Estrada da  produção,   do perigo e  do abandono

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Estrada da produção, do perigo e do abandono

Na iminência de ser privatizada outra vez, A Hora percorre os 445 km da BR-386, de Iraí até Canoas. As condições de uma das principais rodovias do país pioram a cada ano. Pistas simples, sinalização precária, ondulações e buracos, máquinas agrícolas nas vias, falta de roçadas em curvas acentuadas e motoristas imprudentes deixam a viagem tensa. Nos 100,7 km de Lajeado até Canoas o percurso é mais tranquilo devido a pista dupla, mas trava nas obras de duplicação entre Estrela e Bom Retiro do Sul – e na ponte sobre a linha férrea em Nova Santa Rita.

Estrada da  produção,   do perigo e  do abandono
Vale do Taquari

Os problemas iniciam antes do primeiro quilômetro da rodovia. Na ponte de mil metros de extensão sobre o imponente Rio Uruguai, na divisa com Santa Catarina, ondulações e sensação de insegurança em função da pista simples dão as “boas vindas” a quem escolhe a BR-386 para entrar em solo gaúcho.

Em Iraí, onde as promessas de duplicação perpassam anos, a pista simples e com fluxo intenso de caminhões é o primeiro desafio. Antes do trevo de acesso à cidade, no quilômetro 1, diversas barracas estão instaladas sobre o acostamento. No local, moradores vendem diversos produtos artesanais.

É lá que Adão Valentin Aguirre, 72, passa a maior parte do tempo. Vive desde a década de 50 em Iraí. Perdeu a conta de quantos acidentes já viu e a quantidade de mortes. “Moro ao lado do trevo. É lá que a maioria morre. Tentando cruzar as pistas. São muitos choques frontais.”

Apesar do grande movimento, estima que o número de veículos diminuiu desde 2013. Segundo ele, tudo em função dos anúncios de problemas na ponte sobre o Rio Uruguai, que se potencializaram em junho de 2014, quando uma cheia interrompeu a passagem de veículos e forçou o Dnit a interditar a estrutura. A liberação ocorreu por completo um ano depois.

“Ficou conhecida como a ‘ponte que balança’. E muitos procuram evitá-la.” Sobre a necessidade de duplicar a rodovia, debocha: “A gente aprendeu a não dar bola para essas promessas.” Adão, na verdade, considera boas as condições de trafegabilidade no trecho, apesar dos buracos, desníveis e da pista simples.

Quebra molas na rodovia

Saindo de Iraí, a BR-386 segue em pista simples, avariada e com ondulações até chegar a Frederico Westphalen. Lá, a tensão vira impaciência. Em função dos cinco quebra-molas no trecho entre os quilômetros 31 e 41. Também há quatro lombadas eletrônicas. O motorista perde quase meia hora para cruzar o perímetro urbano. Animais domésticos soltos aumentam riscos de acidentes, em especial para os motociclistas.

Os redutores de velocidade, segundo o morador do bairro São Cristóvão, Carlos Corbari, foram instalados após reivindicações da comunidade escolar do colégio Duque de Caxias, próximo da rodovia. “O Dnit havia retirado o quebra-mola para obras de melhorias, um ano antes. E os pais, alunos e professores ficaram inseguros.”

Sem passarelas – já houve quatro licitações no Dnit, mas não saíram do papel –, os quebra-molas garantem o mínimo de segurança para os pedestres. Mas, com pouca sinalização e iluminação, os redutores também causam acidentes. “Já vi diversas colisões traseiras e veículos perdendo o controle, pois as placas são pouco visíveis”, diz Corbari.

“Retiro até 50 carros por mês da BR”

Parado em um posto de gasolina às margens da BR-386 em Seberi, o dono de uma empresa de guinchos, Kleiton Kuhn, é um veterano na rodovia. Trabalhou 15 anos na Univias, antiga concessionária responsável pela estrada. Conhece cada detalhe da via, também denominada de BR-158 naquela região.

“Acidentes são diários. Mas também retiro em função de panes ou outros problemas mecânicos. Acredito que, em média, até 50 carros por mês”, calcula.

Próximo dali, o caminhoneiro Lauro Conceição finaliza a inspeção da carreta. Ele é morador de Erval Seco, mas carregou em Cristal do Sul. O destino dele é Rio Grande.

“Vou demorar umas 10 horas para chegar”, calcula. Questionado sobre o tempo até Lajeado – distante 300 quilômetros –, estima seis horas de viagem. “Eu demoraria uma hora a menos se o trecho até lá fosse duplicado. Mas, do jeito que está, tem que ir na ‘manha’.”

Lavouras às margens da rodovia

A viagem segue por Boa Vista das Missões, Sagrada Família, Sarandi e Carazinho. É um trecho onde a pista simples é quase invadida pelas plantações de soja. A maioria dos produtores é associado às cooperativas locais. São diversos silos erguidos em terrenos lindeiros.

O perigo são os caminhões entrando e saindo das propriedades. Além disso, é corriqueiro ver máquinas agrícolas trafegando na rodovia ou sobre acostamentos esburacados. Em ofício encaminhado ao Dnit, o governo municipal solicita melhorias nestes acessos, a construção de vias marginais e de um trevo no quilômetro 136,8, na localidade de Beira Campo.

O fato mais trágico dos últimos anos naquele trecho aconteceu em 2015. Um veículo VW Gol colidiu de frente em uma carreta. O condutor tentou desviar de uma colheitadeira. Sílvio Petri, 60 anos, Juraci Petri, 42 e Gilmar Junker, 54, morreram no local.

Já no quilômetro 130, a estrada vicinal que leva ao aeroporto municipal de Sarandi é uma imagem do descaso. Não há rótulas, trevo ou vias marginais para veículos acessarem a via. Um pouco antes do ponto de travessia da pista, no sentido interior-capital, só há uma placa alertando o risco: “Aguarde no acostamento”.

“Custo em trecho duplicado é 30% menor”

Diretor comercial da empresa Tomasi Logística, o empresário Diego Tomasi esteve recentemente em viagem de negócios nos estados de Goiás e Minas Gerais. Foi verificar, entre outros pontos, a infraestrutura viária. “As estradas são muito melhores que as nossas. É impressionante.”

A empresa do Vale do Taquari tem unidades em Lajeado, Estrela, Canoas, Caxias do Sul, e ainda nas cidades de Itumbiara (GO), Itapecerica da Serra (SP) e na capital paulista. Pela BR-386, conta Tomasi, são pelo menos 320 viagens por mês, carregando mais de oito mil toneladas.

“O Vale do Taquari é um importante entroncamento rodoviário do Estado. Nossa localização é estratégica. Temos ligações para os principais polos”, realça.

No entanto, alerta às condições de outros estados. Para ele, as soluções apresentadas para os problemas da BR-386 são insuficientes e impedem o dinamismo da logística, gerando prejuízos. Cita a instalação de semáforos em detrimento as elevadas ou viadutos, e critica a escassez de trechos duplicados.

“O maior problema é a pista simples. Torna a viagem perigosa. O fluxo de veículos é intenso e o desenho da rodovia, principalmente entre Soledade a Lajeado, exige alto grau de atenção, disciplina e perícia.” Foi neste trecho, na descida da serra de Pouso Novo, que sete pessoas morreram em 2014 após um caminhão desgovernado atingir quatro veículos.

No trecho, são muitos buracos e pouco acostamento nas três pistas. Tomasi alerta para os gastos com a segurança. “Chegamos a conclusão que nosso custo com manutenção de veículos e combustível no trecho duplicado chega a ser 30% menor do que na pista simples”. Ainda sobre estes gastos, calcula gastar R$ 3 mil a mais por veículo no Vale do que em SP.

Perdas impactam na economia local

O empresário Nilson Gemelli defende o pedágio para ampliação e manutenção na BR. Segundo ele, as operações de logística da Gemelli Sorvetes, com sede em Lajeado, consomem 11% do total de custos operacionais gerais da empresa. “A média nacional é 13%. A norte-americana, 5%.”

Em função da precariedade da malha rodoviária, entre elas a BR-386, estima que os gastos durante o transporte representam cerca de 1% da receita global, conforme valores de 2016.

Os prejuízos combinam gastos com manutenção, avarias em produtos, segurança, tempo e distância percorrida. “O maior são as perdas de negócios. E temos que pensar que o custo de manutenção poderia ser baixado em 10% com uma boa malha rodoviária.”

Gemelli alerta para o não aproveitamento do tempo. “Um caminhão estragado e parado por um dia, deixa de entregar R$ 7 mil em produtos. Um vendedor com o carro estragado deixa de fechar pedidos em um dia no total de R$ 12 mil na alta temporada.”

Ele também fala sobre a dificuldade de visitar diferentes regiões. Cita um plano de vendas no Vale do Rio Pardo e outro no Vale dos Sinos. “O primeiro está mais próximo, mas todo o trajeto é de uma pista, o segundo, não. A frequência de visitas e efetivação de negócios é 30% maior no Vale dos Sinos.”

Aspectos positivos e negativos

A presidente do Codevat, Cíntia Agostini, aponta alguns aspectos positivos. Cita as duplicações entre Lajeado e Estrela, e de Bom Retiro do Sul até Canoas (trecho tem avarias no asfalto novo e carece de manutenção a partir de Tabaí); também a duplicação do viaduto no quilômetro 441, na divisa de Canoas e Nova Santa Rita; o policiamento rodoviário, e as parcialidades no atendimento de urgência em acidentes e na iluminação da rodovia em trechos urbanos.

Como aspectos negativos, chama a atenção para problemas de manutenção, e avarias que resultam da falta de fiscalização quanto a sobrecarga dos caminhões. Realça ainda a necessidade de duplicação e de melhorias em acessos municipais; qualificação do atendimento de urgência médica e das poucas passarelas. “As melhorias resultam da mobilização regional. Temos que ter manutenção e investimentos Falamos em economia, mas, fundamentalmente, em vidas.”

 

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