Terceirização  muda a rotina dos  trabalhadores

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Terceirização muda a rotina dos trabalhadores

Projeto gera divergências entre sindicatos e patronais. De um lado, críticas a uma possível precarização das condições de trabalho. De outro, otimismo em relação à possibilidade de maior flexibilização nas relações trabalhistas. Texto-base foi aprovado na Câmara dos Deputados por 231 votos a favor, e 188 contra. O texto já foi enviado à sanção presidencial.

Terceirização  muda a rotina dos  trabalhadores
Vale do Taquari
oktober-2024

A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 4302, protocolado pelo Executivo em 1998, quando o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso, e do Legislativo, Michel Temer. Agora, cabe a Temer, alçado a chefe da nação após o impeachment, sancionar a terceirização irrestrita em empresas privadas e no serviço público.

Com a mudança, as relações trabalhistas serão acordadas entre empregados (pessoa jurídica) e empregadores. Férias, horas extras, piso, salário mínimo, vales, auxílios e demais benefícios assegurados pela CLT passam a depender dessa negociação. As alterações geram divergências, principalmente entre as entidades representativas dos trabalhadores e as patronais.

Além da terceirização irrestrita em todas as áreas, inclusive na atividade-fim – hoje o Tribunal Superior do Trabalho (TST) só permite terceirizar a atividade-meio –, a câmara também aprovou o aumento do tempo do trabalho temporário de três para seis meses. Tal prazo poderá ser alterado por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Em relação ás obrigações trabalhistas, o texto aprovado nessa quarta-feira estabelece a responsabilidade “subsidiária” da empresa contratante em relação à responsabilidade da empresa de serviços terceirizados pelas obrigações trabalhistas. Antes da alteração, a lei previa a responsabilidade “solidária”.

Com o novo método, por exemplo, os bens da empresa contratante só podem ser penhorados pela Justiça se não houver mais bens da fornecedora de terceirizados para o pagamento da condenação relativa a direitos eventualmente não pagos. Já na solidária, contratante e terceirizada respondiam ao mesmo tempo com seus bens para o pagamento das causas trabalhistas.

As obrigações previdenciárias, entretanto, devem seguir a regra estipulada na Lei da Seguridade Social, que prevê o recolhimento de 11% da fatura de serviços de cessão de mão de obra a título de contribuição previdenciária patronal. Esse recolhimento é feito pela empresa contratante e descontado do valor a pagar à empresa de terceirização.

O projeto também define que a empresa terceirizada será responsável por contratar, remunerar e gerenciar os trabalhadores. Ainda, caberá à empresa contratante garantir segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores terceirizados. No entanto, a proposta torna isso facultativo a garantia, aos terceirizados, do mesmo atendimento médico e ambulatorial destinado aos empregados da contratante.

Além disso, o texto aprovado exclui cláusulas sobre a forma de fiscalização do recolhimento de obrigações previdenciárias e trabalhistas, e também retira a previsão de multa de R$ 5 mil – por trabalhador prejudicado – por descumprimento dessas obrigações.

“Quarteirização” dos serviços

Outra mudança prevista na legislação trabalhista permite à empresa de terceirização subcontratar outras empresas para realizar serviços de contratação, remuneração e direção do trabalho a ser realizado por seus trabalhadores nas dependências da contratante. Esse artifício, entre parlamentares, trabalhadores e dirigentes patronais, é apelidado de “quarteirização”.

A redação do Senado ainda cria um escalonamento segundo o número de empregados da empresa de terceirização. Para aquelas com até dez empregados, o capital mínimo será de R$ 10 mil; de dez a 20, R$ 25 mil; de 20 a 50, R$ 45 mil; de 50 a 100, R$ 100 mil; e mais de cem funcionários, R$ 250 mil. O texto, também já foi aprovado no Senado, permite a contratação para prestação de serviços entre empresas do mesmo grupo econômico. Assim, ambas podem ser comandadas pelos mesmos controladores.

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Contra

“Um golpe contra o trabalhador”

Opositores à proposta afirmam que as mudanças, de forma gradual, farão com que os empregadores – empresas terceirizadas – passem a substituir a carteira assinada e os direitos trabalhistas ligados a essa por contratos temporários. É essa a posição de Adão Gossmann, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Avícolas e Alimentação em Geral de Lajeado e Região (Stial).

“É um golpe contra o trabalhador. Estão rasgando a nossa CLT. Contratos temporários e terceirizados pagam cerca de 30% menos, dobram os acidentes de trabalho e não respeitam os direitos básicos do trabalhador. Terceirizar é lascar com a vida do trabalhador”, opina, citando que 90% dos trabalhadores resgatados em condições de trabalho análogo ao escravo são terceirizados.

Hoje, segundo Gossmann, são mais de seis mil pessoas vinculadas ao Stial. Todas trabalham por meio da CLT. “Eles anunciam que com a mudança será possível aumentar salário. Mas não colocam nessa conta todos os benefícios perdidos. Agora, não sabemos qual será o destino desses seis mil trabalhadores. Se forem terceirizados, e o patrão não pagar, quero ver como irão cobrar”, reclama.

Para o presidente do Sindicomerciários de Lajeado, Marco Daniel Rockembach, a mudança permite que empresas descumpram as normas coletivas estabelecidas pelos sindicatos. Entre essas, cita benefícios como auxílio-creche e auxílio-doença.

Ele rechaça a informação de que a terceirização gera melhor remuneração. “É algo óbvio. A prestadora de serviço contratada pela empresa precisa de lucro. Logo, vai pagar menos ao funcionário. O mais fraco sempre perde.” Ainda sobre as promessas maior oferta de emprego, faz um alerta. “O que vai ocorrer é que as empresas vão demitir quem tem CLT para recontratar via MEI, ou cooperativa, pagando menos. Isso gera, de fato, mais subemprego.”

Segundo Rockembach, já houve casos de médicos arrependidos de terem migrado de um emprego via CLT para uma cooperativa de profissionais terceirizados. “Eles mudaram de regime pensando em ganhar mais. Mas, tão logo perceberam que estavam perdendo todos os direitos básicos, como 13º salário, horas extras e férias, e o único direito era o de trabalhar, se arrependeram.”

Em Lajeado, por exemplo, cerca de 20% dos mais de 10 mil empreendimentos comerciais são Microempresas Individuais (MEIs). Em todo o país, mais de 50% dos MEIs estão inadimplentes e, hoje, não conseguiriam acesso aos benefícios previstos pela lei

Em Lajeado, por exemplo, cerca de 20% dos mais de 10 mil empreendimentos comerciais são Microempresas Individuais (MEIs). Em todo o país, mais de 50% dos MEIs estão inadimplentes e, hoje, não conseguiriam acesso aos benefícios previstos pela lei

A Favor

“É viável em algumas empresas”

Giraldo Sandri, presidente do Sindilojas do Vale do Taquari, considera positiva a proposta de alteração dos critérios de contratação. Para ele, a possibilidade de terceirizar alguns serviços facilita a relação entre empreendedores, contratantes e trabalhadores.

“Vejo que é viável em algumas empresas, quando não há a necessidade de tempo integral do funcionário. Daí, ele pode ser contratado por hora. A empresa consegue diminuir custos e o profissional tem a oportunidade de conciliar seu tempo e realizar atividades em mais de um lugar”.

Já o o presidente da Fecomércio, Luiz Carlos Bohn, vê com mais otimismo a aprovação da mudança. “A possibilidade de uma empresa contratar, com segurança jurídica, outra empresa para determinada etapa da produção constitui uma relação simples no funcionamento de uma economia, e permite maior especialização, produtividade e aumento de renda dos trabalhadores”, afirma.”

Quem também acredita em uma maior segurança jurídica às empresas é o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Heitor José Müller. Para ele, o projeto dá mais proteção ao trabalhador. “É um avanço, pois define regras claras para algo que já é uma realidade no mundo. São normas compatíveis com as praticadas internacionalmente na prestação de serviços ou fornecimento de bens especializados”, diz.

O presidente da Fiergs também comenta que a proposta é um passo importante para resolver o principal foco de conflito jurídico nos contratos de terceirização. Segundo ele, o conceito genérico entre atividade-meio e atividade-fim permite interpretações subjetivas. “Isso provoca incertezas nas empresas que, muitas vezes, deixam de contratar por temer sanções da Justiça do Trabalho.”

Por fim, Müller destaca que o trabalhador terá proteção assegurada com a nova legislação. “Isso porque o projeto garante, em contratos de prestação de serviços terceirizados, a responsabilidade subsidiária da contratante por eventuais débitos trabalhistas e previdenciários, já previstos na jurisprudência da Justiça do Trabalho”, afirma.

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