Prejuízos econômicos  obrigam União a negociar

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Prejuízos econômicos obrigam União a negociar

Protesto inicia desabastecimento e queda na produção. Governo cede e promete atender reivindicações da categoria. Movimento só para com proposta concreta.

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Vale do Taquari – Manifestantes bloqueiam a BR-386 com pneus e cones, observados de longe por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Das quatro pistas, atuam em duas, uma de cada lado da rodovia. Motoristas dos demais veículos buzinam e acenam em apoio.

04Há caminhoneiros de diversos pontos do país. O catarinense Dirceu Klaus aponta o endividamento da classe pela defasagem no preço do frete. O movimento cresce. Para Alex Costa, de Taquari, a situação não chegaria ao limite, se houvesse fiscalização do percentual pago aos profissionais autônomos por parte das transportadoras.

Sete rodovias das regiões dos vales estão entre as 60 vias gaúchas com bloqueio para a passagem de caminhões. O escoamento da produção gaúcha e o abastecimento são prejudicados.

Preocupado com o impacto político e econômico, o governo se reúne com caminhoneiros e empresas de transportes. A presidente Dilma Rousseff adianta que sancionará a Lei do Caminhoneiro, que fixa jornada de trabalho desses profissionais, para facilitar a negociação. Outra possibilidade é a ampliação do prazo do PSI, o financiamento do BNDES para a compra dos caminhões.

O governo também está receptivo em relação ao preço mínimo do frete, mas irredutível quanto à redução do preço do diesel ou qualquer subsídio, como declarou a presidente Dilma.

O movimento preocupa a cadeia produtiva, o comércio e atinge hospitais. Há temor de desabastecimento de alguns produtos ao Hospital Bruno Born (HBB), de Lajeado, apesar de manifestantes garantirem passe livre nesses casos.

A empresa fornecedora de soro indicou preocupação quanto à entrega nos dias em que há paralisação. Segundo o diretor-executivo de Cristiano Dickel, há estoque para 12 dias. Outra preocupação é quanto aos cilindros de gás oxigênio, utilizados durante cirurgias e na UTI. Um carregamento está previsto para hoje. “Não temos como saber se vem ou não. Temos que esperar.”

A paralisação chama atenção às mazelas da categoria, afetada pelo preço do frete defasado frente ao aumento dos custos. Mas alerta para a dependência do país no modal rodoviário.

Em 2014, o investimento federal em rodovias somou R$ 13 bilhões, frente a R$ 3,8 bilhões em ferrovias e R$ 680 milhões em hidrovias. A decadência do transporte fluvial e ferroviário se intensificou a partir dos anos 80.

Em 2014, de acordo com a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), o movimento no Porto de Estrela ficou abaixo de cem mil toneladas. No auge, há 35 anos, chegou a 1,3 milhão. Empresas optaram pelo transporte terrestre.

Com grande parte do custo do produto final atrelado ao frete, a Fruki tentou utilizar o modal. Mas segundo a diretora financeira, Aline Eggers, as condições de navegabilidade no rio em diferentes épocas do ano e a falta de infraestrutura inviabilizaram o negócio. Hoje, dependente das estradas, a empresa precisa trabalhar em horários alternativos para entregar os produtos.

Produto fica na estrada

Fornecedores de supermercados estão estacionados. De acordo com a relações públicas de uma rede de supermercados, Alessandra Santos, alguns suspendem entregas em função dos bloqueios.

No entanto, o desabastecimento só será risco se a greve permanecer por mais dias, diz. Por enquanto, caminhões buscam rotas alternativas para abastecer as dez lojas da rede. “Se o manifesto continuar até domingo, tomaremos outra medida para conseguir os produtos.”

Ao menos três postos de combustíveis ficaram ontem sem oferta por horas. De acordo com o proprietário do Posto do Neco, Luiz Antonio Mallmann, pela maior procura de motoristas, preocupados com as chances de haver escassez nos próximos dias.

Alguns postos triplicaram o movimento. A maioria dos pedidos era para completar o tanque, dizem os frentistas. Um posto de Estrela garantiu estoque extra de 10 mil litros de gasolina e 5 mil de diesel. Outros têm apenas para hoje e aguardam abastecimento. Segundo Elton Faleiro, a situação preocupa se o manifesto continuar no fim de semana.

Oito indústrias de produção de suínos suspendem atividades. Sem garantia de ração. O farelo de soja utilizado para compor a dieta dos suínos não está chegando nas fábricas e o produto que já existe preparado e armazenado nas fábricas não pode sair para as granjas por falta de transporte.

Logística encarece produtos

O movimento dos caminhoneiros ganha adesão de agricultores. É comum a presença de tratores bloqueando passagens. Em meio aos anúncio de recordes na produção de grãos, o produtor é obrigado arcar com o aumento do preço do diesel para escoar a produção.

O custo logístico acima dos praticados em países como os Estados Unidos da América (EUA) encarece o produto e causa perda de competitividade. A expansão da agricultura é limitada pela falta de infraestrutura. Falta de investimentos em hidrovias e ferrovias.

Movimento legítimo

Para o sociólogo César Goes, o movimento é legítimo e os participantes mostram absoluto controle. “Se tivéssemos um modelo bom de ferrovias, eles deveriam fazer mais para serem ouvidos.”

Segundo Goes, há uma convergência de interesses entre patrões e trabalhadores, o que consolida a força do movimento. No entanto, diz, seja qual for o resultado do movimento, não haverá mudanças significativas para os trabalhadores. Quem ganha serão as grandes corporações, atesta.

A situação de tensão no país, no entanto, favorece grupos minoritários a ganharem visibilidade. Por enquanto, fortalece a minoria que tenta alimentar o pedido de impeachment da Dilma Rousseff. “Se passar muito tempo e se o governo for intransigente na negociação, talvez tenhamos uma cenário mais complicado e outros setores podem começar a influenciar.”

“Pagamos pela falta de planejamento”

Professor do curso de Logística da Unisinos, de São Leopoldo, Rafael Bassani aponta a falta de planejamento dos governos e as constantes mudanças nos cargos de ministro como fatores da dependência do país na malha rodoviária. Para ele, empresários estão receosos de investir em outras formas de distribuir mercadorias.

A Hora – O país é dependente do transporte rodoviário. Investimentos em alternativas despencam desde os anos 80. No Vale do Taquari, temos a ferrovia e o porto, mas pouco aproveitados. Quais fatores contribuíram para isso?

Rafael Bassani – É uma série de falhas na execução e condução desse processo. Investimentos iniciados com Juscelino Kubitschek, na ideia de crescimento de 50 anos em 5, não foram mantidos por governos seguintes. Falta planejamento desde os anos 70. Hoje pagamos caro por isso.

O regime militar até contribuiu, mas pouco. O planejamento terminou com a redemocratização. Ministros de planejamento e infraestrutura não esboçam uma ideia do que vai ocorrer nos próximos cinco, dez ou 20 anos. Para piorar, o quadro do governo muda a toda hora. Muda o ministro, muda o planejamento. Aí qualquer planejamento a curto, médio e longo prazo e uma sequência desse trabalho se perde.

A Hora – Empresários podem procurar alternativas?

Bassani – Estrela tem um Porto. Se as dragas estivessem abrindo os calados, permitindo o fluxo contínuo, o aproveitamento do espaço seria muito maior. Mas para o empresário, investir nisso é inútil sem planejamento público. Não sabe se a malha hidroviária se manterá em atividades no ano seguinte. O que dirá em cinco ou 20 anos.

O empresário precisa ter uma segurança jurídica e de acesso a financiamentos baratos. Isso depende de um plano da União, do Estado e do município. A informação do BNDS é que dinheiro tem. O país não precisa depender só das rodovias.

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