Deserto: um silêncio que fala e uma aridez que hidrata

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Deserto: um silêncio que fala e uma aridez que hidrata

Partir rumo ao Deserto do Atacama de carro e sozinhos foi uma decisão fácil para os lajeadenses Aline Lenz e Paulo Hopper. O casal sempre opta por chegar aos lugares pelos próprios pés ou, como no caso do Atacama, sobre…

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Partir rumo ao Deserto do Atacama de carro e sozinhos foi uma decisão fácil para os lajeadenses Aline Lenz e Paulo Hopper. O casal sempre opta por chegar aos lugares pelos próprios pés ou, como no caso do Atacama, sobre rodas.

A liberdade de ficar ou partir é essencial para eles, que são fãs da fotografia e mantêm uma certa aversão às multidões. “O namoro com a Cordilheira dos Andes foi uma paixão súbita que facilitou a nossa entrega ao deserto”, conta a professora e escritora.
Aline chegou a Paulo pela admiração de suas imagens. Ele, por meio das palavras. “Admiro profundamente a sua fotografia, exatamente pelo mesmo motivo que ele gosta das minhas letras: a infinitude do indizível. Nossa viagem é seguir nos achando e nos perdendo, mundo afora e mundo adentro, infinitamente.”
O silêncio, desde o primeiro encontro com o deserto, gritou tudo que precisavam escutar. “Aliás, estar diante de belezas e infinitos que transbordavam o nosso olhar, e não se traduziam em palavras, nos ensinou a conversar através de silêncios.” O vento, mesmo com tão pouco oxigênio, abraçava constante e alentava do calor.

“Era também o vento que nos contava da força daquilo que não vemos, mas que não podemos deixar de enxergar”, conta Aline.

O som do silêncio

Xiu! Todos fiquem quietinhos! Quero ouvir o som do silêncio.
Difícil de encontrar, raro mesmo. O som do silêncio não está disponível onde ou quando quisermos e o mais impressionante é que, se não estivermos atentos aos poucos momentos em que ele se revela para nós, somos capazes de passar anos ou até mesmo uma vida inteira sem ouvi-lo.
Antes de mais nada, temos que compreender que o silêncio pode apresentar o seu som em vários tons diferentes, depende mais da nossa capacidade de escuta do que dele (o silêncio) propriamente dito. Algumas vezes, esse som vem embalado por notas de saudade. Em outras, chega cheio de inspiração para criação.

Há também as situações em que a solidão é quem dita a melodia. Há silêncios que acontecem no nosso interior e outros no nosso exterior. Na minha opinião, sempre dependerá, como já disse há pouco, da nossa capacidade de escutar e isso, meus amigos, muda muito com o decorrer da vida, das experiências e aprendizados que vamos construindo com o passar do tempo.

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Bom exemplo disso eu vivi um dia desses quando em um dia de primavera, mais precisamente em um domingo cedinho da manhã, eu estava sentada sozinha no jardim da minha casa. Todos ainda dormiam, inclusive os cães da vizinhança.

Enquanto o sol aquecia meu rosto, fui envolvida, verdadeiramente tomada, por um lindo, intenso e confortante som de silêncio. Percebi que aquele som me era familiar.

Já havia ouvido aquele silêncio antes, mas confesso que de pronto não soube dizer quando. Aos poucos, o som do silêncio foi ficando mais alto.
Fechei os olhos. Concentrei-me e comecei a decifrar as notas. Algumas tinham som de insetos e outras de pássaros. O vento também assobiava aos meus ouvidos em ondas que subiam e desciam.

 

Nenhuma das notas trazia qualquer tom de urbanidade. Havia eco de palavras ditas por crianças. Parecia-me que algumas notas traziam o som do rugido de um balanço de ferro.
Era isso! Despertei quase que de um transe. Foi o rugido do balanço de ferro que se mexeu com o vento que me trouxe o som do silêncio! Agora eu lembrava. Tudo fazia sentido.

Realmente aquele som do silêncio me era familiar. As manhãs de domingo da minha infância tinham esse som. Som do vento, dos pássaros e insetos. Som do silêncio do domingo.

De uma época em que eu ficava sozinha no quintal da nossa casa me embalando alto e mais alto… Eu passava horas desse jeito, escutando o ruído do vai e vem das correntes de ferro do meu balanço e sonhando acordada com o futuro que um dia chegaria. Bons tempos.

Uma época em que os meus tormentos interiores ainda eram poucos ou nenhum, em que me era possível ouvir o som puro e alegre da vida simples e descompromissada da minha singela, mas digna infância.
Interessante. Agora o futuro daqueles sonhos já é o meu presente. E de presente recebi naquele domingo um raro silêncio que oportunizou calar a minha mente e me fazer sonhar acordada com um passado que já vivi. A vida tem mesmo dessas.

 

O casal 

Paulo Hopper é fotógrafo profissional. Aline Lenz é professora e fora da sala de aula usa as palavras para chegar e partir.

O local

A cidade San Pedro de Atacama é ponto de partida para o turismo no deserto. Fica na província de El Leoa, norte do Chile, fronteira com a Bolívia e a Argentina. Para chegar ao vilarejo, o curista precisa partir de Calama por 1h30min de carro.

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