País rediscute punição a menores

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País rediscute punição a menores

Criminalizar infrações de adolescentes como se fossem adultos divide opiniões. Diante do avanço da criminalidade, parte da sociedade é favorável à mudança na constituição. Porém, analistas acreditam que a medida não reduz a insegurança, além de aumentar a superlotação do sistema carcerário.

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Vale do Taquari – O presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desarquivou o projeto de emenda constitucional que reduz de 18 para 16 anos a idade mínima para que pessoas sejam julgadas.

03Protocolada em 1993, a proposta tem apoio de parlamentares que defendem políticas de tolerância zero à criminalidade. Na próxima semana, o texto entra em votação na Comissão de Justiça e Cidadania do Congresso Nacional.

A defesa política do projeto reflete o desejo de grande parte da população. Pesquisa divulgada em fevereiro pelo Instituto Índex mostrou que 91,2% dos gaúchos defende a redução. Destes, 40,5% querem que adolescentes a partir dos 14 anos sejam presos como adultos quando cometerem crimes.

Para os defensores da proposta, a redução na maioridade penal seria uma resposta à impunidade. Hoje, menores envolvidos em crimes são julgados em cortes especiais e internados em instituições como a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), seguindo as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

As penas previstas incluem períodos de seis meses a três anos de internação. Também se aplicam medidas de semiliberdade e de prestação de serviços à comunidade. Dados da Secretaria de Direitos Humanos mostram que cerca de 60 mil adolescentes passam por unidades de correção no país a cada ano.

Mesmo com apoio popular, a proposta é criticada por juristas e cientistas sociais. Responsável pelo Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Lajeado, Luís Antônio de Abreu Johnson, afirma que a redução é inconstitucional e agravaria o problema da criminalidade juvenil.

O artigo 228 da Constituição determina que menores de 18 anos não podem ser responsabilizados criminalmente. “É uma cláusula pétrea, que não pode ser modificada por meio de emenda.” Para ele, isso não significa que os adolescentes deixem de ser punidos, uma vez que as medidas socioeducativas são aplicadas partir dos 12 anos.

Segundo Johnson, em média, 20 processos são movidos contra adolescentes no Juizado em Lajeado por mês. Porém 90% das ações envolvem atos infracionais de menor potencial ofensivo. “No último ano, julguei apenas um processo envolvendo homicídio praticado por adolescente.”

A maior parte das ações é composta por delitos como furtos e posse de drogas. Segundo o juiz, o número que mais cresce é o de adolescentes julgados por tráfico de pequenas quantidades. “São usados como “mulas” pelas organizações criminosas.”

Caso a maioridade penal seja reduzida, Johnson acredita que levaria adolescentes a conviver prematuramente com “bandidos”. Para o juiz, a medida aumentaria ainda mais os índices de criminalidade ligados à juventude. Segundo ele, por estarem em desenvolvimento, crianças e adolescentes necessitam de maior atenção do Estado com políticas públicas que atendam necessidades básicas.

“A ausência dessas políticas faz com que os jovens entrem em conflito com a lei”, avalia. Na opinião do magistrado, a solução seria aperfeiçoar medidas socioeducativas para que promovam de fato a inclusão social dos adolescentes.

Sistema prisional não comporta essa mudança

Uma das principais consequências de reduzir a maioridade penal seria a inclusão de adolescentes no sistema prisional.

Sub-comandante da Brigada Militar do Vale do Taquari, o tenente-coronel César Augusto Pereira da Silva, dirigiu durante um ano o Presídio Central de Porto Alegre, principal penitenciária gaúcha. Para ele, as cadeias brasileiras não têm condição de receber menores infratores.

“Os presídios já estão superlotados e não existe nem espaço físico para a prisão de menores.” Segundo ele, a condição das casas prisionais inviabiliza a recuperação dos detentos, principal função da pena de cárcere. “Mesmo na Fase a recuperação é difícil. Imagina se esses menores estiverem presos com os adultos?”, questiona.

Silva acredita que redução poderia ser pensada como forma de conter o envolvimento crescente de menores na criminalidade, desde que o país tivesse estrutura suficiente para isso. “A proposta tem que ser debatida.”

Proposta é inaceitável, diz socióloga

Integrante do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a socióloga Letícia Maria Schabbach classifica como caótica a situação dos presídios.

Conforme Letícia, a crise se agravaria ainda mais, caso a redução da maioridade penal seja aprovada, pois causaria o aumento da população carcerária. “Além disso, a proposta é inaceitável do ponto de vista ético.”

Para a socióloga, os direitos humanos de crianças e adolescentes devem ser respeitados e garantidos de forma integral. “Não podemos tratar indivíduos em formação como se fossem adultos plenamente formados.”

De acordo com Letícia, a medida ainda seria ineficiente. “Nos países que reduziram a maioridade penal não houve um decréscimo subsequente da violência”, ressalta. Cita os exemplos de Espanha e Alemanha, que desistiram de criminalizar menores de 18 anos.

Debate global

A idade mínima move discussões em diferentes países e organizações. Levantamento da Unicef mostra que a variação da maioridade penal oscila entre os 12 e 21 anos em 54 países pesquisados.

Alguns desses adotam uma faixa intermediária após a maioridade penal. Em países como Alemanha, Portugal e Escócia jovens entre 18 e 21 anos são julgados pela Justiça comum, mas têm penas atenuadas devido à idade.

Nos EUA, a lei varia entre os estados. No Texas, adolescentes com mais de 12 anos podem ser submetidos aos mesmos procedimentos dos adultos, inclusive com a imposição de pena de morte ou prisão perpétua. No Japão e em grande parte da União Europeia, jovens só passam a ser julgados como adultos depois dos 21 anos.

O Comitê dos Direitos das Crianças da ONU recomenda a existência de leis e de um sistema judicial especializado em infância e adolescência. Para a entidade, a responsabilidade juvenil deve ser a partir dos 13 anos e a maioridade a partir dos 18.

“Todos sabem que o presídio é uma escola”

Promotor de Justiça faz13 anos, André Prediger atua faz pelo menos uma década na área da Infância e Juventude. Desde 2008, leciona no curso de Direito na Univates. Entre as disciplinas ministradas, está uma específica sobre o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).

A Hora – Parcela da sociedade considera o ECA protetivo, responsável por condicionar liberdade aos menores infratores e tirar o poder de atuação da família. Qual sua análise sobre isso?

André Prediger – A legislação é taxada como responsável por não permitir educar, não permitir reprimir. Mas isso não está escrito em lugar nenhum. O estatuto reforça o papel da família, da autoridade dos pais, de professores. Claro que algumas coisas foram proibidas, como a agressão física. Agora, não é porque o professor não pode mais bater em aluno que ele perdeu a autoridade. Ficou cômodo culpar o ECA.

Quando olhamos a realidade daqueles pais que alegam não ter mais o que fazer, são aqueles que chegam cansados em casa à noite e querem descansar. Mas esta é a hora de exercer o papel e se aproximar dos filhos. Muitos não aceitam fazer isso. Para eles, os filhos devem receber educação na escola. Educação é em casa. Na escola, ele vai para aprender Português, Matemática ou Geografia.

A Hora – Quais as atribuições do ECA?

Prediger – Tudo o que é crime para adulto, é ato infracional para adolescente. Existe uma ordem gradual de punições aos infratores. Temos seis medidas socioeducativas. A primeira, um puxão de orelha em audiência com promotor, juiz, advogado e os responsáveis. Em 90% dos casos se resolve o problema assim.

Infelizmente, para alguns é insuficiente. Mas temos outras medidas, como reparação de danos e até a internação por três anos na Fase. E daí temos casos até esdrúxulos, como o furto, no qual o adolescente vai tomar uma reprimenda maior pelo ECA do que o adulto pelo Código Penal.

A Hora – Se não a redução da maioridade penal, o que você acredita ser mais importante?

Prediger – Nos últimos anos o ECA, sofreu muitas alterações, em especial no que tange à família. Talvez seja a hora de mudar algumas medidas socioeducativas. Se três anos forem insuficientes na Fase, então vamos aumentar o tempo, mas não vamos jogar um adolescente no presídio.

Todos sabem que o presídio é uma escola. Alguém que entra por agressão, por exemplo, acaba convivendo próximo com outros criminosos. Como o traficante fica mais tempo ali, ele acaba se servido disso – te protejo aqui e nada vai te acontecer, em troca, como vai sair antes, vai assumir meu ponto de droga. Queremos que isso aconteça com alguém de 16 anos? Que vai entrar lá ainda mais fragilizado fisicamente, psicologicamente e intelectualmente?

Tem uma frase da Susepe interessante: hoje “o preso está contido, amanhã estará contigo”. Trancar não é a solução, vai postergar e potencializar o problema. Pretender resolver o problema criminal infanto-juvenil reduzindo a maioridade penal, me parece querer curar a dor de cabeça cortando a cabeça fora.

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