, para provocar um debate, e finalmente para que as pessoas começassem a entender a riqueza desta cultura. A simplicidade com que vivem, e também os motivos de suas lutas”, explica Christidis.

O projeto surgiu em 2008, e teve andamento a partir de um longo aprendizado. Poty precisou aprender a fotografar, e Christidis a olhar sob a perspectiva guarani. “No início, eu lembro que ele fotografava belas imagens, mas que para mim não tinham significado. Nossa cultura não era aquilo que ele via, estava tudo escondido. Invisível. Teria que buscar fotografar coisas que para ele não existissem, que aí ele entraria na nossa realidade.”

O laço de convívio e amizade criado foi essencial para a construção de ambos os olhares. “Eu tive a oportunidade de ensinar, ao mesmo tempo, tive a alegria de aprender sobre a cidade, e como ela olha para nós. Eu desconhecia como éramos vistos. Muitas vezes somos considerados atrasados, um povo selvagem, mas vi que sabemos muito mais da cidade do que a cidade sobre nós”, relata Poty.

Avanço rumo ao respeito

O aprendizado mútuo da dupla resultou em milhares de fotos. Além das 50 exibidas na exposição, mais de cem estampam o livro homônimo. De acordo com Poty, ambas as plataformas têm possibilitado um diálogo desejado com a sociedade. Ganhos subjetivos, mas percebidos.

“De alguma forma aproxima e desconstrói o pensamento equivocado de muita gente. Conseguimos mostrar a cultura, um povo, uma resistência que precisa ser respeitada. Pois não somos exóticos, mas uma cultura presente muito antes da chegada da cidade. Há mais de 200 etnias indígenas com línguas e culturas diferentes.”

Para Poty, esse espaço ganho, e passo dado, tem extrema importância. Mas não é o primeiro, nem o último na busca por respeito. “Sabemos que a política nacional hoje não apenas fere a lei do povo indígena, mas a lei do cidadão brasileiro. Então isso não é nenhuma novidade para nós. A nossa luta dura mais de 517 anos, e nunca perdemos nossos hábitos e valores. Isso apenas nos coloca na condição de sempre seguir firme na nossa luta pelos direitos.”

 Lançamento da exposição ocorreu na quinta-feira. Obras permanecem no Sesc até o dia 31

Lançamento da exposição ocorreu na quinta-feira. Obras permanecem no Sesc até o dia 31

“Eles se esforçam muito para aprender sobre a gente, mas o Brasil se esforça muito pouco para aceitar e entender o indígena.”

O fotógrafo Danilo Christidis compartilha, em entrevista exclusiva ao A Hora, como foi a experiência de viver em contato direto, por sete anos, com os povos indígenas. Explica como foi possível entender, e a partir de então, vivenciar a cultura guarani.

A Hora – Como surgiu o interesse em trabalhar com os indígenas?

Danilo Christidis – A minha relação com os guaranis começa a partir de um vídeo dos estudantes do Núcleo de Antropologia da UFRGS, que gravaram o desalojamento de uma família guarani, na região de Eldorado do Sul, em 2008. Uma retirada bem violenta, por parte da polícia. Foi um vídeo que me incomodou bastante, me provocou revolta, mais do que isso, me fez perceber que eu poderia de alguma forma, com a fotografia, estar junto dessa luta.

De que forma aconteceu essa parceria entre vocês?

Christidis – Neste mesmo ano em que vi o vídeo, comecei a realizar uma série de viagens com esse mesmo grupo de antropólogos, junto com a liderança da família que havia sido retirada daquele. Nessas andanças, conheci o Vherá Poty na comunidade do Cantagalo, na divisa entre Porto Alegre e Viamão – onde ele vivia na época, estão sempre circulando. Então comecei a visitá-lo, para ensiná-lo a fotografar, mas rapidamente os papéis se inverteram, e eu que me tornei o aluno. Passei a aprender o mundo a partir da perspectiva guarani. Isso resultou na ideia do livro e da exposição.

Quais foram os desafios desse trabalho?

Christidis – Eu acompanhava o Vherá Poty nas visitas às casas dos seus parentes. A partir da convivência, tive uma aprendizagem complexa, que exigiu tranquilidade, sobretudo, para que eu conseguisse fazer com que tudo fosse entendido. O grande desafio da fotografia, nesse caso, foi permitir que o modo deles perceberem o mundo contaminasse a minha forma de percepção. E a partir disso, aí sim, eu me senti à vontade para fazer as fotografias que ilustram o livro e essa exposição.

Você, então, precisou desconstruir o seu olhar. Como foi esse processo?

Christidis – Houve um ponto nessa convivência que foi decisivo para eu compreendê-los. No momento em que eu comecei a perceber duas coisas: a importância do silêncio, de aprender a escutar e identificar o verdadeiro sentido e o significado das palavras.

Por exemplo, o bom dia deles, na tradução real, é: mais uma vez o sol nos desperta, o que descreve não apenas um território, mas a relação entre ambos. Quando eu entendi isso, deixei para trás uma série de entendimentos, e passei a ver sob a perspectiva deles.

Qual o maior aprendizado nessa trajetória?

Christidis – Aprender a escutar e a perceber a felicidade de uma outra forma. No texto de apresentação do livro diz: “Alegrar-se não é divertir-se, é estar tranquilo e saudável, com disposição para algum afazer e para o convívio com aqueles que estão por perto.” O sentido da beleza é evidenciado no modo de vida, que é belo, que produz alegria, que é possibilitada por meio da convivência com a comunidade, num determinado território. Então, alegrar-se é estar inteiro, disposto, para poder estar perto, junto, para poder compartilhar as coisas.

Falta a valorização desse povo?

Christidis – Com certeza. Mas acho que isso acontece muito pelo desconhecimento. Eles têm outra forma de viver, não têm uma necessidade de acumular bens. Nossa lógica de sociedade é completamente diferente. Como eles não fazem parte desse sistema maluco, a gente de certa forma desconsidera, mas na realidade a gente tem muito a aprender. Acho que estamos numa época que beira o colapso, e precisamos escutar quem veio antes da gente. Eles se esforçam muito para aprender sobre a gente, mas o Brasil se esforça muito pouco para aceitar e entender o indígena.

Visitação: segunda a sexta-feira, das 8h às 20h. Sábado, das 8h às 12h. Entrada gratuita

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