Leitura se mantém como hábito raro entre os brasileiros

Vale do Taquari

Leitura se mantém como hábito raro entre os brasileiros

Pesquisa do Instituto Pró-Livro aponta que apenas 51% da população é leitora assídua. Número é seis pontos percentuais maior do que em 2011. Ainda assim, alta é tímida, apontam especialistas

Leitura se mantém como hábito raro entre os brasileiros
Vale do Taquari

O escritor Monteiro Lobato tornou famosa a frase “Um país se faz com homens e livros”. Lobato viveu em uma época de altos índices de analfabetismo, cenário bastante diferente do atual. Apesar da mudança desde a chamada República Velha, época em que o escritor paulista publicou as primeiras obras, a leitura está longe de ser o hábito mais apreciado no país.

Segundo o levantamento divulgado no ano passado pelo Instituto Pró-Livro, 56% da população leu ao menos um livro inteiro ou em partes nos três meses anteriores ao estudo. Esse é o critério adotado para ser considerado um leitor. O estudo aponta que cada pessoa leu, em média, 2,5 obras (inteiras ou em partes) no ano.

Em comparação com a pesquisa de 2011, foi constatado um crescimento de seis pontos percentuais no número de leitores. Embora torcesse por números melhores, a coordenadora do estudo, Zoara Failla, considera os resultados satisfatórios em razão do momento político e econômico do país. “Está dentro do esperado, mas logicamente gostaríamos de uma melhora maior. Só que com a situação brasileira não dava para esperar números melhores que esses.”

Zoara ressalta a importância da leitura na formação do cidadão. “A leitura, seja técnica ou literatura, cria possibilidade crítica, quem é um leitor autônomo se envolve com cultura geral e também amplia a possibilidade de análise e comparação.” Mesmo compreendendo as dificuldades sociais para incentivar as pessoas a ler, ela defende que em momentos conturbados é que o hábito se faz mais necessário. “E ter essa capacidade de crítica no nosso país nunca foi tão importante para termos um cidadão pleno, que tenha a compreensão do que acontece na nossa sociedade.”

PrintAdultos têm menos prazer na leitura

Um dos dados mais significativos apontados pela pesquisa é o fato de que as crianças e adolescentes são os que mais leem por prazer. Entre os adultos com idade entre 20 e 29 anos a leitura por gosto cai drasticamente. Na avaliação de Zoara, isso ocorre pela má qualidade do ensino, seja privado ou público, do país. “O fato de ter melhorado a escolaridade não significa a melhoria na competência da leitura.” Outra pesquisa apontou que os estudantes têm dificuldade de interpretação.

Para Zoara, essa limitação é um dos fatores que afastam os jovens adultos dos livros. “Se o indivíduo tem dificuldade de compreensão, certamente não terá capacidade de ler um livro.”

O panorama atual cria uma situação complexa, na qual mais pessoas terminam o Ensino Superior, mas consomem menos livros. “A pessoa tem o diploma, mas não tem mais competência nem mais leitura por causa dessa formação deficiente”, constata Zoara.

Na avaliação da pesquisadora, para o crescimento no número de leitores, é fundamental melhorar o ensino do país. “Enquanto não resolvermos a questão da qualidade da educação, sempre teremos um limitador para melhorar o índice de leitura geral.”

Ex-professora universitária e primeira presidente da Academia Literária do Vale do Taquari (Alivat), Ana Cecília Togni viu na prática o cenário descrito por Zoara. “Deveria haver o desejo e a vontade de ler um livro inteiro. Tive alunos na faculdade que nunca tinham lido um livro completo.” Na avaliação dela, embora os adultos sejam mais difíceis de cativar, é necessário criar ações voltadas para esse público. “Deveríamos ter políticas e programas para captar leitores de todas as faixas etárias.”

Entre as alternativas para alcançar os adultos, Ana sugere mudanças nas feiras do livro dos municípios da região. “Nesses eventos, em geral, as livrarias não levam títulos muito interessantes. Elas optam por produtos de baixo preço para que crianças e jovens possam comprar.” Na avaliação dela, é importante disponibilizar obras mais populares para conquistar clientes adultos.

Apesar de reconhecer a necessidade das políticas de incentivo aos adultos, Ana ressalta que o hábito da leitura ainda é despertado entre crianças e adolescentes. “É mais difícil despertar o interesse dos mais velhos, então o principal momento da formação leitora é quando mais jovem.” Para ela, o hábito despertado cedo continua pelo resto da vida. “Quando as pessoas começam a trabalhar, se a leitura não está arraigada, dificilmente ela começará a ler. Com nosso cotidiano agitado, as pessoas deixam a leitura para depois.”

Professora do curso de Letras da Univates, Rosiene Haetinger aponta outros caminhos além das feiras para atrair o público. Há algumas iniciativas interessantes: livros para empréstimo em lugares públicos, em empresas, em hotéis, em salas de espera. Se o livro está disponível, as pessoas acabam tendo interesse em ler.” A professora ressalta ainda a necessidade que uma mudança cultural, inclusive na hora de presentear, pode colaborar para uma mudança. “Essa cultura da leitura deve partir de todos: e se começássemos a presentear com livros.”

ADULTOS LEEM POUCO: especialistas apontam necessidade de criar ações com foco nos adultos para aumentar o número de leitores do país. Crianças e adolescentes são os que mais encontram prazer na leitura.

ADULTOS LEEM POUCO:
especialistas apontam necessidade de criar ações com foco nos adultos para aumentar o número de leitores do país. Crianças e adolescentes são os que mais encontram prazer na leitura.

Dificuldade no acesso

Um dos entraves regionais para ter mais leitores é a escassez de livrarias dedicadas à venda de obras. Em grande parte, autores clássicos e atuais dividem espaço com mochilas, cadernos e outros produtos de papelarias. Sem a dedicação exclusiva, as obras ofertadas acabam sendo pouco atraentes. “Nós temos pouquíssimas livrarias que se dedicam a livros, e muitas vezes os títulos mais famosos não chegam”, lembra Ana.

A alternativa para escassez de pontos de venda são as bibliotecas públicas. Entretanto, Rosiene considera o número de locais do tipo ainda pequeno em comparação com a necessidade. “As pessoas devem ter acesso ao livro para que possam ler. Uma biblioteca pública por cidade, por exemplo, é pouco.” Para ela, seria necessário investir em espaços diversificados para deixar o livro acessível a todos. “As pessoas que moram em bairros mais afastados do centro, onde geralmente se localizam as bibliotecas, dificilmente irão se deslocar. Seria muito mais interessante se cada bairro tivesse uma biblioteca pública.”

PrintDesafio em sala de aula

Professora de Literatura no Ensino Médio em Lajeado, Magda Jandrey enfrenta diariamente as dificuldades para tornar a leitura um hábito. “A maioria dos alunos não costuma ler nada, então, levo pelo menos seis meses para criar o costume.” Entre as estratégias usadas, está a de apresentar aos estudantes temas mais leves e atuais antes de autores clássicos. “Não tem como iniciar o trabalho com livros densos como as obras de Machado de Assis, então, começo com textos que falam de internet, telefone, música e outros assuntos que fazem parte do cotidiano deles.”

Como ministra aulas para o 1o ano da rede pública estadual, Magda destaca ainda as diferenças culturais como entrave para cativar mais leitores. “Eles chegam na escola vindos de realidades sociais e estudo completamente diferentes. Isso torna o trabalho mais demorado”. Apesar das dificuldades, a professora relata ver muitos alunos se interessarem pela leitura e fazerem dela um hábito.

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