Internet limita o vocabulário

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Internet limita o vocabulário

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Ao mesmo tempo em que agiliza a comunicação, as mídias digitais como: Facebook, o MSN e o Twitter comprometem o desenvolvimento de textos com o uso correto do português.

Um estudo publicado em 2010 pela University College of London, da Inglaterra, aponta que os jovens de 12 a 18 anos têm dificuldades para escrever textos longos. O motivo é o uso da internet em demasia.

internetesEm escolas e universidade da região, a internetês (denominação para a língua usada na internet) influencia no desenvolvimento gramatical e na elaboração de redações formais. Em vários casos, alunos usam abreviações e gírias comuns enraizadas nos meios digitais.

A dificuldade de concentração dos estudantes, pouca leitura de livros e plágio são desafios a serem melhorados nas instituições de ensino.

Especialistas reforçam a importância de separar as plataformas digitais das salas de aula. “Não se trata de condenar a internet, mas sim de fazer o aluno entender sobre as ocasiões em que ela pode ser aplicada”, destaca o mestre em Linguística Aplicada e professor de diversas instituições do estado, Paulo Flávio Ledur.

Ele acrescenta que o internetês se estende para as ocasiões formais. Ledur diz que diversas pessoas usam essa nova linguagem para encaminhar currículos, quando o uso correto da Língua Portuguesa é essencial. Caso o candidato insista na linguagem coloquial de internet, será excluído do processo de seleção.

A professora de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio Estadual Presidente Castelo Branco, Virgínia Schlabitz é testemunha. “A internet influencia na produção textual de diversos alunos das sete turmas do 3° ano do Ensino Médio, as quais leciono.”

Segundo ela, houve o empobrecimento do vocabulário dos estudantes. “Não tem mais volta, a internet está aí e os alunos se acomodaram.” Ela acrescenta que é comum encontrar nos textos expressões que deveriam ficar restritas na internet. “(Os alunos) colocam muitas gírias nas redações.”

Entre elas estão as abreviações, como o “vc” (você), o “tbm” (também) e o “eaí meu”. Virgínia diz que é difícil a maioria dos alunos recebe notas de excelência pelo texto desenvolvido em aula.

O vocabulário pobre não é restrito aos alunos das escolas públicas. A professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação do Colégio Madre Bárbara, Grasiela Kieling Bublitz constatou problema semelhante ao corrigir os textos dos alunos. “O que a gente vê é que há pobreza vocabular.” Ela aponta a leitura superficial de livros como a responsável pelo resultado.

A diferença entre as duas escolas está no conteúdo das redações. Enquanto na Presidente Castelo Branco a professora Virgínia diz que é comum as expressões na internet serem escritas, na Madre Bárbara isso não ocorre.

A professora Grasiela destaca que os trabalhos desenvolvidos em aula estimulam os alunos a escreverem corretamente.

Falta de senso crítico e plágios

Grasiela Bublitz reconhece que a internet tem benefícios. Ela diz que a agilidade na comunicação estimulou a produção textual. “Os alunos nunca escreveram tanto como agora.”

A professora Virgínia Schlabitz concorda. Ela salienta que os estudantes estão mais informados e destaca a agilidade da ferramenta para ampliar o conhecimento. Mas, admite que é comum encontrar trabalhos plagiados em algumas situações.

“Alguns ainda deixam o endereço do site no rodapé da página.” Informa que os trabalhos são realizados em sala de aula, para evitar as cópias literais de conteúdo.

Virgínia destaca que esta facilidade de informação diminuiu o senso crítico dos alunos e prevê uma dificuldade para a elaboração de redações para o vestibular – em especial o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

As duas escolas trabalham para que os alunos leiam mais. Virgínia conta que tenta gerar debates durante as aulas. Cita como exemplo o trabalho exercido por um colega que leciona Geografia: quando ele identifica a cópia literal de trabalhos publicados na internet, debate com os alunos para os pontos corretos e os pontos negativos do trabalho copiado.

Acrescenta que estimula os alunos a lerem, contando a eles o enredo dos livros que lê. “Quando eles acham o assunto interessante, vão até a biblioteca e o retiram.”

No currículo elaborado no Madre Bárbara, os alunos conhecem as diferentes formas de escrita, como crônica, notícias e contos. Grasiela diz que a transformação desses gêneros em pequenos filmes auxilia na leitura dos alunos.

Resvalos no Português

A estudante do Madre Bárbara, Luana Schmitz, 17, afirma que desenvolve os trabalhos sem usar as expressões comuns na internet, mas admite que quase o fez. “Me peguei escrevendo como se fosse na internet e na hora de reler pensei ‘como é que escrevi isso?’”

Assim como a sua professora, ela acredita que a internet não influencia no desenvolvimento textual. Luana diz que os colegas sabem que, nos trabalhos de aula, precisam primar pelo português correto.

O colega Matheus Araújo, 17, contrariou Luana. Ele conta que viu alguns colegas entregarem redações com erros de português e gírias usadas na internet, mas se conteve na hora de informar quem foi.

Luana, Matheus e Juliana Balbinot, 17, concluem neste ano o Ensino Médio e prestarão vestibular. Eles admitem que, antes de iniciarem as aulas nos cursinhos pré-vestibulares, usavam cerca de três horas a internet por dia, em média.

Os três garantem ler de maneira assídua, mas Juliana confirma: o tempo dispensado para os livros é menor que para a internet.

Entrevista

O jornal A Hora conversou com a professora Clarice Hilgemann sobre o internetês (linguagem que ela define como código). Leciona Língua Portuguesa para alunos da 8ª série do Ensino Fundamental e do Ensino Médio no Colégio Martin Luther, em Estrela, e na Univates. Confira.

A Hora – O “internetês” influencia na escrita?

Clarice Hilgemann – Na escrita não interfere porque a maior parte dos alunos não tem problema de ficar horas ligados à internet. E a outra questão é: enquanto eles leem livros e jornal, e na escola escrevem diversos gêneros (dissertações, crônicas ou notícias), eles são obrigados a usar um outro “código”. Vejo o internetês como um código. Assim como inventamos abreviaturas para a nossa escrita, é isso que acontece quando eles usam essa linguagem. Há um momento em que eles podem usar esse código e não vejo nenhum problema nisso.

A Hora – O internetês e a internet influenciam na leitura dos alunos?

Clarice Hilgemann – O que eu vejo é que, com a adesão da internet, quando alguma coisa não agradou, eles trocam (de página na internet). Está faltando uma visão mais abrangente, seja lá qual assunto estiverem lendo. Nesse sentido a gente percebe que eles não são fãs de textos muito longos e falta muitas vezes, para alguns, uma capacidade de refletir sobre determinado assunto. São muito pontuais e é difícil perceber que é preciso analisar uma questão sob diferentes ângulos.

A Hora – E o senso crítico dos alunos, houve uma diminuição?

Clarice Hilgemann – Houve, mas não vejo isso como uma consequência da internet. Vejo uma geração que se preocupa consigo, que não lê muito jornal, que não se interessa por política, que não olha para os problemas sociais. Sabem que há alguma corrupção, mas não se rebelam, não formam opinião. Eles se desligam disso. Eles são bastante preocupados consigo e com o seu grupo de amigos. Pode-se falar com eles sobre corrupção, mas dificilmente procurarão ler sobre isso e não terão dúvidas.

A Hora – A internet não ajuda esse individualismo, pois eles estão a um clique de distância dos amigos?

Clarice Hilgmemann – É muito fácil dizer que eles têm muitos amigos pela internet, mas não são amigos. Quando eles se cansam, é um clique e eles desligam, e o ser humano não se desliga. Para lidar com as dificuldades para eles é problemático. Na internet eles não conhecem quem é a pessoa.

A Hora – Mas, os alunos estão mais informados?

Clarice – Eles têm muita informação, mas isso não chega a ser conhecimento. Eu vejo uma dificuldade deles em saber o que fazer com essa informação.

A Hora – Você vê como um problema ou como algo natural da sociedade?

Clarice – Não vejo que atrapalha a escrita, desde que, evidentemente, não seja uma pessoa que passa oito, dez horas, lidando só com isso. Se for isso, se ela não escreve usando o outro código, acaba transferido. Mas, eles têm consciência de que as situações exigem outro código e eles conseguem fazer essa adaptação.

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